DEUS - UM DELÍRIO.
Deus - Um Delírio.
Richard Dawkins
Cia. Das Letras
510 páginas
A plena satisfação com um bom texto acontece e perdura após o término da sua leitura. É como um bom vinho cujo sabor permanece no paladar por muitas horas após a degustação . “Retrogosto” é como os enófilos denominam essa sensação. Prazer semelhante a que se fixa na mente após o término de um bom livro como Deus, Um Delírio.
Uma leitura satisfaz quando a redação é escorreita, clara, e elegantemente elaborada. Neste quesito Richard Dawkins nada deixa a desejar. Escreve de modo primoroso. É um bom redator. Entretanto, a leitura completa-se se o texto, além da forma, é denso, rico de conceitos e informações . O que é o caso deste livro. A exposição ganharia beleza se fosse rica em metáforas poéticas, o que não é o caso aqui.
No prefácio, já de saída, o autor mostra que sabe o que quer e como sabe querer. Tem posições corajosamente assumidas. Sem tergiversar assume não estar escrevendo para divertir, mas para tomar partido. Ele, ao defender com veemência o ateísmo e atacar sem cerimônia as religiões, deixa claro estar fazendo proselitismo. Escreve com o objetivo de converter a humanidade à sua crença. Tem a convicção de ser Deus um delírio e explica por que. É tão veemente em seus argumentos que sem falsa modéstia profetiza : - “ Se este livro funcionar do modo como espero, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando terminarem”.
Dawkins não é um neófito. Formado pela Universidade de Oxford, Inglaterra, professor na Universidade da Califórnia em Berkeley, onde é titular da cátedra de Compreensão Pública da Ciência, palestrante requisitado e autor de diversos livros, entre eles: Deus - Um Delírio, é um best-seller na Europa e Estados Unidos.
Com esse Curriculum seria impertinente imaginar ser ele um ingênuo. Um ignorante das barreiras a vencer para a conversão de um religioso ao seu ateísmo. Mas não se intimida. Pretende: - “levar os religiosos a pensar racionalmente a sua crença, trocando-a do orgulho ateu pelo amor à ciência” . Como também ousa quando coloca como foco o combate à doutrinação infantil. Rebela-se ele: - “ Nunca me canso de chamar a atenção para a aceitação tácita , por parte da sociedade, da rotulação de crianças pequenas com as opiniões religiosas dos pais. Elas são pequenas demais para ter opinião. Não existe criança cristã: só filhos de pais cristãos”. Para ele o simples fato de dizermos “criança católica” ou “criança judia” é uma forma de abuso infantil comparado até ao abuso sexual…
A doutrinação desde a infância, assumida no texto, cria adultos reféns de tabus. Um deles, segundo o autor: - “ É a crença de que a fé é especialmente vulnerável às ofensas e que deve ser protegida por uma parede de respeito diferente daquele que os seres humanos devem ter uns com os outros”. Vai além. Se os ateístas saíssem do” armário “, superando o existente preconceito, a sociedade ficaria surpresa com a quantidade e principalmente pela qualificação dos seus adeptos. Livrar-se dos tabus inculcados na infância exige uma mente esclarecida e uma postura corajosa.
A posição do autor é radical. Não transige com a dúvida dos agnósticos. Considera covardia não assumirem a inexistência de um Deus. Ainda que os considere identificados com os ateístas no objetivo de livrar a humanidade dos males causados pelas religiões e pela crítica severa aos crimes históricos do catolicismo.
Não considera Dawkins ser a posição dos agnósticos, com respeito a Deus, como uma postura de modéstia. Ao não poder provar a inexistência de Deus, eles preferem a dúvida ativa, um respeito aos que baseados na fé asseguram a Sua existência. Como proselitista ele não se permite deixar espaço para a dúvida.
Desnecessário dizer a opção do autor à teoria “evolucionista” para explicação da origem do mundo. O que faz todo o sentido. Se partimos do pressuposto de que, se existe algo, alguém criou. Se um Deus… quem criou este Deus? e os outros deuses que se seguirão em uma regressão infinita?
Esta e outras justificativas à existência de Deus são cuidadosamente criticadas no texto ( convincentemente ), como a necessidade de explicar a nossa existência e a de uma força superior para conter os vícios humanos. Ao que se contrapõe a história que mostra serem as maiores atrocidades da humanidade cometidas justamente pelas religiões em nome de Deus.
A desconsideração do Velho e do Novo testamento, se aceita com base nas análises de Dawkins, assim como a realidade dos personagens Moisés, Jesus Cristo, e as fábulas dos milagres, abala os alicerces das religiões judaicas-cristãs. Um livro escrito por mais de um milhar de autores e ao longo de milênios não tem credibilidade. A Bíblia não é a palavra de Deus. Moisés não é o “profeta” e nem Jesus o “redentor”. Os milagres nada mais foram do que embustes a enganar ingênuos. Se Deus é onisciente, onipotente, não necessita de milagres e intermediários para salvar a sua criação. Estaria Deus, segundo Einstein “ jogando dados”?
Quem não deve ler este livro?
Este não é um texto para os fanáticos que se recusam a rever as suas verdades. Nem para os ignorantes que enfiam a cabeça na areia para “livrar-se” das ameaças. Menos ainda para os que estão confortáveis com a ditadura dos tabus, que lhe insuflaram na infância.
Este é um livro para quem gosta de questionar com base na ciência e não na fé as suas verdades! Assim fiz. Tirando desta leitura um grande proveito. Terminei de ler como um enófilo com o retrogosto intelectual.Degustei com prazer está leitura, que devo à feliz recomendação do Euler de França Belém.
São Paulo, 01 de setembro de 2.022.
Jorge Wilson Simeira Jacob
Nenhum comentário:
Postar um comentário