domingo, 10 de março de 2024

 A MANEIRA DE SER FELIZ. 


A sabedoria popular consegue o prodígio  de captar em um adagio

 uma filosofia de vida. Ao dizer que “ em cada cabeça uma sentença” enfatiza uma verdade muito presente no nosso dia a dia. A verdade absoluta é que somos essencialmente desiguais e 

que mereceríamos assim ser tratados. A padronização é uma política humanamente indesejável. Por isto nunca  deveríamos conceder a terceiros o direito de impedir que sejamos felizes à nossa maneira.


Um indivíduo místico, um franciscano por exemplo, que faça um voto de pobreza, tem o direito de abster-se dos confortos da modernidade. Uma politica de igualdade que os obrigasse a usufruir dos “luxos” da vida moderna seria uma violência ao seu direito de fazer da abstinência a razão da sua felicidade.  Assim como  são violências, aos que prezam a liberdade individual, inúmeras  obrigações impostas pelas autoridades governamentais. Os governos excedem os limites de tentar escolher o que faz o cidadão feliz, privando-o do direito de escolha.


 O incrível é não existir , pelo que se saiba,  um só franciscano pedindo leis que os privem de uma vida miserável, da castidade, mas,  ao contrário, abundam cidadãos pedindo a interferência governamental em suas vidas. Pedem sempre mais governo sem levarem em conta estar alienando a sua autonomia.


Pedir mais governo é um vício que pede castigo. Deixar  ao governo o direito de cuidar da nossa vida,  nas coisas que deveriam ser resolvidas por cada um,  é acreditar que ele sabe melhor do que nós   o que  nos  faz feliz. E quando somos atormentados com tantas leis e regulamentos, que infernizam o nosso dia a dia,  não  lembramos que fomos nos que pedimos mais governo.


Será  um avanço civilizatório o dia em que recusarmos  o nosso apoio aos governos que se intrometem o nas nossas vidas e que não se   limitam às externalidades - as grandes questões que ultrapassam o nosso poder de ação. 


Tocqueville, na sua viagem à América ficou impressionado como lá a sociedade organizava-se em associações para enfrentar os problemas comuns. Ayn Rand viu no individualismo dos americanos  a  causa da sua prosperidade. 


No Brasil, em  passado não muito distante, a sociedade acudia os menos favorecidos pela  sorte com as  Santas Casas de Misericórdia e  os seus asilos, que eram administrados por religiosos. Entidades que foram sacrificadas pela política social dos governos, que em vez de dar verbas a essas entidades, as exploram com pagamentos ridículos, inferiores aos custos dos serviços prestados aos carentes. Os governos com os seus programas sociais estatizaram a caridade. 


Ninguém nega a necessidade de uma rede de proteção aos desprivilegiados . Um SUS privatizado e uma politica de preços justos às Casas de Caridade, pagas com vouchers, devolveria aos usuários o direito de escolher. 


Um caso que merece destaque, para mostrar como a felicidade é um bem relativo,  é a história do Severino. Ele, recém chegado do nordeste, vivia de esmolas nas esquinas até que uma alma caridosa deu-lhe um emprego. Tinha mulher e três filhos pequenos. Era um tipo raquítico, nos seus 30 anos que aparentava muito mais idade pela falta de dentes e acentuada calvice. Era visível que ele passava fome. 


O emprego deu-lhe  uma carteira de trabalho, salário fixo e direitos trabalhistas. Para enfrentar o primeiro mês,  conseguiu o adiantamento  para ser descontado no pagamento mensal. 


A vida corria bem para o Severino, menos o apelido de “ careca “  que o incomodava muito. Trabalhava com a dedicação de quem valorizava o emprego. Foi bem  no trabalho para surpresa dos colegas que não acreditavam que uma pessoa acostumada à esmola fosse submeter-se à disciplina de uma empresa. Mas a surpresa foi geral até o dia  do pagamento. 


Severino recebeu o saldo do salário e pediu carona para o comércio a um amigo que tinha uma moto. No dia seguinte, surpreendeu a todos quando  chegou para bater o ponto de chapéu. Os companheiros perceberam que algo de estranho tinha acontecido. Um dos mais íntimos o interpelou:  - “Oi careca! Você está estranho. O que aconteceu?”  Severino, com um grande sorriso nos lábios, tirou o chapéu para exibir uma peruca novinha em folha. Estupefação geral. E a pergunta inevitável: - “quanto custou essa peruca? “ Severino de peito cheio respondeu: - “ comprei em 10 prestações e dei de entrada o salário que recebi, ontem. Realizei o sonho da minha vida - agora ninguém mais vai me  chamar de  careca”.



A  comida para a  família era menos importante para ele do que a peruca. O monge passa fome, o careca compra uma peruca e, assim, cada um decide a sua maneira de ser feliz. 



São Paulo, 30 de julho de 2022.

Jorge Wilson Simeira Jacob





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