quinta-feira, 30 de novembro de 2023

 Como a China escapou da terapia de choque.


Os governantes parecem que só conhecem um instrumento para administrar os seus países - a restrição da liberdade com a produção de leis e regulamentos. A cada problema se segue  não a eliminação da causa, mas mais do mesmo. Nunca na história se viu a eliminação de uma lei. E  há muitas que não fazem o menor sentido. Elas sobrevivem para atormentar a vida do cidadão.


O intervencionismo é  uma armadilha normalmente construída aos poucos ou , como nas revoluções ditatoriais ,pode ser de uma só vez. Quanto maior a intervenção mais dolorido é o processo de desmontá-la, como foram os casos dos países comunistas, que se tornaram inviáveis.


Os estudiosos dos processos para desarmar as armadilhas do intervencionismo econômico defrontam-se com um dilema : ou uma terapia de choque ou  gradualista. A terapia de choque implica na liberação drástica de uma só vez de qualquer interferência governamental nos preços e na produção. É a prática radical da economia de mercado.  O gradualismo, ao contrário, adota uma liberdade seletiva. Os preços e a produção vão ganhando liberdade gradativamente. Mantém-se a economia de comando.


A terapia de choque tem o seu ônus: provoca inflação e escassez de produtos, mas no médio prazo torna a  economia saudável, com preços estáveis e pleno abastecimento —  se houver equilíbrio orçamentário. Ela tem a vantagem de mostrar resultados rápidos, o que ganha o apoio da opinião pública. É como tirar um esparadrapo . Só exige firmeza dos governantes para suportar o momento crítico.


Este foi o modelo clássico da Alemanha, na Segunda Guerra Mundial, diante do desabastecimento e crescente inflação de preços. Ludwig Ehrart  , ministro da economia, liberou de uma tacada todos os controles de preços e restrições à produção. Após seis meses de profundo ajuste no mercado, provocou o milagre alemão, que  a fez rica e próspera. Como nos casos graves, há os que exigem uma terapia de choque, uma cirurgia,  como é a atual situação da Argentina. Não se cura doença grave com aspirina.


No  gradualismo , como os resultados demoram a surgir, o êxito depende de um governo forte , no geral uma ditadura como foi o caso da China. Só um regime forte para manter um processo  longo . O   tempo dado aos opositores para boicota-lo é o grande entrave deste plano.  Maurício Magri tentou na Argentina o modelo gradualista, mas fracassou. Foi derrotado pelos opositores das mudanças. Não convenceu a opinião pública ao não mostrar resultados. Tirou o esparadrapo lentamente.


No livro Como a China Evitou a Terapia de Choque, Isabella M. Weber                        ( Editora Boi Tempo, $75 ) tem um viés totalmente favorável a um processo gradualista. Praticamente descarta a terapia de choque como alternativa para casos graves.São 475 páginas de descrição minuciosa dos processos de redução do intervencionismo em que fica em destaque o preço das cousas como mote principal. Todas as preocupações, como mostra o texto , passa pelo desafio de como liberalizar os  preços 


A China sofreu as dores do parto ao longo de muito tempo. Havia convicção de que a herança do governo  Mao Tse-Tung  foi a de um país pobre e estagnado. A sua política de investir seletivamente na indústria de base miserabilizou os camponeses. Mais de 200 milhões de chineses passavam fome e 900 milhões viviam na pobreza. Não havia como não existir unanimidade para a volta à economia de mercado. Mas qual a alternativa adequada, gradualismo ou choque?




O texto é rico de informações que mostram o quanto foi sofrida a caminhada para escolha do caminho a seguir . A autora entrevistou inúmeros políticos e economistas . Constatou unanimidade na necessidade da volta à liberdade dos preços, mas relutância a um tratamento de choque .Uma observação deve ser feita ao potencial leitor. É um texto muito minucioso e recorrente. Poderia ter sido mais sintético. Há exagero de testemunhos e entrevistas para fundamentar a tese que Isabella Weber defende — a terapia gradualista.


Se o livro tem um ponto fraco a ser criticado é o de não enfocar  os males do intervencionismo na economia. O livro ignora a doença e só se atem a busca do remédio. Preocupa-se a como sair da armadilha da economia de comando, que só gera pobreza.


São Paulo, 29 de novembro de 2023

Jorge Wilson Simeira Jacob




sábado, 18 de novembro de 2023

 



Dar de si.


Ela foi condecorada na Bélgica como heroína na guerra contra o nazismo. Lutou em todas as frentes, desde a espionagem até em  combates armados, sempre destacando-se entre os seus pares. Presa pelos nazistas, saltou do segundo andar da prisão para alcançar a liberdade. Na queda quebrou uma perna, o que não impediu a sua fuga.


A Sra. Glaz, tinha a motivação dos judeus, era judia, na luta contra o nazismo. Ela era uma figura marcante. Nas reuniões dominava a conversação com os detalhes da sua vida heróica. Tornou-se uma personalidade. Onde quer que estivesse terminava como o centro das atenções e da admiração.


Evidentemente, a sua história, de tão repetida, foi perdendo interessados. Ela sentiu a perda da posição de destaque. Já que não tinha outra história, senão aquela, para ter ouvintes deveria mudar de ambiente. Foi o que fez. Descobriu nos cruzeiros marítimos um novo público. Cada nova troca de passageiros a colocava novamente em evidência. Era o que na sua idade avançada dava-lhe motivação para viver. Mantinha  viva a sua história de heroína trocando os ouvintes. Assim passou a viver de cruzeiro em cruzeiro ganhando a admiração com o seu desempenho na guerra.



A nossa heroína não diverge  da totalidade das pessoas . Todos, jovens e idosos, têm narrativas que desejam partilhar. Os jovens tem no celular o seu instrumento de contatos. Eles se  satisfazem com o uso da internet e pelo fato de estarem construindo histórias de novas descobertas e conquistas. Nunca estão isolados do mundo. Já  os idosos,  só tem uma história e a repetem a cada oportunidade. É o que eles têm! Acontece que os seus  circundantes, com frequência, demonstram desinteresse pelo caso repetido, o  que afeta o seu ânimo.


O ser humano certamente desenvolveu a capacidade de comunicar-se para suprir uma carência. Somos seres gregários. A nossa sobrevivência depende das trocas que fazemos com nossos semelhantes. A solidão é mortal. Recordar é viver! Dar e receber é uma troca virtuosa. E é contando e recontando as nossas experiências que damos significado ao nosso viver.


Não basta estar na multidão se não houver o que ouvir ou que falar. O isolamento é um sentimento que vem da ausência de comunicação. Sentimento que atinge fortemente aqueles poucos que atingem uma idade avançada. Como nem todos têm condições de viver de cruzeiro em cruzeiro  para desbravar novos ouvintes, só resta  a repetição.  Porém esperar pela  boa vontade e paciência dos outros  é uma aposta perdida. 


Ninguém demonstra prazer em ouvir o mesmo pela segunda vez. E as reações são as mesmas, dizem: “ contam as mesmas histórias a cada novo contato”. A razão é que isto é o que elas tem e é o que preenche as suas necessidades de colocar em comum o que é seu. Poucos realizam esse ímpeto de comunicação, esse “dar de sí”  embute  uma dose de generosidade.


Essas considerações ocorrem-me, ao avaliar a minha participação no meu blogue e no Jornal Opção. Tenho nessas  colunas semanais —desde que não posso viver de cruzeiro em cruzeiro — uma oportunidade de me comunicar com os  leitores dando o melhor de mim para conquistar as suas atenções. É um desafio semanal  tentar escrever algo que cative o leitor … e torcer pra ser lido e, se possível, compreendido.


Sou agradecido aos meus leitores, que me  ajudam a evitar o  isolamento em que caem os de idade avançada.


São Paulo, 25 de outubro de 2023.

Jorge Wilson Simeira Jacob


terça-feira, 7 de novembro de 2023

 Reductio ad absurdum.



A aritmética tem a “ prova dos noves”  para verificar a exatidão das contas. A lógica, ramo da filosofia, que trata de ideias abstratas, tem como instrumento de aferição o método “ Reductio ad Absurdum” (redução ao absurdo). Um exemplo clássico deste método é a seguinte colocação:” Se Deus é onipotente, se tudo pode, ele tem a condição de criar uma pedra que ,de tão enorme,  ele mesmo não pode levantar. Diante dessa impotência, evidencia-se que Deus não é todo poderoso”. 


Situações menos importantes do que essa desafiam os mortais. Uma delas é a proposta de um ministro de reduzir a semana de trabalho a quatro dias, sem redução salarial. Segundo ele, não haveria nenhuma perda para a economia, pois, as empresas criariam mais postos de trabalho e nos dias de folga, as pessoas estariam movimentando os meios de diversão, alimentação, transporte…  Ignorando os aumentos dos custos que inflacionariam  os preços reduzindo o poder de compra.


Se a premissa do genial ministro estiver correta, aplicando a fórmula da redução ao absurdo, poderíamos reduzir a zero os dias de trabalho e a produção não seria afetada. Fica a prova tão evidente do erro de raciocínio, que até uma criança do primário desprezará a sua proposta. E a Reductio ad Absurdum prova a sua validade.


O citado ministro ignora que, em um mundo competitivo,  há que se levar em conta  a produção e também a produtividade. Um trabalhador chinês trabalha mais horas por semana que um ocidental, portanto, se a produtividade for igual ( sabemos que não é) a economia chinesa será mais competitiva que a nossa, por exemplo.


É sabido que temos um dos piores índices de produtividade industrial do mercado. É por mentalidades como essa que a  indústria brasileira mal consegue vender para os próprios nacionais. Menos ainda exportar. Ao contrário da nossa agricultura, que somou condições naturais com gestão competente para ser motivo de admiração  no mercado mundial. Com certeza na zona agrícola ninguém descansa três dias na semana e a produtividade é elevada por técnicas modernas de produção, que conseguem suportar os desafios da porteira da fazenda até o consumidor.


Os mesmos brasileiros que criaram uma agricultura imbatível poderiam criar uma indústria competitiva. O que faz o nosso industrial inferior ao estrangeiro? É o não ter uma vantagem competitiva, como tem a agricultura, para suportar o Custo Brasil. Morre a indústria diante da impotência frente uma burocracia infernal - leis trabalhistas, insegurança jurídica, juros elevados - que desestimulam os investimentos. Tudo resultando no já famoso custo Brasil. O pior é que são baixas as esperanças de uma melhora. O brasileiro gosta de complicar. Tudo aqui é difícil, nada funciona e nada é previsível. É como construir  em um terreno movediço


A consequência dessa distopia é as  nossas empresas morrerem cedo. Não chegam a completar a curva da experiência das congêneres do exterior. A importância da experiência está retratada na resposta de um industrial americano quando interrogado do por que a sua empresa era líder mundial na fabricação de cadeiras. Respondeu  com singeleza: “ meu bisavô fazia cadeiras , meu avô e o meu pai também. E eu estou ensinando o meu filho como fazer melhores cadeiras. Simples assim”.


Somos um país complicado. Tão complicado que quando constatamos um absurdo, como o reconhecido pior sistema tributário do mundo, a título de simplificar, estamos adotando outro modelo ainda mais complicado. A Reforma Tributária , que deveria simplificar o atual, prevê uma  transição por quase uma década. Neste período estaremos sendo vítimas de dois sistemas. Vamos trocar o ruim  pelo pior. Que Deus tenha pena dos contadores, que terão um inferno para administrar; e dê saúde para os advogados tributaristas que terão muitas causas a defender.


Se a semana de quatro dias é igual a de cinco, a semana livre seria igual? Que responda o ministro.


Sao Paulo, 31 de outubro de 2023.

Jorge Wilson Simeira Jacob