As bênçãos da ignorância.
John Lennon ( Beatles ) afirmava que a ignorância é uma bênção porque não saber das coisas faz com que a gente não reconheça a necessidade de mudar. A ignorância vai privar você da ansiedade pela mudança e pela melhoria, mas também vai te aprisionar e te levar a acreditar no conto da carochinha.
Um pintor está dedicado à sua função pintando uma fachada de uma casa. É uma manhã de temperatura agradável e ensolarada. José ( nome fictício ) espaça as pinceladas de tinta a óleo com o assoviar de uma alegre canção sertaneja. O sustento de sua família depende de oportunidade de trabalho, que não lhe falta, de disposição física, que tem, e de óleo para fazer a tinta, que sempre encontra onde comprar.
José está feliz. Ignora que, por falta de cambiais, o presidente Geisel vai determinar o racionamento do óleo que é importado. Nestas circunstâncias, ele não terá a tinta a óleo para poder trabalhar, o que compromete a sobrevivência da sua família. A ignorância da ameaça é a razão da sua momentânea tranquilidade.
Mudança de cenário.
Adão está no Éden admirando as flores ao lado da sua recente conquista, Eva. O dia está maravilhoso e ele está feliz olhando a beleza da sua nova conquista. Passados eram os momentos de triste solidão, desperto do sono em que perdeu uma costela, cantarolava canções em louvor a Deus pelo presente recebido.
Ignorava Adão que, tentada pela serpente, Eva havia colhido o fruto proibido que lhe tinha sido oferecido. Relutou Adão, mas a tentação era atraente: eles, ao comer a fruta, perderam a inocência e dominaram também o bem e o mal como o Criador. Esta ousadia, se de um lado reduziu-lhes a ignorância, de outro lhes custou o Paraíso, que por direito Divino pertence aos pobres de espírito, segundo o evangelho.
A partir do ato de desobediência os descendentes de Adão e Eva colocam-se em duas distintas situações: os ignorantes completos e os iniciados. Os primeiros vivem o seu dia a dia com preocupações limitadas à sobrevivência imediata. Não sofrem nem com o futuro incerto e nem com questões existenciais. As questões existenciais são respondidas por um religioso na igreja aos domingos. A religião simplifica para eles os mistérios metafísicos. O religioso pensa por eles. Uma Bíblia romanceia a aventura humana na Terra e os livra de crises existenciais.
Os iniciados, que escapam da ignorância absoluta, por estudos e reflexões, têm uma existência carregada de preocupações. Não só ameaças e oportunidades dominam o seu dia a dia, mas também são demandados de penetrar no pensar dos filósofos em busca da razão de existir. De onde vim? Para onde vou? Por tentar pensar com autonomia não delegam a um profissional ( religioso ) o esclarecer as suas dúvidas transcendentais. Não confiam nos livros vendidos como sagrados.
A busca da sabedoria é um desafio frustrante, é um processo sem fim.
É como um buraco, quanto mais se cava maior fica. Quanto mais se sabe, mais se sabe que nada sabe, como descobriu Sócrates. Como também, os descendentes iniciados de Adão.
O comer do fruto proibido trouxe como castigo, por desvendar o bem e o mal, uma constante inquietação. O homem iniciado no domínio do conhecimento não têm a tranquilidade do pintor, um ignorante absoluto, que não provou o fruto da árvore do bem e do mal.
A perda da inocência de Adão e Eva condenou os iniciados à dúvida, à inquietação, à constante preocupação com o futuro. Reservando aos não iniciados as bênçãos da ignorância .
São Paulo, 06 de janeiro de 2024.
Jorge Wilson Simeira Jacob
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