segunda-feira, 17 de abril de 2023

 


Um Retrocesso.


O Presidente Lula disse na China que todas as noites perde o sono pensando na razão das   pessoas insistirem em usar o dólar nas suas transações. Certamente ele não atentou à história econômica para poder ter tido tal dúvida. Se o tivesse feito, saberia que as  moedas, inclusive o dólar, existem basicamente  porque as pessoas confiam nelas. 


A humanidade existe há mais tempo

 do que as moedas . Nos primórdios as trocas eram informais . Os bens e serviços eram trocados sem levar-se em  conta o seu valor. O câmbio era dispensável por estarem disponíveis todos os bens desejados. A natureza era pródiga com os primeiros seres humanos. Tudo pela  abundância não tinha valor estipulado.



As primeiras trocas surgiram quando a economia começou a sofisticar-se. A especialização exigia o intercâmbio. Quem detinha algum bem ou serviço satisfazia as suas necessidades nas trocas. Foi na fase do escambo que certos bens tornaram-se  referência de valor, como o sal, as conchas, o boi…


Evidentemente, com o aumento da variedade de bens e serviços a serem trocados, o modelo exigia uma nova solução. Acresce o fato de que nem sempre as partes desejarem usufruir dos produtos de imediato. Assim surgiu a invenção da moeda para permitir não só a troca como também ser uma reserva de valor. 


As primeiras moedas foram cunhadas com metais escassos e tiveram ampla aceitação. Um passo a frente foi, com a criação dos bancos, que no inicio  prestavam o serviço de guarda e instrumento de remessa de valores entre cidades. 


Os bancos de simples depositários evoluíram para o aluguel do dinheiro. Inovando com a descoberta dos juros  para estimulo da poupança e do investimento.


A criação das moedas nem sempre foram monopólio dos governos. Época houve em que bancos emitem moeda. O poder de emissão  dava ampla flexibilidade ao emissor e terminavam por ser monopolizadas pelos governos. O  que limitou ao  cidadão a liberdade de escolha. 


A liberdade hoje existente, ainda que sujeitas a controles governamentais, dão opções de moedas dos muitos países. Não mais existe no mundo a moeda emitida por entidades privadas. Esta uma ideia defendida pelo economista Friedrich Hayek no seu livro A Desastização do Dinheiro.


Com o fim do Império Britânico e o apogeu americano, na  reunião de Bretton Woods a libra foi substituída pelo dólar , tendo como lastro o ouro.  Lastro que foi abandonado pelo governo Nixon em 1971. Ficando o dólar tão somente sendo aceito por sua conversibilidade universal. Uso difundida pelo acordo entre os Estados Unidos e a  Arabia Saudita para que o dólar fosse a moeda das transações do petróleo.


Mesmo após a perda do lastro em ouro, o  dólar se impõem no mundo por ter as três condições exigidas para ser um instrumento mundial de trocas: 

disponibilidade — moeda da maior economia do mundo;

 conversibilidade — universalmente aceita;

 e confiança — originada pela  segurança jurídica das leis americanas. 


Nenhuma outra moeda reune as três condições. O euro , criado para substituir o dólar, não logrou senão um lugar secundário nas transações. O renminbi  , outro candidato, ainda que possa ter as duas das primeiras condições, carece da terceira. A China é uma ditadura com pouca tradição de respeito aos mercados. Não inspira confiança. Portanto, o dólar terá vida longa como moeda internacional.


O poder de emissão  tem permitido aos Estados Unidos financiar os seus gigantescos déficits com emissões de títulos dos tesouros. É o produto americano mais desejado no mundo. 


O dólar não só tem enorme poder econômico como transformou-se em um instrumento de poder político. Os Estados Unidos controlam de forma direta ou indireta toda a movimentação financeira no mundo. O mantra “siga o dinheiro para identificar o crime” ,  criou  uma burocracia insuportável para as movimentações de recursos financeiros.


É relevante ter presente que ninguém é obrigado a aceitar o dólar. Existem muitas alternativas: euro, libra, iene, reais…. Por que o dólar, sem lastro ouro, domina o comércio internacional?

Por que as nações não negociam nas suas próprias moedas? Por que ter o dólar como moeda de troca? Simplesmente por ser mais simples e econômico ter uma terceira moeda para fazer o clearance. Assim como o dólar, ninguém é obrigado ao uso do inglês como idioma comercial.


Eliminar uma moeda universal para as transações internacionais  , adotando moedas locais - ideia do Lula - é retroceder ao escambo. Seria, se possível fosse, um regresso ao passado.



Sao Paulo, 20.04.2023

Jorge Wilson Simeira Jacob