sexta-feira, 16 de setembro de 2022

 




ELEIÇÕES E REJEIÇÕES.


Se não me falha a memória, Norberto Bobbio ( 1909 - 2004 )*, definiu  a “democracia  como um regime para nos livrar dos piores, não para escolher os melhores”. Não há como negar a força desta ideia na defesa da Democracia. Ela  nos permite de forma pacífica livrar-nos dos indesejáveis. O que sempre pode acontecer. O que nos regimes autoritários é feito pela força.  Muitas vezes com derramamento de sangue inocente. Na democracia a alternância no poder é feito pelo voto. 


Na prática, porém, as eleições em um único turno deixaram  um gosto amargo na boca dos eleitores. Raramente podia-se votar no candidato da sua preferência.  Subsistia uma insatisfação no eleitorado ao não  escolher o candidato identificado com as suas ideias e ideais. Tanto que é lugar comum e de frequência recorrente, nas rodas de amigos, a concordância de que nunca votamos a favor, mas sempre contra  alguém . Na verdade, não usamos o  voto para eleger, mas para rejeitar um candidato. 


Esta tinha  sido a tônica das eleições até o advento dela em duas votações. Com esta temos à escolha as duas oportunidades: a de eleger e a de rejeitar . Na primeira votação , pelo menos em teoria,   vota-se  para eleger o candidato que melhor retrata as nossas  aspirações - é um voto ideológico. É eleição  no sentido positivo, pois é a escolha daquele que representa a nossa vontade. Um adepto  da liberdade individual pode votar na primeira votação no candidato que valoriza o individualismo. Um adepto do  socialista pode escolher aquele  que valoriza o coletivismo. Na  segunda votação , o voto é pragmático. É um voto negativo dado a um candidato que não  representa a vontade do votante.


Os dois turnos eleitorais dão oportunidade de atender às duas aspirações: o voto ideológico e o pragmático ou útil. Infelizmente estas condições não estão claras nas mentes dos eleitores. Os analistas políticos não se detém a analisar e orientar o eleitor. Os candidatos que lideram as pesquisas não têm interesse em esclarecer essa situação. A eles não convém o voto ideológico. Pois, em busca destes eleitores, os candidatos têm que ajustar os seus compromissos para cooptar os seus votos no segundo turno. Não por menos  preferem o voto útil.


Os políticos quando muito declaram que a segunda votação é uma “ outra eleição “. Mas não explicam as diferenças. Não enfatizam ser a primeira escolha ideológica . Nem alertam  o eleitor de não ser “perdido” o voto em candidato sem chance eleitoral. Nenhum voto é perdido, pois o mesmo que elege pode rejeitar.


O eleitor deve estar consciente das diferentes situações. Votar no primeiro turno em candidato que não comunga com as suas ideias é dar a ele uma legitimidade que não conquistou nas urnas. Quando  um candidato no primeiro turno obteve 40% dos votos, estes são  a medida da sua eleição , que seria distorcida se acrescida de votos úteis. O candidato não tem o direito de se arvorar como tendo sido escolhido pelo número de votos da segunda votação.  Ele, o vencedor, não representa a vontade de todos os votos que recebeu no segundo turno. Só os colhidos no primeiro turno.



Ao enfrenarmos as próximas eleições devemos ter presente o modelo teórico para votar adequadamente. Se o candidato da escolha está sem condições de vitória, nem por isto  deve deixar de receber o voto dos que comungam com as suas ideias. Esta prática, se difundida, serviria como correção do fato de sempre votamos no menos ruim. 

 Como as boas ideias e os bons candidatos podem despontar se são capados no nascedouro?  Os que os apoiam devem mostrar a sua força.  Votando ideologicamente estamos construindo o futuro e combatendo os inconvenientes do voto útil.


Coerente com esta  análise, nas primeira rodada, o voto deve ser ideológico, idealista.   Não se deve aceitar  a ideia do voto pragmático  na primeira eleição. O voto útil ( pragmático ) é um recurso oferecido pela segunda votação - é o voto para ficar livre dos piores. Votar para evitar o pior, não é eleger, mas rejeitar.


Na primeira votação vota-se com o coração. Vota-se naquele que as suas razões identifiquem como o ideal. Seja idealista. Na segunda votação, vote com o fígado para eliminar as bílis. Seja pragmático. São situações distintas que exigem  um comportamento adequado e correspondente. Só assim poderemos alterar a triste realidade  para   ter uma  democracia que enseje a escolha dos melhores.






 Nota - 

* Norberto Bobbio foi um filósofo político, historiador do pensamento político, escritor e senador vitalício italiano. Conhecido por sua ampla capacidade de produzir escritos concisos, lógicos e, ainda assim, densos.


São Paulo, 14 de setembro de 2012 


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