quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020


O Lobo E O Cordeiro.

Na fábula O Lobo E O Cordeiro, pretextando estar o cordeiro a sujar a sua água, no que foi contestado por  não estar, disse o lobo: se não foi você foi o seu avô... avançou e devorou o inocente cordeiro.  O que de fato era o seu propósito. La Fontaine, como moral da história alertava para  a coexistência na vida do fato e do pretexto

No prenúncio de uma crise institucional, com o   atual atrito entre o Presidente e o Congresso,  estamos diante do desafio de distinguir o que  são fatos e os  pretextos, antes de tomar partido nesta contenda. Uma análise cuidadosa exige que se organize as ideias alinhando as posições das partes. Diz o Presidente:

  • O Congresso não apoia as reformas;
  • Os políticos não aceitam o fim do toma lá dá cá ;
  • O Congresso quer praticar o Parlamentarismo;
  • Os movimentos de rua são de apoio ao governo.

O Congresso reage:

  • O governo não encaminhou propostas a serem apreciadas. Não tem, portanto,  do que reclamar;
  • A Reforma da Previdência aconteceu, por ação do Congresso, apesar da falta de envolvimento do Presidente;
  • O Presidente não quer liderar, mas submeter o legislativo, com uma política desagregadora,  de confronto. Inclusive apoiando manifestações de rua contra a Instituição;
  • As bases de sustentação deste governo são os ideólogos, os militares e os pentecostais. O Congresso sente-se marginalizado. Não é respeitado como parte legitima do processo.

Com essas visões, a opinião pública divide-se em dois partidos: a favor ou contra o Presidente.

Estão alinhados a favor aqueles que  ficariam felizes se jogassem uma bomba de hidrogênio no Congresso, como foi mencionado, por este impedir as reformas necessárias ao país. Do outra lado, como  oposição, estão os que acreditam que, por incapacidade ou sem   talento para liderar, o Presidente está preparando um golpe: ao cercar-se na cúpula do governo com  generais ( à  Venezuela ); ao demonizar o Congresso ; ao  desprestigiar a classe política;  e apoiando um movimento de rua contra a Instituição.  E pontuam , se muitas ações, que não dependem do Congresso, não andam, não dá para transferir a este a  responsabilidade pela inação do governo.

O que é pretexto e o que é fato?  Decida para apontar quem é o lobo e quem é o cordeiro desta fábula.


As Minhas Reflexões.
Jorge Wilson Simeira Jacob
27 de fevereiro de 2020.


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020


Saint Thomas Morus



Nesta semana o jornal The Telegraph, de Londres, publicou, na coluna  
Royal Picture Of The Week , uma foto do Príncipe de Wales Charles  e da Duquesa de Cornwell  Camila, na cela onde em 1535 esteve preso Thomas Morus. A visita ocorreu para comemorar os 535 anos da existência dos Beefearts - guardiões cerimoniais da Torre de Londres.

Thomas Morus, amigo pessoal ,confidente e Chanceler do reino de  Henri Vlll, foi canonizado pela Igreja Católica como exemplo de fidelidade ao Papa e defensor da doutrina, mais do que por virtudes religiosas. Escritor , criou o termo Utopia para dar nome a uma ilha imaginaria, que seria a sociedade ideal - sem propriedade e intolerância religiosa. Foi condenado à morte por se recusar a defender junto à Santa Sé a anulação do  casamento de Henri Vlll - o barba azul - com Catarina de Aragão para casar-se com Ana Bolena. A sua intransigente defesa do Sacramento do Matrimônio, considerado pela Igreja como  indissolúvel, contrariava à vontade do Rei, que para subjugá-lo manda prendê-lo na Torre de Londres. Interessado na mudança da sua opinião e pela amizade que os unia, Henri Vlll, com a posição irredutível de Morus,  incentiva a família, filhas e esposa,  a visitá-lo na prisão e convencê-lo a mudar de ideia. Tudo em vão! Na sequência, como medida extrema,  o rei o condena à morte por insubordinação. A família vai à prisão e implora a Morus que salve a sua vida. Sem êxito, como último recurso, pedem que, já que não dá valor à própria vida, que o faça como prova de amor a eles. Segue-se então a resposta de Morus, o que o fez primus inter pares:

Morus : minha filha, a maioria dos homens vive de acordo com as conveniências; raros são os que o faz na defesa das suas convicções. Seu pai quer ser um destes!

Morus foi decapitado. O Papa Clemente Vlll  o canonizou como Santo da Igreja pelo testemunho de obediência e demonstração de fé ;  o seu livro A Utopia se tornou sinônimo de idealismo; e  a sua  intransigente fidelidade às próprias  convicções o elegeu como o maior exemplo da valorização  da dignidade humana. Morus perdeu a vida para ganhar um lugar na história. Um modelo, ainda que exaltado,  raramente seguido, pois  não foi fonte de inspiração suficiente para evitar que  a maioria  continue vendendo  as sua convicções pelas conveniências do momento. Thomas Morus é santo  padroeiro de raros devotos.



As Minhas Reflexões.
Jorge Wilson Simeira Jacob
24 de fevereiro de 2020


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Saudades Da Dilma?


Devagar com o andor... . Mesmo vivendo hoje com igual nível de desemprego,  com o consumo retraído, com instabilidade política, com as reformas administrativa e tributária proteladas e sobretudo sufocados por uma burocracia castradora, ainda assim não dá para ter saudades da presidenta Dilma. Ela é hour concours!  Ainda mais por ter  tido o mérito de enriquecer o  anedotário nacional, que, ao mesmo tempo , era razão de piada e de vergonha. Porém, é preciso andar com  cuidado, pois  o santo é de barro e pode quebrar. Mas tem que avançar, pois se a procissão demorar para mostrar resultados,a turma dela  poderá ser chamada de volta, como aconteceu na Argentina. Isto independentemente das  valiosas conquistas dos seus sucessores - Temer e Bolsonaro, com: a redução da corrupção, uma inflação civilizada, a reforma da previdência e a luta pelo equilíbrio orçamentário. Acontece que estas  são águas passadas e o eleitor mata a sede na fonte  do futuro. E no  presente   persistem muitos dos fatores que alimentaram os movimentos de ruas: a perda da massa salarial, o desemprego, a deterioração dos serviços públicos e o enfraquecimento da atividade econômica, que terminaram no impeachment.

Nesta procissão é preciso cuidar para não por toda a fé no tema corrupção, ainda que importante, tanto moral como economicamente, por si só não é suficiente para contentar as massas. Elas, o povo,  sintetizam em uma bandeira - corrupção, desigualdade, ticket do transporte .... - o conjunto das suas insatisfações, mas as  reações diferem  na proporção do seu bem estar. As massas não são moralistas, são pragmáticas. E quando  falta pão  todo  mundo grita, ninguém tem razão. Assim diz o ditado. E também a realidade! Como a  falta de pão está generalizada, gritam: o Congresso que quer verbas para aliciar o seu eleitorado;  o executivo que  quer resultados para mostrar; os empresários que querem aumento da massa salarial para terem mercado; os desempregados que querem salário para viver; e os miseráveis, Bolsa Família. Estas  reivindicações não são novas. Estavam na base do descontentamento que elegeu o atual Presidente. Acalmou-se com as promessas na campanha eleitoral  de melhoria já no primeiro ano de governo, mas o tempo de espera já passou. Das reformas, só a da Previdência aconteceu. Os ânimos, depois de 14 meses deste governo, estão se aquecendo. E, com as próximas eleições em outubro a temperatura será elevada com os  discursos críticos da oposição. Eleição é momento de atrito, de promessas e de prestação de contas. Veremos!

Não só a sociedade está  decepcionada com os resultados deste ano passado, cujos resultados  do último trimestre jogaram  um  balde de água fria na esperança de dias melhores, mas também o Presidente dá sinais de impaciência com uma retomada forte da economia, pela necessidade de criar uma base eleitoral forte,  para disputar as próximas eleições. Até uma data ele marcou: se até julho não surgirem resultados, ameaça   interferir na política econômica, enfraquecendo ou substituindo o  super Guedes.  O que sairá daí?

Como  é improvável uma virada dos dados econômicos , em prazo tão curto,  o provável será a troca  do atual  ministro da economia, seguida de alguma  turbulência. Se   o sucessor  não for capaz de recuperar  a esperança, novas  manifestações de rua  irão cobrar as promessas de campanha não realizadas e tudo poderá acontecer, desde a emasculação do legislativo  e do judiciário...até um impeachment.Serão dias de muita tensão! Dias de angústias iguais aos da nada saudosa Dilma.


As Minhas Reflexões.
Jorge Wilson Simeira Jacob

20 de fevereiro de 2020.

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Never More.

Sobra na imprensa falada e escrita  a notícia da recepção cordial do Papa Francisco ao ex-presidente e ex-presidiário Lulla. À boca pequena especula-se : qual a  razão para a Sua Santidade , como chefe  da comunidade católica,  receber com honras um pecador impenitente? Em não encontrando explicação, fofoca-se que a causa seria  a canonização da ex-primeira dama Marisa.  O que não faz sentido, pois a liturgia da santificação exige um tempo ainda não decorrido e  provas de alguns milagres, dos quais (ainda) não se tem notícias.  Em assim sendo, conclui-se: o  motivo seria, como chefe de estado,  cuidar dos   interesses políticos do Vaticano. Business as usual!

Não há nada de novo nesta ação do Papa. A história registra a continua ação política e mesmo militar da igreja católica em defesa dos seus interesses. O Vaticano   financiou as Cruzadas para deter o avanço dos muçulmanos no oriente médio . O cardeal César Bórgia comandou as tropas do  exército papal para conquistar ou defender seus territórios na atual Italia. No Brasil o clero sempre tomou partido de acordo com suas conveniências, chegando a reproduzir o Partido Democrazia Cristiana,  italiano,  estimulando a formação do Partido dos Trabalhadores... Este é um pequeno retrato da real politick praticada pelo estado Vaticano - uma nação politicamente organizada, que não dorme de  batina  para defender os seus  interesses.

Apesar destas reflexões, a minha  curiosidade não estava satisfeita, mas  como Edgar Allan Poe, fatigado e sonolento, como descreve no  O Corvo, tomo assento no quarto de dormir e começo  a reler este seu poema. Ao chegar no trecho  em que o corvo  surpreende o autor em seu escritório,  sistematicamente respondendo  às suas ponderações com o conhecido  refrão - never more, never more - paro a leitura e , ainda especulando sobre o Papa e Lulla, dou asas à imaginação. Ocorreu-me então a ventura de  ter uma ave, como a de Poe, que respondesse às minhas indagações. Como gostaria de saber qual teria sido a pauta da conversa entre o Santo Padre o Papa e o pecador Lulla? Nisto, de surpresa, como por  um milagre, surge  da janela, não uma ave negra, mas  um pombo branco, que logo identifiquei como sendo o  Espírito Santo, que tudo sabe  e pode, a quem formulei o pedido que estava na ponta da língua: 
  • Espírito Santo, reproduza o ocorrido no encontro do Papa com o Lulla. Eu e o mundo estamos intrigados.                                                                

Fui atendido, eis o relato:

- Papa Francisco: depois dos comprimentos de praxe, diz à Lulla - sei que vc tem um irmão meu homônimo e sacerdote católico; sei dos vínculos do petismo com o clero , inclusive a nossa ajuda com a Teologia da Libertação;  e, principalmente, estou acompanhando a perseguição política de que é vítima - uma injustiça  a quem tanto se sacrificou pelos pobres. Saiba que entendemos que tudo nos une... só nos separam  os pentecostais. O que podemos fazer para ajudá-lo?

- Lulla:  Santidade, realmente devemos consolidar a nossa união. Até agora a nossa luta era entre nós e eles. Acolhíamos os pobres, os despossuídos e dominávamos a cena política sem dificuldade. De repente, surge um direitista-demagogo a disputar o nosso rebanho. Sem cerimônia se alia às falsas religiões e avança  justamente sobre o território em que nadávamos soltos. A Sua Santidade sabe a fome de  poder dessa gente. São lobos devorando os nossos cordeiros. Avançam  no seu rebanho e no meu, sem cerimônia de copiar os nossos métodos. Cada fiel que se bandeia é um voto perdido. Perdemos juntos. Ou contemos essa corja ou eles se perpetuarão no poder. Temos que reagir, o seu rebanho e o meu eleitorado estão sendo dizimados.  

- Papa Francisco:  foi muito valiosa a sua visita. Infelizmente o Vaticano não mais tem um exército armado  e nem o poder de reproduzir uma Santa Inquisição, no Brasil , para  refrear esses lobos selvagens, mas faremos o melhor uso da fé dos pobres - que são o rebanho da nossa  preferencia. Venha tirar uma foto comigo abençoando-o  para sugestionar as massas e sinalizar ao clero que estamos do seu lado.

Lulla: Santidade, tenho certeza de que nossa união é a  única esperança para salvar fiéis e eleitores. As nossas conquistas estão em risco. Se tudo der certo, como desejo, em um nosso próximo encontro poderemos abordar assuntos mais amenos como, por exemplo, uma chance de eu ser declarado santo da igreja católica ? O Padim Cícero brasileiro!

Nisto, antes de acordar, vendo o Espírito Santo abrindo as asas brancas para voar, lancei uma última pergunta:

  • Espírito Santo, quando teremos, como chefes de estado e de governo, homens puros como foi Adão antes de comer a maçã?

A pomba alçou voo apressada, grasnando: never more, never more, never more...

As Minhas Reflexões.
Jorge Wilson Simeira Jacob
14 de fevereiro de 2020.



segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Tsunami.


Muitos estavam na praia observando tranquilamente as águas do mar se retraindo abruptamente, exceto uma garota que se sobressaltou ao se dar conta de que o fenômeno era o início do tsunami que causou destruição e morte na Indonésia. Ela havia aprendido na escola que os  tsunamis se iniciavam com um súbito  recuo das águas e retornavam em ondas gigantes avançando terra à dentro. Nos dias atuais, não na praia, mas no mercado, muitos estão acompanhando os juros retraindo-se à  níveis inéditos, até negativos, mas poucos estão atentos às suas consequências. Há, entre nós  poucos, como aquela garota, que  estão dando  conta de que, como as ondas, o atual recuo dos juros, induzido por interferência governamental, é um jogo de soma zero, que terá consequências e poderá ser o prenúncio de um tsunami. Um tsunami financeiro, pois uma ação violenta, como na física, pode provocar uma reação de igual proporção.

Desde 2009, como medida para superação da crise bancária, os bancos centrais da América e do Mercado Comum Europeu vêm dando ilimitada liquidez aos mercados. Mario Draghi , presidente do Banco Central Europeu, declarou que : faremos o que for preciso para salvar o euro, o que resultou na compra de 2,6 trilhões de euros em dívidas. O tesouro americano, por sua vez, comprou quantia equivalente para criar  a maior divida pública da história da humanidade - 21 trilhões de dólares (que cresce 1 trilhão por ano). Estas medidas, que prometiam ter caracter emergencial, ainda estão em pleno vigor, depois de uma  década, provocando sérias distorções nas alocações dos recursos. O mercado financeiro mundial , que não sabe o que fazer com tanta liquidez, investe em qualquer startup que tenha um bom discurso, mesmo nunca tendo gerado senão prejuízos. 


Como o mercado sempre tende ao equilíbrio, a reação aos juros baixos está provocando a  valorização dos ativos reais - bolsa e imóveis - e  desestimulando a poupança. O custo deste  desequilíbrio, está sendo pago pelos   poupadores, que perdem renda; e  pelos potenciais  locatários e compradores da casa própria, que são punidos com o alto preços dos imóveis e com o aumento dos aluguéis.  E os  beneficiados estão sendo, em primeiro lugar, os países endividados e as grandes  empresas com poder de alavancagem à custo ínfimo.  Entre estes , de todos , o maior dos males está no estímulo ao endividamento governamental, que se livrou do custo financeiro de rolagem das suas dívidas, podendo agora emitir despreocupadamente títulos à custo subsidiado pelos poupadores. Estão, portanto, abertas as burras dos tesouros para a farra dos gastos...até que a casa caia.













E tudo acontece sob os aplausos de uma torcida que aponta a queda das taxas de juros, as captações bilionárias  das empresas no mercado, a valorização das ações nas bolsas e a retomada dos lançamentos imobiliários como sinal de prosperidade e não como   uma perigosa distorção do cálculo econômico. As vaias vêm dos despossuídos, inconformados em não participar da alardeada prosperidade, que sofrem com a valorização dos ativos sem contrapartida nas suas rendas; dos poupadores, principalmente os aposentados, que acumularam  para a velhice e que estão vendo decrescer as suas economias; e das pequenas e médias empresas que  veem, sem acesso ao dinheiro barato,  serem alijadas do mercado, pelo crescente  monopólio das grandes empresas. E vêm vaias também daqueles, como a garota, que fizeram a lição de casa e sabem prever as consequências.

O tsunami está se formando. É questão de tempo e de tamanho. Enquanto isto, vemos o público na praia, admirando a movimentação das águas, divididos entre os otimistas - os beneficiários da atual distorção ; e os pessimistas - as suas vítimas. Uns acham , como o professor Pangloss, personagem do Cândido e o Otimismo de Voltaire, que: tudo vai pelo  melhor no melhor dos mundos e outros como Cândido, seu aluno, que, vendo um conjunto  de ideias fracassadas do seu mestre e  da Nova Matriz Econômica da presidenta, começa a duvidar dos otimistas com suas crenças em  soluções mágicas na economia.

As Minhas Reflexões 
Jorge Wilson Simeira Jacob

03 de fevereiro de 2020