A natureza não dá saltos
É uma regra sem exceções o fato “ de que a natureza não dá saltos. Ao longo da historia, inexoravelmente , ela segue uma ordem natural. Sem interferência exógena, ela não se desvia do seu curso. Não só a natureza tem leis de vida. A sociedade, como convivência entre os homens; a economia, como administração das limitações de recursos, também têm as suas próprias leis.
Nem a ordem social e nem a economia dão saltos. É essa natureza, que deve ser respeitada, que Albert Hirschman trata em seu livro A retórica da intransigência ( Amazon , Cia das Letras, 192 pg. , $ 61,12 ). Um ensaio brilhante e atual sobre os argumentos que têm dominado o debate entre reacionários e progressistas desde o final do século XVIII.
Desde os episódios dramáticos da Revolução Francesa, toda vez que sentiram a ordem social novamente ameaçada, conservadores e reacionários de diferentes matizes mobilizaram um formidável arsenal discursivo para protegê-la. É a partir desse variado repertório que Albert O. Hirschman compõe com erudição incomum este magnífico A Retórica da Intransigência .
Hirschman demonstra em três teses ― perversidade, futilidade e ameaça ― que há duzentos anos se repetem compulsivamente na retórica de conservadores e reacionários, todas elas destinadas a provar que qualquer tentativa de mudar a sociedade é desastrada, tola ou prejudicial.
As três teses coincidem no seu final — não atendem às boas intenções dos seus formuladores. A tese da perversidade, qualquer ideia de melhora das condições políticas, sociais ou da ordem econômica resultam piora das condições existentes. Os congelamentos de preços sempre resultaram em aumento deles.
A tese da futilidade atenta para o fato de que as tentativas de transformação social são incapazes de serem bem sucedidas. A Revolução Francesa, a par da perversidade, simplesmente adotou ideias já em gestação na Monarquia como A lei dos direitos humanos.
Finalmente a tese da ameaça considera que os ônus/custo da proposta mudança ou reforma prejudica são tão altos que invalidam possíveis resultados. Os diversos investimentos governamentais em empreendimentos do governo que faliram ou atingiram cifras astronômicas — Coperg, Sete Brasil, Zona Franca de Manaus…
Certamente, alguém pôde pertinentemente arguir de que os resultados da ação e da inação não sempre previamente conhecidos. Mas sabe-se de antemão de que, como regra geral, a natureza não dá saltos. Assim, ecologicamente falando, quanto menos ativismo humano, melhores são os resultados.
Albert Otto Hirschman, ( judeo-alemão, Berlin, 1915 - 2012, Erwin, New Jersey, Estados Unidos) foi um economista influente, autor de vários livros sobre economia e ideologia política. Hirschman também atuou nas universidades de Yale, Columbia e Harvard. Depois da publicação do "Strategy of economic development", 1958. Ele recebeu a oferta de uma cátedra em Columbia, posteriormente em Harvard e por fim no Institute for Advanced Study em Princeton.
A par da sua contribuição intelectual, Hirschman atuou politicamente. Uma vez planejando matar Hitler e depois como militante de um grupo de franceses dedicados a retirar judeus da France sob jugo nazista para a Espanha.
A ação de Hirschman mereceu um filme Transatlantic, disponível na Netflix, que, com personagens reais, romanceia a luta liderada por uma milionária americana Mary J. Gold para salvar judeus das garras do nazismo.
Ninguém que assistir na Netflix a história de Albert Otto Hirschman deixará de ler os seus livros. Assim como todos os que lerem, com mente aberta, o que escreveu ele deixarão de pensar duas vezes nas três teses do livro A Retórica da Intransigência, que lembram de que natureza não dá saltos… e quando a ação do homem interfere na sua trajetória os resultados não correspondem às suas boas intenções.
São Paulo, 12 de outubro de 2024.
Jorge Wilson Simeira Jacob
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