Puro interesse.
Nem tudo na vida gira em torno de interesses, mas que gira, gira! Este preâmbulo cheira antipática grosseria. Generalizar que todos os nossos atos giram em torno de interesses é deveras politicamente incorreto. Gostamos de acreditar no desprendimento generoso do ser humano. Analisando friamente, contudo, na vida tudo gira mesmo em torno de interesses, mesmo o mais puro e celestial dos amores - o de mãe. Aquela que cuida da saúde do seu bebê atende à sua própria felicidade. Nada a magoaria mais do que o sofrimento deste seu maior amor. Ela, por interesse, daria a vida pelo filho. O pão, segundo Adam Smith, chega à sua mesa, nas manhãs, não por bondade do padeiro, mas pelo seu dinheiro. O bondoso altruísta que se dedica à caridade, com o seu suor e as suas economias, o faz para estar bem com a sua consciência ou ganhar os céus . Os marqueteiros que inventaram o Dia das Mães, dos Pais e do Natal , o fizeram, não a pretexto de homenageá-los, mas pelo interesse de aumentar as suas vendas.
Também por interesse, comemoramos todas as datas festivas! Não me alinho aos que as repudiam por terem sido obras de interesseiros. Por interesse, esqueço as intenções do inventor, e delas tiro o melhor proveito. Faço isto pela mesma razão de tomar nas dores aspirinas, ainda que Bayer a tenha criado por interesse mercantil. Não há por que repudiar um ato ou fato por estar assentado em algum interesse honesto. Há, sim, razões para distinguir as diferentes intenções. Há aquelas, puras, imaculadas, como a mãe, que se sacrifica pelo filho. Como as daqueles que nos cercam com bajulações, dádivas para nos enganar. Um, o da mãe , é um interesse explícito e legítimo. Outro, o do dadivoso, é camuflado e falso.
No mundo dos negócios, se um indivíduo ou empresa presta um serviço para lucrar de maneira ética, clara, transparente, nada há a condenar. Aceitar as suas propostas, nas suas condições e preços, é exercer a nossa liberdade de escolher. A decisão é nossa. Mas, aonde ficam os nossos interesses nas situações de monopólio ou desabastecimento, em que não há escolha? Os monopólios privam a nossa liberdade. Neles ficamos entre aceitar ou não…se puder. Nestes casos, cabe ao governo estimular a competição abrindo os mercados sem restrições . Surge, porém, com as recentes inovações, um novo modelo de monopólio. Este se diferencia dos anteriores por oferecerem seus produtos gratuitamente nada cobrando dos seus usuários. Lucram com os anunciantes, que tem a liberdade de contratá-los. Eles não são obrigados, anunciam por interesse próprio. Lucram fábulas - o que seria legítimo se os resultados fossem conseguidos em regime de livre mercado, o que não é o caso da Facebook, que sistematicamente compra os concorrentes e censura as matérias postadas, ferindo a liberdade de expressão para fazer jogo político; e a Amazon, que abusa da sua posição privilegiada para concorrer, sem escrúpulos, com os seus próprios clientes. À exemplo da ação do governo contra a Standard Oil e ITT, que as dividiu para criar a desejada competição, espera-se, no interesse dos usuários, uma solução anti-monopolista ou, no mínimo, que respeitem a liberdade de expressão e a legítima concorrência.
Outra situação de monopólio, imprevisível, acontece nas crises de abastecimento, provocadas por desastres climáticos ou subversão da ordem. Nestas circunstâncias o cidadão não tem escolha, fica à mercê dos fornecedores, que aumentam os preços aproveitando-se da oportunidade. O price gouging* , os aumentos especulativos dos preços, em momentos de crise, é uma prática condenada em muitos estados americanos por ser entendida como um abuso do consumidor. Uma situação em que as opiniões divergem sobre o que atenderia melhor os nossos interesses. Alguns, os intervencionistas, defendem a ideia de que o governo deveria regular os preços, mesmo até desapropriando os estoques. Outros, os defensores da economia de mercado, de deixar que os preços exerçam a sua função, que é a de equilibrar a oferta e a procura. O preço mais elevado vai : incentivar o melhor uso do bem escasso; evitar estocagem especulativa pelos mais abonados; estimular os empresários a buscar alternativas de novos suprimentos; investir em estoques preventivos; suportar salários e custos elevados para abastecer-se…Tudo, pela simples razão , de atender aos seus interesses. Para ganhar mais, agem, sem ser a sua intenção, para superação da crise. Ademais, se nas crises de demanda não se impede dos preços caírem, não é legítimo uma intervenção quando sobem por fatores externos, o que são práticas a favor do mercado livre, ao contrário, são ilegítimas no caso dos novos monopólios que usam práticas contrárias ao funcionamento do mercado.. Quem é livre para baixar os preços nas crises, deve ser também para subir nas oportunidades. O mundo gira movido por puro interesse.
- A distorção de preços ocorre quando um vendedor aumenta os preços de bens, serviços ou mercadorias a um nível muito mais alto do que o considerado razoável ou justo. Normalmente, esse evento ocorre após um choque de demanda ou oferta.
São Paulo, 04 de agosto de 2021.
Jorge Wilson Simeira Jacob
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