quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

 As nossas múltiplas almas.



Os desígnios da natureza são inexplicáveis. De vez em quando acontecem coisas que fogem à normalidade. São berros da natureza, como diziam os antigos. Nascem animais  com duas cabeças , bananas felipe , pés com seis dedos … e gêmeos totalmente diferentes. Não só fisicamente há os berros. Os há também nas almas.Nós acreditamos que cada nascituro tem um corpo e uma alma. A história da medicina e das religiões nunca haviam registrado um berro como o nascimento de uma única criança com duas almas. Como este  caso  recentemente divulgado.


Aconteceu com  João. Até os dois anos de idade, era  uma criança cheia de caprichos e contradições,  próprias de um temperamento rebelde. Algumas vezes, para ilustrar, chorava de fome, quando lhe era dado o peito  recusava e se insistiam  mordia ferozmente como se contrariado estivesse. Em alguns momentos era dócil, tranquilo, dormia bem, em outros era agitado, chorava sem parar e nada o acalmava. Passava o tempo e ele ficava cada vez mais incoerente. Isto mesmo - incoerente: queria e não queria ao mesmo tempo, mas algumas vezes, diga-se de passagem, quando desejava alguma coisa o fazia com fúria.


A mãe, mulher simples da zona rural de Pernambuco, chegou a procurar conselho com o vigário da sua vila. Ele sugeriu batizar novamente o menino, com outros padrinhos, pois os anteriores frequentavam o Centro Espírita Alan Kardek, eram  hereges para a Igreja Católica. Isto foi feito. Nada mudou. Em não havendo resultado, as comadres sugeriram que fosse rezar para a imagem do “ Padim Cícero “. O resultado foi pior do que nulo. João tornou-se um problema para ele mesmo. Ignorava ter duas almas que  viviam em conflito. Não conseguia levar avante um namoro, uma relação de amizade… As suas almas tinham ciúmes uma da outra. O que o fazia um sujeito volúvel, instável, portanto, imprevisível. E, conforme ia ganhando idade, os conflitos aumentavam. Ele era infeliz. Duas  almas equivalem a uma dupla personalidade. Até que um dia, o seu primeiro padrinho, o herege, acompanhando o drama, resolveu levá-lo a uma seção  espírita. A família, católicos fervorosos, ficou revoltada, mas , por incrível que pareça, as almas de João estavam de acordo.  Em uma  noite, em  reunião para ouvir as almas do além, João fez-se presente.Sentou-se entre o  médium e o padrinho. Reduzida a iluminação, após a tradicional abertura,  a sessão  teve início. O médium entrou em transe, baixou o espírito do Padim Cícero, que disse: - conheço o sofrimento do João .Esse moço veio a mim. Não pude acalmar a sua angústia por não se tratar de um mal do corpo. Aqui, entre crentes, que cuidam das almas, animei-me a vir atender a este caso. Acontece que  João tem duas almas, que vivem em conflito por estarem incorporadas em um único corpo. Basta uma querer uma coisa para a outra se opor. Se fossem dois corpos com uma única alma ( que se vê nas chamadas almas gêmeas ), a solução seria a eliminação de um deles. Os humanos, ainda que pecado, podem eliminar um corpo, mas não uma alma. Elas  pertencem a Deus. Só ele pode matar uma. Porém, João não é um caso atípico.  Este  destacou- se por ter extrapolado os limites da mente, assim como muitos outros que se manifestam na loucura, nos desvarios e até casos menos conflitantes como os de dupla personalidade. Acontece que todos nós temos múltiplas almas , que atuam como sombras, nos fazendo  instáveis, incoerentes e infiéis a nos mesmos. Perfeitos, se existissem, seriam   os corpos de uma alma só ! 


São Paulo, 12 de janeiro de 2022.

Jorge Wilson Simeira Jacob






 




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