quinta-feira, 8 de julho de 2021

 Da identidade



Não somos identificados só pelos documentos oficiais . Temos um  nome, outros até títulos. Senhor Doutor é bajulação usada para angariar simpatia. Comendador é prestígio vendido pelo Vaticano. Excelência é sinal de reverência entre os políticos, principalmente os desafetos.Tratamento nominal  é marketing para fidelizar clientes aos estabelecimentos onde são reconhecidos. Apelidos são recursos para enaltecer ou denegrir imagens. Trocar o título ou nome de uma pessoa é  um ato falho. Tudo é fruto do inconteste  esforço humano de ter  uma identidade. Distinguir-se é o objetivo para ser aprovado. Desde o berço, está-se em busca de ter uma identidade aceita. O bebê que sorri, quando acariciado,   dá  sinal de desejo de retribuir à atenção para conquistar,  pelo gesto, o afeto, o amor. Este como todos  os  aplausos e as   reprimendas recebidos  pautam o  comportamento humano. 


Estamos, por isto, sempre como atores no palco da vida. A repetição continuada destes atos  acaba moldando em nós uma segunda natureza. Inconscientemente, sem dar-nos conta,  estamos   representando um personagem. Agimos, em condições normais, atuando no modelo  daquilo que,  entendemos,  os outros esperam de nós. Nos espetáculos teatrais, os artistas  estão conscientes do seu desempenho. Não se iludem, sabem “estar fazendo de conta”.  Terminada a representação, removem a maquiagem, trocam os trajes e voltam ao outro papel, à identidade que  representam na sociedade. Diferente de nós, que,  tentando enganar,   enganamos a nós mesmos.


Só em situações extremas:  no jogo, na embriaguês, ou nos momentos de fúria ,  um indivíduo mostra a essência da sua personalidade. Diz-se que o  traje faz o monge, o uniforme, o militar, os símbolos de uma empresa ou time esportivo, os seus membros... Indivíduos puritanos podem deixar de sê-lo ao desligar-se da sua igreja. Torcedores,  agressivos em campos de esportes, apresentam-se pacíficos no dia seguinte em casa, entre amigos e no trabalho. As  calças rasgadas e desbotadas, os  produtos de grife - independente de preço, beleza ou conforto, são elementos do processo de identificação. Não fosse esta necessidade , não se imitaria o que admiramos, pintando  ou alisando  os cabelos, bronzeando-se ao sol, andando de  saltos altos  - sem esquecer da primitiva tatuagem.


O  bebê procura aprovação identificando-se simpaticamente com um sorriso. O  idoso, mentalmente amadurecido, tendo perdido as ilusões,  gradualmente abandona as representações. Passa a ser, mais e mais, ele mesmo, mostrando a sua verdadeira identidade. Assume também a sua natureza quando atinge um  satisfatório nível de reconhecimento no seu meio social. No teatro, no fim da representação e  na velhice ,ao atingir a   maturidade, tiram-se  as máscaras, os trajes e os trejeitos do personagem que estavam representando. Einstein, por ser o Einstein, deixa-se fotografar com os cabelos desalinhados e mostrando irreverentemente a língua.Já tinha a sua real identidade reconhecida e apreciada. Só as personalidades seguras de si dispensam os  recursos de identificação : joias, grifes, roupas, ambientes que transmitam o prestígio que lhes falta, e mostram-se sem disfarces.


São Paulo, 07 de julho de 2021.

Jorge Wilson Simeira Jacob


Este blogue respeita o seu tempo. Por favor, caso não tenha interesse em receber estas reflexões, solicite a exclusão pelo e-mail jwsjbr@gmail.com . Basta digitar a palavra NÃO.

Nenhum comentário:

Postar um comentário