Salvar os anéis.
As fotos do aeroporto de Kabul, mostrando o desespero de pessoas tentando escapar dos Talebans , fazem pensar. Por que só na última hora decidem abandonar o país? Se a história ensina alguma coisa, podemos aprender com situações semelhantes. Talvez a mais dramática delas seja a tragédia dos judeus no Holocausto. Hitler deixava clara a sua aversão aos judeus, a quem atribuía todos os males do mundo. Portanto as vítimas não foram enganadas pelo nazismo, mas por suas próprias ilusões. Intrigante é entender a motivação dos que se salvaram. Se todos tinham as mesmas informações, por que uns agiram a tempo de salvar-se e outros não? Algumas teses circularam à época dos eventos. Uma delas atribui esse comportamento à características pessoais: de um lado, os pessimistas acreditando no perigo, se exilaram; de outro, os otimistas baseados em racionalizações diversas, como: não vai acontecer nada, é só discurso político; o mundo não permitirá tal atrocidade ; somos amigos do rei, a quem serviam com cortesias e benesses; outros, que seriam poupados, por terem posições de prestígio na magistratura, no judiciário e mesmo nos altos escalões do governo. Estes pereceram. Os pessimistas tinham razão, emigraram para viver e prosperar nos Estados Unidos. Os otimistas morreram nos Campos de Concentração. Desta vez o pessimismo foi a melhor aposta! A psicologia deu as cartas.
Outra versão, mais verosímil, baseada na análise socioeconômica dos judeus, identificou que de maneira geral, os que permaneceram foram os pobres, impossibilitados financeiramente de imigrar; e os poderosos, que tinham bens a perder e detentores de posição de poder e prestígio - os professores universitários, os membros do governo e os empresários. Em figura popular, para defender os anéis, perderam os dedos. Os interesses deram as cartas.
Entender as causas desse triste capítulo da história da humanidade, poderia ter servido de lição para países que enfrentam crises políticas de tal magnitude, como a do Afeganistão. Os registros das crises política e econômica mostram que os movimentos migratórios são lentos, como ocorre nos países subdesenvolvidos. A ruptura ocorre quando há a ameaça de mudança de regime para o socialismo. O caso de Cuba , da Venezuela e tantos outros. Em uma crise econômica, como é o caso da Argentina, não houve uma ruptura, mas os males do populismo-peronista, provocaram a fuga de uma elite e forte dolarização das poupanças. Quem pode foge do perigo. Uns com as pernas, emigrando, outros com a moeda, a dolarizando. A Argentina fugiu da moeda. No caso brasileiro, com as dificuldades da economia , nos transformamos em país de emigrantes. Surpreendente é que apesar da passada hiperinflação, da instabilidade política, da insegurança jurídica, ainda mantemos fidelidade à moeda. A não ser no período pré-eleições do Presidente Lulla, o câmbio - termômetro de risco - sinalizou o risco de uma possível ruptura política. Hoje, não na mesma dimensão, o nosso câmbio está desvalorizado, apesar das elevadas reservas cambiais, da favorável balança de pagamentos, dando um sinal de elevação do risco político, que deve ser avaliado pelos otimistas e pelos pessimistas.
A História presta-se para divertir, mas principalmente para instruir. Os capítulos de desastres como os acima citados devem servir de alerta. Os riscos políticos são fatores mais fortes do que os econômicos para a emigração e a dolarização. O Afeganistão poderia ter aprendido com os judeus que a defesa da vida pode depender de não ter anéis à defender. Ter o patrimônio onde se reside é concentração de risco, que deve ser levado em conta, principalmente se uma ruptura política é previsível. Nunca durma em cima das suas glórias e dos seus haveres. Esta máxima de prudência, salvou muitos judeus do Holocausto, que não tiveram de perder os dedos para salvar os anéis, como estão aprendendo à duras penas muitas das vítimas do Taleban.
São Paulo, 20 de agosto de 2021.
Jorge Wilson Simeira Jacob
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