domingo, 8 de outubro de 2023

 Bordeaux, a cidade do vinho.


Nos seus oitenta anos ele cultivava uma barba branca que terminava na altura do peito. Era seu motivo de orgulho por ser única na cidade. Ele sabia disso o que o levava a cofiar a linda barba continuamente.


Um dia, sentado no banco do jardim, aguardando a hora da missa das 10, onde a elite da cidadezinha exibia os trajes e joias… e ele, a sua barba, um menino se aproxima e olhando firme nos seus olhos pergunta: “ vovô, quando você dorme a barba fica dentro ou fora do cobertor?”Essa questão nunca tinha passado pela cabeça do ancião. 


Como acontece muitas vezes na vida, em vez de uma resposta , a pergunta nos traz uma dúvida. Nos cria um problema. Isto foi o que aconteceu - com a incerteza de onde colocar a barba, o velhinho nunca mais dormiu na vida. Passava as noites em claro tentando encontrar o melhor lugar para a sua venerável barba.


A exemplo do vovô da piada, em vez de uma barba, eu convivia tranquilamente com os meus vinhos. Harmonizava os brancos com peixes e pratos leves; tintos leves com massas e molhos de tomate; os tintos pesados com carne vermelha; e os brancos licorosos com as sobremesa. Tudo funcionava satisfatoriamente até o dia que visitei o Museu do vinho de Bordeaux.


Reafirmei lá que beber vinho mais do que um exercício da gastronomia tornou-se uma arte. Não faltam boas leituras de inúmeros autores credenciados. As vinícolas fazem degustação que sao precedidas da história da casa, das cepas e da produção. São verdadeiras aulas para  treinar na degustação de um vinho. Há todo um ritual que engloba todo o processo de escolha, serviço e degustação. De todo o processo o mais valorizado é a harmonização com os alimentos. 


Diante de um esquema tão sofisticado para quem quer levar a sério o que ditam os enólogos , o enófilo com frequência comete erros inadmissíveis aos olhos dos experts. Um muito comum é servir o Sauternes ( um vinho doce ) com sobremesa doce. Também é o referir-se a este vinho como sendo um vinho de sobremesa. Dizem eles: tome o Sauternes com Rockefort ou com lagosta e sirva Champagne com os doces.


Quem visita, em  Bordeaux,  o Museu do Vinho, a par de encantar-se com a magestade do edifício , aprende tudo sobre o vinho no mundo. O museu  conta a sua  historia milenar  - um dos primeiros alimentos a ser  conservado pelo homem. Em  vasto espaço, nos arredores da cidade, que margeia o Rio Garonne, a instituição se apresenta como uma exibição de luxo, criatividade e tecnologia. Nas exposições didáticas transmite teoria; nas interações , distingue os paladares e as sensações gustativas. É um programa de duas horas ou mais, que termina com o direito a degustar gratuitamente um dos vinhos em oferta.




Bordeaux ( bord’eau ) é a cidade do vinho. Ela tem neste produto e seus fornecedores a base da sua economia. É uma grande cidade - 813 mil habitantes. As suas grandes avenidas sao ladeadas por edifícios do século XVlll, todos na altura de quatro pavimentos. Os seus infindáveis bares e restaurantes com mesas na calçada fervilham de jovens até altas horas da noite. A cidade tem muitas universidades o que explica a sua alegre vida noturna.


A Catedral de Sto. Andre, em estilo gótico, é monumental e tem um órgão que toma toda a largura da igreja. O Grand Teatro,  construído pelo arquiteto Richelieu - homônimo do ministro de 

Luiz Xlll- destaca-se pela dimensão e beleza arquitetônica. 


Nesta temporada em Bordeaux para visitar as suas importantes vinícolas em vez de me trazer mais segurança, igual ao velhinho da barba, colocou-me como Sócrates.  Descobri que de vinho também : “só sei que nada sei”. O mundo do vinho é vasto demais para este modesto apreciador da bebida. 


Conclui, diante da sensação de impotência para dominar a arte de degustação do vinho, que doravante vou esquecer todas as regras e vou beber do meu jeito,   do jeito que gosto, vou deixar para os “snobs” degustar teoria . Vou esquecer tudo o que me ensinaram, vou queimar os meus livros e jogar fora os meus manuais. Só praticarei doravante o que manda o meu coração.


Afinal o vinho é como as mulheres, a gente gosta ou não gosta. Ninguém consegue mesmo as entender.



Bordeaux, 02 de outubro de 2023.

Jorge Wilson Simeira Jacob

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