CONTRAPONTO
Caros leitores deste blog
Pela importância do texto do escritor, jornalista, político, ex- senador Irapuan, faço uma exceção de só publicar aqui pequenos ensaios. Transcrevo cinco artigos publicados no Jornal Opção de Goiás, que fazem uma analise competente dos males, que ao longo da historia, acometeram a nossa Nação. Escrito com elegância, ponderação e sobretudo com competência é uma síntese indispensável de ser lido por aqueles que exigem saber as causas, os seus desdobramentos e não limitar-se a uma visão limitada. Acredito estar oferecendo aos leitores algo valioso. Espero que leiam!
Jorge Wilson Simeira Jacob
10 MOTIVOS DE NOSSO ATRASO EM COMPARAÇÃO COM OS EUA
O escritor, diplomata e acadêmico Clodomir Vianna Moog (1906-1988), autor de bons romances, como Um Rio Imita o Reno e Uma Jangada para Ulisses, escreveu em 1954 também um tratado social, denominado Bandeirantes e Pioneiros, uma tentativa de explicar o descompasso entre os desenvolvimentos norte-americano e brasileiro. É um clássico de nossa literatura – ainda pretendo comentá-lo aqui -, e traz à discussão razões interessantes, embora esteja, em boa parte, ultrapassado, pelo desenvolvimento científico e tecnológico, que ilumina mais a evolução dos povos, permitindo melhor sua compreensão. Afinal, já se passaram quase setenta anos desde o lançamento do livro. Digo isso para lançar à discussão os dez temas abaixo, que ao menos em aparência nos colocam em desvantagem econômica e social com os EUA. Fica para o leitor interessado no assunto desenvolvê-los, criticá-los e lançar novos temas. Embora tenhamos nossas vantagens, por que estamos em atraso quando comparados com os norte-americanos, se eles são mais novos em quase um século de história? Eu discutiria atualmente os seguintes campos: 1-Educação; 2-Justiça; 3-Estatismo; 4-Segurança; 5-Funcionalismo; 6-Liberdade; 7-Infraestrutura; 8-Drogas; 9-Establishment de esquerda; 10-Corporativismo legislativo. Comecemos, pois, com algumas considerações, resumos na verdade, para que caibam em um artigo como este:
1 – Educação: A julgar pelas agências internacionais de avaliação do ensino, e que dificilmente podem ser contestadas, nossas escolas estão a pedir, urgentemente, uma completa reformulação. No ensino primário e no médio, estamos entre os últimos do mundo em qualidade e aproveitamento, com altíssimo nível de evasão e produzindo analfabetos funcionais. Comparando, enquanto nos EUA o ensino é valorizado e voltado, de início, para o desenvolvimento do raciocínio, para atividades práticas, para o aprendizado de matemática, inglês e história, e com esta o conhecimento dos valores morais e de convivência social, no Brasil não há uma valoração da carreira do magistério, os currículos são sobrecarregados com matérias que poderiam ser eletivas, foram contaminados com a ideologia e há um descaso com o ensino do que antes chamávamos “moral e cívica”. As universidades dos EUA são pagas, professores e dirigentes são escolhidos pela excelência intelectual, alunos pela aptidão pelo aprendizado. Vai para a universidade quem quer aprender e ser um bom profissional de mercado ou cientista de renome. No Brasil há o ensino universitário gratuito, a atribuição de “quotas para minorias”, professores não precisam demonstrar excelência em seus campos, com poucas exceções, principalmente nas universidades públicas, mas pertencer ao establishment esquerdista; dirigentes são escolhidos demagogicamente pelos corpos funcional, discente e docente. Há um super-emprego (90% das verbas universitárias vão para salários). Pelo menos a metade dos estudantes vai para a universidade porque quer um diploma ou um emprego público. As posições de nossas universidades no ranking mundial são vergonhosas. Como resultado, temos formado cidadãos menos preparados para o convívio social, menos aptos para escolher pelo voto seus dirigentes, menos atentos aos recursos públicos e seu emprego, mais tolerantes com a corrupção, além de profissionais menos qualificados.
2 – Justiça: Não há como negar que a justiça brasileira, se comparada à norte-americana é: a) mais lenta; b) mais complacente, e por isso pouco eficiente; c) menos fiscalizada e por isso, algumas vezes, menos correta. Isto se deve às estruturas judicantes diferentes entre os dois países. Aqui, o juiz se pauta pelo direito romano, pelo chamado direito civil, e age pelo texto das leis escritas e codificadas. Como se diz comumente, “se guia pelos autos, neles fala e por eles julga”. Sua base de atuação são os documentos escritos, as manifestações em papel das partes, maçudas, frias e no mais das vezes confusas. Nos EUA, o juiz segue o direito anglo-saxão, o chamado direito comum, baseado nos costumes e na jurisprudência. A oralidade é a base dos processos. Advogados e promotores discutem entre si, buscam a convergência, discutem-na com o juiz, que a aceita ou exige que a aprimorem, e dá sua sentença. É enorme a diferença de atuação. Daí a lentidão da justiça brasileira. Enquanto nossos juízes devem julgar quase todos os processos, nos EUA apenas cerca de 5% deles são objeto de julgamento exclusivo do juiz. Os 95% chegam até ele já acordados entre as partes e aceitos pelo réu. O juiz terá eliminado suas dúvidas nas conversas que teve com advogados e promotores, no mais das vezes em conjunto. Aqui há uma prevenção quanto a essas oralidades, existindo juízes que não conversam com advogados e recentemente ter sido julgado suspeito pela Suprema Corte um juiz que dialogava com promotores. Enquanto um processo, por mais intrincado que seja, nos EUA se resolva no máximo em cinco anos, aqui temos processos se arrastando por muitas décadas, e só julgados após a morte das partes. E a oralidade esclarece mais o juiz e dá mais segurança ao julgamento.
Daí também a leniência. As leis escritas brasileiras muitas vezes parecem proteger o criminoso e não a sociedade, e na falta delas o juiz absorveu essa complacência no exarar suas sentenças. Nossas leis contemplam reduções de pena, prescrições de crimes e atenuação de regimes que o sistema norte-americano desconhece. Um pequeno exemplo: nos EUA crimes de morte não prescrevem. No Brasil, são prescritos em vinte anos. Nossos juízes adotam medidas que chegam às raias da temeridade, pois seguem as leis, e prescrevem no mais das vezes as penas mínimas, dado a exigência de uma política de direitos humanos que se consolidou nas últimas décadas. Isso ocorre em todos os níveis: desde as comuns audiências de custódia até as medidas da Suprema Corte, como a que proibiu recentemente ações policiais nas comunidades cariocas durante a pandemia. Como resultado, temos nas ruas uma legião de criminosos que soltos, estão novamente delinquindo, e isso vale para os traficantes de droga, para os assassinos em série como o recente Lázaro Barbosa e para os políticos graúdos que além de tudo, pagam com nosso dinheiro seus caríssimos advogados. Finalmente, falemos da fiscalização da atividade judicial. Há uma imensa diferença entre a nomeação e o acompanhamento de um juiz aqui e nos EUA. O juiz brasileiro presta um concurso, é nomeado, dois anos depois é estável, vitalício, e só é fiscalizado pelo Conselho Nacional da Magistratura, que não tem como estender a todo o judiciário uma ação fiscalizatória. Além disso, se um juiz age com má fé ou desonestidade e isso é comprovado, a pena para ele é uma aposentadoria com salário integral (que não é pequeno). É da lei. Nos EUA, a nomeação de juízes varia de estado para estado, segundo as constituições locais. Mas de uma maneira geral, juízes são eleitos pela população por um período que varia conforme a unidade federada (cinco anos, na média), embora exista a reeleição. Juízes são avaliados por comissões em que costumam estar presentes outros juízes, advogados e cidadãos comuns. Como existem muitas variações entre as legislações estaduais, tome o leitor as presentes considerações como medianas, nos EUA. Mas, de qualquer forma, mostram as diferenças, que nos são amplamente desfavoráveis.
Discutiremos na sequência os outros temas. Mas na aparência, nossa atuação em todas essas áreas, tal como andam as coisas, se não mais nos afasta dos norte-americanos no desenvolver nossa pátria, também não é de molde a promover nossa aproximação.
Irapuan Costa Junior 22 de julho de 2021
CONTRAPONTO
Ainda as 10 Razões da Diferença entre os EUA e o Brasil
Apresentamos aqui, na semana passada, uma lista de setores em que nos colocamos em desvantagem em relação aos Estados Unidos da América, o que, ao menos em tese, explicaria porque não conseguimos diminuir o desnível entre nosso desenvolvimento econômico e o deles. Em tese, repito, pois outras razões podem vir à discussão. Listamos: 1) Educação; 2) Justiça; 3) Estatismo; 4) Segurança; 5) Funcionalismo; 6) Liberdade; 7) Infraestrutura; 8) Drogas; 9) Establishment Esquerdista; 10) Corporativismo Legislativo. Discutimos as duas primeiras na semana passada. Prossigamos:
O Estatismo: As nações latino-americanas são pródigas em empresas estatais, o que se explica não só pela cultura, como também pelo baixo estoque de capital privado presente quando os países mais ricos se industrializaram. Isso fez que os estados assumissem o papel de investidores em setores que não lhes diziam respeito, desejosos de substituir importações acelerar a industrialização. Essa política nacionalista foi adotada entre nós até final do regime militar de 1964-1985. Os resultados, com poucas exceções, principalmente aquelas das empresas posteriormente privatizadas (Embraer, Vale do Rio Doce etc.), não foram os melhores. Empresas estatais têm sido sinônimo de corporativismo, abuso, desperdício, corrupção e em consequência, custos elevados para a sociedade. Fundos de pensão, alimentados muitas vezes com dinheiro público, garantem aposentadorias privilegiadas aos funcionários dessas empresas, por um lado, e por outro são alvos de avanços da corrupção. O melhor exemplo é o da Petrobrás, que comparada a uma empresa privada americana do mesmo porte, como a Exxon, mostra que tem três vezes o número de funcionários que esta, funcionários estes dotados de uma série de regalias inexplicáveis, com remuneração muito acima da que contempla os funcionários da indústria privada brasileira. Serviços que a Petrobrás contrata, em geral os remunera acima do mercado privado, e quanto a corrupção, basta ver o ocorrido nos governos petistas. Como a Petrobrás é monopolista, a sociedade é obrigada a engolir os preços que pratica, e com eles os custos inflados. No setor elétrico, por muitos anos totalmente estatal, algo semelhante ocorria. Ainda parcialmente estatizado, o setor prepara-se para libertar a sociedade brasileira das distorções, com a venda da Eletrobrás. Mas ainda estão com os brasileiros as lembranças da corrupção em Furnas e Nuclebrás, por exemplo. O setor financeiro ainda é pesadamente estatal. O governo federal controla Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Banco da Amazonia, Banco do Nordeste e Banco Regional de Brasília. Já foi pior. O Banco Central, nas décadas de 1980 e 1990 promoveu a liquidação dos bancos estaduais, fonte de prejuízo, apadrinhamento e corrupção nos estados. Hoje, o Brasil é um dos países de maior concentração bancária do mundo (só perde para a Holanda), com cinco bancos detendo mais de 80% dos depósitos. Desses cinco, dois são públicos, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Nos EUA, os cinco maiores bancos, todos privados, não detêm 40% dos depósitos. Essa política de leniência, quase subserviência do Banco Central com os grandes bancos tem resultado em juros e taxas altas para os tomadores e péssimos serviços, principalmente para as pessoas físicas. Mencionamos esses três setores, petrolífero, elétrico e financeiro, bem representativos dos desmandos da estatização, mas em outros setores da economia as coisas são muito semelhantes, aqui no Brasil. Já nos EUA o setor petrolífero é totalmente privado, o setor elétrico térmico (90% da matriz energética de lá) também, sendo estatais apenas as usinas hidrelétricas consideradas estratégicas. O setor financeiro também é privado. E num banco privado nunca ocorreria o que se passou com o BNDES, como quando “emprestou” 1 bilhão de dólares para Cuba construir o porto de Mariel, no governo Dilma, sabendo-se que a ditadura local nunca pagaria um tostão, por não ter recursos sequer para comprar alimentos. A despeito disso, o “empréstimo” correu toda a tramitação dentro do banco, teve todos os pareceres técnicos emitidos, aprovação da diretoria etc., até a liberação dos recursos. Técnicos do BNDES ganham em média 30 mil reais mensais (dez vezes o que ganha um bancário de banco privado), e há salários de até 76 mil reais, segundo levantamento do jornalista brasiliense Claudio Humberto. Coisas da estatização.
A Segurança: Embora a criminalidade venha caindo nos últimos três anos, a Segurança Pública ainda é, em conjunto com Educação e Saúde, um dos maiores problemas sociais que enfrentamos. Pode-se dizer, sem medo de errar, que na raiz da violência urbana, responsável pelo maior número de assassinatos, assaltos, roubos e furtos, está o tráfico de drogas. Os policiais sabem disso. Tomando como índice a taxa de homicídios, temos no Brasil, pelos dados consolidados mais recentes, cerca de 23 assassinatos anuais por 100 mil habitantes, enquanto nos EUA esse número está abaixo de 5. Inegavelmente, uma situação espantosamente desvantajosa. É verdade que há números muito piores que os nossos, principalmente na América Central (A taxa de El Salvador é 108 e de Honduras, 64), mas nossa comparação é com os EUA. O que explica essa diferença, levando em conta que nos EUA é também alto o consumo de drogas? A explicação está na conjunção de dois fatores, um externo e um interno, uma combinação explosiva, que cria um caldo de cultura absolutamente favorável à criminalidade. Vamos ao fator externo: por um infortúnio, temos em nossas fronteiras os maiores produtores mundiais de drogas: Colômbia, Peru, Bolívia (cocaína) e Paraguai (maconha). O infortúnio cresce na medida em que essas drogas, para a exportação para os EUA (maior consumidor mundial) e Europa, devem atravessar o território brasileiro. E pior anda, nos últimos anos, o governo boliviano (e bolivariano) de Evo Morales, vendo que o tráfico de cocaína era rendoso e atingia os EUA, incentivou enormemente o plantio da coca, em regiões fronteiriças nossas, fazendo com que o produto boliviano passasse a ser o mais exportado (e consumido) por via brasileira. O fator interno está numa política de Segurança Pública totalmente equivocado implantado nos últimos 30 anos, somando vários fatores, todos favoráveis ao aumento da criminalidade: A) Desestímulo policial por política distorcida de direitos humanos; B) Leniência penal por parte do Legislativo e do Judiciário; C) Afrouxamento do sistema prisional; D) Desarmamento da população sem uma mínima contrapartida no combate ao tráfico de armas para a criminalidade. Essa conjunção, e o fato de o narcotráfico movimentar imensas somas de dinheiro acabaram por propiciar o surgimento de duas organizações criminosas, o Comando Vermelho (CV), no Rio de Janeiro e o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo. As duas facções acabaram por estabelecer suas filiais nos estados que se situam na trajetória do tráfico, e mesmo nos países vizinhos; disputam entre si cada ponto de venda interno e cada comprador externo. É uma guerra constante, sem quartel, e que teve seguimento com o comando interno dos presídios, onde também há disputa. Observe-se que os EUA não têm grandes produtores de droga em suas fronteiras, têm uma polícia respeitada e valorizada, ali as leis são rigorosas e as penas duras, além cumpridas na integralidade, com poucas reduções. Nas prisões não existem “furos” por onde possam entrar drogas, armas e celulares e onde presidiários não influem, além da população norte-americana ser uma das mais armadas do mundo. Não coincidentemente, enquanto existem nos EUA cerca de 700 presos por 100 mil habitantes, no Brasil essa taxa é a metade. E os nossos “progressistas” vivem pregando um desencarceramento, alegando que o Brasil prende demais, como se já não tivéssemos bandidos perigosos em número elevado soltos em nossas ruas. Não coincidentemente, também, mata-se cinco vezes mais, no Brasil, que nos EUA.
Prosseguiremos, oportunamente, com esse exame comparativo.
Irapuan Costa Junior 29 de julho de 2021
CONTRAPONTO
Dez razões pelas quais mantemos nossa diferença dos EUA em desenvolvimento (Parte 3)
Estávamos dizendo, em artigos anteriores, que muitas razões persistiam, impeditivas de nossa aproximação, em desenvolvimento econômico e social, com os Estados Unidos. Entre elas: 1) Educação; 2) Justiça; 3) Estatismo; 4) Segurança; 5) Funcionalismo; 6) Liberdade; 7) Infraestrutura; 8) Drogas; 9) Establishment Esquerdista; 10) Corporativismo Legislativo. Abordamos as quatro primeiras questões nas semanas passadas. Prossigamos:
Funcionalismo: O funcionalismo público, principalmente o federal, soube se consolidar no Brasil como uma casta, ao longo dos anos, graças ao poder de pressão que deteve sobre os poderes da República. Por que uma casta? Porque, de uma maneira geral detém privilégios inamovíveis (como a estabilidade conferida pela Constituição de 1988); salvo as honrosas exceções de sempre não presta um serviço de excelência; e custa caro ao pagador de impostos, vale dizer, à sociedade. O julgamento que os entendidos fazem do funcionalismo público brasileiro é bastante severo, mas é preciso que se faça justiça: Nos três níveis de governo, as distorções maiores estão na esfera federal – e entre os poderes. Os servidores públicos estaduais e municipais ganham menos, mas são em geral mais dedicados e corteses que seus colegas federais, que costumam ser mais distantes no trato com o público. Comparados com os EUA, gastamos 50% a mais que eles com o funcionalismo, em termos de porcentagem do PIB - Produto Interno Bruto. Dispendemos cerca de 13,5% do PIB, enquanto os EUA gastam cerca de 9% com seus funcionários públicos. É uma diferença apreciável em um orçamento, e significa que os EUA ganham com esse quesito, e proporcionalmente, margem maior de investimento do que nós. Não podemos nos esquecer que o funcionário público federal, no Brasil ganha em média quase o dobro do que ganha um funcionário equivalente na iniciativa privada, uma distorção bastante grande. Se particularizarmos, vamos encontrar diferenças ainda mais significativas na comparação com os EUA. Por exemplo: com o poder judiciário, gastamos cerca de 1,3% do PIB. Os EUA gastam quase dez vezes menos (0,14% do PIB), com uma justiça muito mais ágil.
Liberdade: A excessiva interferência dos governos no dia a dia do cidadão tolhe sua iniciativa, dificulta seu desempenho e inibe o que se chama livre iniciativa, a ação que o americano chama de “fazer dinheiro”, mais do que ganhar dinheiro, isto é, empreender, criar empregos, pagar impostos, gerar lucros. Criar desenvolvimento, enfim. Quem desejar abrir uma empresa no Brasil precisará de muita energia e bastante paciência. Segundo o Banco Mundial, o Brasil é um dos países mais burocráticos do mundo quando se trata do empreendimento. Segundo a organização Endeavor, no Brasil desde 2000, prestando assistência a empreendedores, aqui, o tempo médio para abrir uma empresa é de 80 dias (com otimismo), não passando de 6 dias nos EUA. A razão dessa desanimadora diferença está nas complicações burocráticas, no número de documentos exigidos, na diversidade dos órgãos licenciadores (Receita, Junta Comercial, Estado, Prefeitura etc.), e na falta de clareza presente em muitos órgãos. Registrada a empresa, é necessário que o empresário brasileiro cumpra suas obrigações fiscais e trabalhistas, o que representa um verdadeiro calvário, que além de sofrido é dispendioso. O Banco Mundial estima em 2.000 horas o tempo médio dispendido por uma empresa brasileira para cumprir anualmente suas obrigações fiscais. Ficar em dia com as por vezes absurdas exigências do Governo exige trabalho e dinheiro. Nunca tente o leitor administrar uma empresa sem um bom advogado e um ótimo contador, e mesmo que o faça, estará sujeito a alguma multa por uma divergência de interpretação. Para dar um exemplo apenas a legislação de um dos vários impostos pagos pelas empresas (ICMS) foi modificada, em quatro anos, quase 600 vezes, o que dá uma mudança a cada 3 dias. E se a operação for inversa – fechar uma empresa – não pense o leitor em facilidades. O processo burocrático é de igual complicação. Um nosso conhecido tenta há anos fechar uma empresa e encontra enorme dificuldade pelo fato de um sócio ter falecido e ter tido seu CPF cancelado. O processo de fechamento é tão absurdo, que empresários preferem deixar a empresa aberta, sem atividade, a enfrentar a burocracia do fechamento. Existem no Brasil mais de 3,5 milhões de empresas nesse estado, segundo a Endeavor. Seriam os CNPJ “zumbis”. Ainda segundo a organização, o processo fiscal brasileiro é tão complicado que 80% das empresas, por mais atentas que sejam ao pagamento de seus impostos, sempre terão uma desavença com a Receita. Evidentemente, esse emaranhado legal, totalmente desarrazoado, prejudicial ao desenvolvimento do país, inexiste nos EUA. Sem falar que a carga tributária nossa está em 35% do PIB enquanto nos EUA está em 26%. E pasme o leitor: o único esforço feito nas últimas décadas para modificar esse estado de coisas foi no governo João Batista Figueiredo, quando se criou um Ministério da Desburocratização (em 1979), entregue a um técnico competente de então, o ministro Hélio Beltrão. Enquanto existiu, o Ministério conseguiu alguns avanços importantes. O que aconteceu com ele? Foi extinto por Fernando Henrique Cardoso quando assumiu a Presidência. Como bom “socialista”, achava que o poder do Estado estava sendo ameaçado pelas medidas anti-burocráticas! E alguma coisa boa ficou, como o Estatuto da Microempresa e o Juizado de Pequenas Causas. O horrível “reconhecimento de firma”, que havia caído com Beltrão, acabou voltando e nos azucrina até hoje. Mas não é apenas sobre os empresários que caem as complicações de um estado voraz e burocrático, algo que apenas as esquerdas toleram sem resmungos. O cidadão comum que necessita de um documento, seja ele uma carteira de identidade ou habilitação, um passaporte, um alvará de licença para construção de uma casinha – ou seu habite-se – ou ainda a licença de um veículo, sabe que terá de cultivar a paciência. Se necessita de algo ligado ao meio ambiente, outro tanto. Com a histeria quanto às armas, obra de trinta anos de tentativa de controle social, então nem se fala. Um atleta de tiro – modalidade olímpica, diga-se de passagem -, mesmo com o esforço de desburocratização do atual governo, tem um calvário pela frente se deseja comprar uma arma esportiva, efetuar seu treinamento e participar de competições. Necessita de um Certificado de Registro no Exército, exames de aptidão e psicológico, curso de tiro, licença especiais para compra das armas e munições. Se deseja importar uma arma, o processo nunca demora menos que um ano. E ainda há que se sujeitar ao monopólio da fabricação de munições no Brasil, proteção que uma empresa mantém por anos sob a enganosa alegação de ser estratégica. É bem verdade que a nível estadual tentou-se – e se conseguiu -, com a criação do Vapt-Vupt em Goiás, em 1999, uma diminuição da burocracia, pela integração dos órgãos emissores de documentos pessoais. Foi um avanço. Mas estamos anos-luz atrás dos EUA, com seu governo menos presente e interferindo pouco na vida, na produção e na paciência dos cidadãos. Liberdade para empreender, para trabalhar, para o lazer, para se defender, para viver, é lema dos americanos. O nosso, continua a ser pedir a benção do governo para se fazer qualquer coisa.
Irapuan Costa Junior 05 de agosto de 2021
CONTRAPONTO
Ainda a diferença de desenvolvimento entre Brasil e EUA (Parte 4)
Relembrando, os dez campos de atuação por nós listados como responsáveis (entre outros) pela manutenção do desnível econômico e social existente entre nós e os irmãos do norte, eram: 1) Educação; 2) Justiça; 3) Estatismo; 4) Segurança; 5) Funcionalismo; 6) Liberdade – que já discutimos – e mais: 7) Infraestrutura; 8) Drogas; - que discutiremos a seguir – e finalmente 9) Establishment Esquerdista; 10) Corporativismo Legislativo – que ficam para a próxima semana.
Infraestrutura – O livro que mencionamos no primeiro artigo desta série, Bandeirantes e Pioneiros, de Vianna Moog, aborda ampla e comparativamente as duas culturas, a brasileira e a americana, e examina, principalmente em seus primórdios, as vantagens dos nortistas sobre nós. Ele menciona o que poderíamos chamar de “infraestrutura natural”, os rios amplamente navegáveis, que os colonizadores encontraram no território estadunidense, e que facilitaram sobremaneira sua penetração. Facilidades que não tiveram aqui os bandeirantes, nem temos hoje, pois a navegabilidade de nossos grandes rios, principalmente nas regiões mais propensas à ocupação (no sul e sudeste), nunca foi extensa. Nos EUA, o Mississipi integra o território por mais de 3.500 km (mais de 6.000 km se contarmos com seu afluente, o Missouri), e os rios navegáveis se contam às dezenas (Potomac, Delaware, Hudson, Ohio etc.). Já nossos principais rios são, na grande maioria, encachoeirados, como o São Francisco, que tem a cachoeira de Paulo Afonso já a 250 km da foz, ou o Paraná, com a cachoeira de Sete Quedas. A mesma dificuldade de penetração por terra, tiveram nossos bandeirantes, encontrando, a 30 km da costa as serras do Mar, Geral e da Mantiqueira, enquanto nos EUA as planícies se estendiam por 300 km a partir do Atlântico, antes dos contrafortes dos Apalaches ou dos Alleghenies, facilitando a penetração dos pioneiros. Na implantação de sua estrutura viária, souberam os EUA construir uma rede ferroviária excelente, integrando todo o território nacional e as redes fluviais de transporte, com resultante numa malha de escoamento de mercadorias e passageiros sem igual no mundo em custo, eficiência, rapidez e alcance, enquanto optávamos pelo transporte rodoviário. Basta uma comparação para avaliarmos nossa desvantagem nesse quesito: Temos cerca de 30.000 km de ferrovias. Os EUA detêm quase 300.000 km. Transportamos por trem cerca de 15% de nossas mercadorias. Os EUA transportam quase 50%. E a despeito de termos optado pelo transporte rodoviário de cargas e passageiros, e a despeito ainda da extensão territorial e da população serem da mesma ordem de grandeza, também perdemos longe para os EUA no que respeita à malha rodoviária: temos menos de 2 milhões de quilômetros de rodovias (menos de 10% pavimentadas) enquanto os EUA têm mais de 6 milhões (mais de 50% pavimentadas). Mais um dado, para mostrar nosso estrangulamento relativo aos EUA: eles possuem uma extensão hidroviária de 40.000 km, maior que nossa rede rodoviária. Nem precisamos falar do transporte aéreo, para evidenciar ainda mais as dificuldades que teremos para alcançar os EUA num futuro ainda distante. Um número diz bastante: o aeroporto de Atlanta, capital da Georgia, nos EUA, tem, sozinho, o movimento anual que têm todos os aeroportos brasileiros juntos: cerca de 110 milhões de passageiros.
Drogas: Tudo o que dissemos em artigo anterior sobre Segurança Pública, nos comparando aos EUA, serve para esse comentário sobre a influência das drogas em nosso desenvolvimento, principalmente se mesclarmos a Educação no assunto. Os Estados Unidos não têm os maiores produtores mundiais de drogas em suas fronteiras e não são rotas de passagem para o tráfico de exportação. Não permitem o florescimento do crime organizado, pois ao contrário do que acontece aqui, a Polícia tem todo apoio para combater energicamente a criminalidade, a Justiça não é leniente como a nossa e as ONGs de direitos humanos conhecem seu lugar. Além disso, a população, educada e conscientizada para a importância que tem no auxiliar as autoridades a combater o crime, é muito mais alerta contra os maus políticos, que favorecem a marginalidade e a imprensa de esquerda, que faz com eles um nefasto compadrio. Até porque nos EUA, embora também existam muitos jornalistas de esquerda, são lá muito mais comedidos que os nossos, e menos propensos às distorções ideológicas, coisa de que os nossos usam e abusam. A população armada também é um freio para que os bandidos ligados ao comércio de drogas ampliem sua atuação para outras áreas, como assaltos a bancos e transportadoras de cargas, roubo de veículos e assalto a residências ou transeuntes, o que abunda por aqui. É impensável nos EUA o domínio de um presídio por uma facção criminosa, o que é regra em nossas prisões. A permissividade judicial somada aos privilégios abusivos dos maus advogados, principalmente, embora não se possa descartar de plano certa corrupção em meio ao corpo funcional prisional, faz nossos presídios permeáveis à entrada de drogas, armas e celulares. Não admira que certos crimes sejam comandados de dentro das prisões. Mas há uma pergunta importante: Com tudo isso não estão os EUA entre os maiores consumidores de droga do mundo? É certo que estão. São os maiores consumidores de maconha, droga usada principalmente entre os jovens, e presente em todo o extenso meio universitário americano. E de cocaína, droga mais elitista, dos que têm maior poder aquisitivo. No Brasil, estima-se que 2,6% da população seja usuária de maconha, enquanto nos EUA esse percentual vai a 16,2% (segundo a ONU). Quanto à cocaína, segundo um estudo da Universidade Federal de São Paulo, esse percentual é bem próximo nos dois países, sendo 13% no Brasil e 12% nos EUA. Em volume, evidentemente, dado a população bem maior dos EUA, o tráfico americano é também maior. E surge outra pergunta: por que o tráfico nos EUA não é visível como no Brasil? Onde estão os cartéis? Por que não há as guerras de facções, que no Brasil causam dezenas de milhares de mortes todos os anos? E por que não existem tantos assaltos a bancos, roubos de carga, assaltos a residências e transeuntes? Por que não há tantas drogas no interior dos presídios? Por que não há enfim, tantos crimes violentos a perturbar o trabalho e o desenvolvimento da nação, no seu dia a dia, como acontece aqui? A resposta vem numa palavra: impunidade. Os traficantes e usuários nos EUA constituem uma rede pacífica, discreta, silenciosa. Sabem que não podem aparecer, pois a descoberta significa longos períodos na prisão. Artistas não fazem propaganda aberta das drogas, pois teriam que prestar contas à Justiça. Polícia, justiça e presídio são duros, sem condescendência com o crime. Aqui, a polícia prende, a justiça solta e nos presídios comanda o tráfico, com poucas exceções. Nos EUA é impensável a Suprema Corte proibir uma ação policial, como fez aqui o Supremo com a polícia nas favelas durante a pandemia. Áreas dominadas pelo tráfico é algo que sequer passa pela imaginação deles. E uma Cracolândia, então? Tente contar a um americano da gema que temos, no centro da maior cidade brasileira uma área onde os traficantes agem livremente, sob o olhar complacente do prefeito e do governador, vale dizer da polícia, onde o consumo se faz à vista de todos, com auxílio de ONGs de Direitos Humanos e da esquerda da Igreja Católica protegendo traficantes e usuários. Não acreditaria. Mas é resultado de trinta anos de Política de Segurança ideológica, equivocada, danosa e teimosa. É bem verdade que alguns estados americanos liberaram a comercialização e o uso da maconha, sendo o primeiro deles o Colorado. Mas já reexaminam a questão. Nestes estados, a estatística mostra um aumento da criminalidade.
Irapuan Costa Junior 12 de agosto de 2021
CONTRAPONTO
Terminemos essa nossa discussão sobre o que nos separa dos Estados Unidos em desenvolvimento, e sobre o que fazer para reduzir a dianteira que o gigante do norte tem à frente do Brasil, também gigante, mas adormecido em berço esplêndido. O dinamismo da história mostra que não há impérios eternamente dominantes, pelas armas ou pela economia. A hegemonia estadunidense já sente o resfolegar da China em seus calcanhares, uma nação que foi subalterna por séculos. Os chineses conseguiram enormes avanços cedendo terreno político para uma vibrante economia de mercado. Até agora conseguem uma convivência, com a ditadura restrita ao que delimitou como seu e respeitando o que delimitou como de livre economia. Fatalmente, no futuro, um confronto tenderá a se produzir, principalmente porque a economia se torna mais poderosa e a ditadura tende a se tornar mais questionada. Mas isso é futurologia pura, coisa de adivinhos. Outra mostra de que hegemonia é transitória, e coisa impensável há algumas décadas, nossa produção de grãos superou a dos EUA, não só em quantidade, mas também em qualidade.
Mas vamos às duas particularidades que nos falta abordar, entre as dez que escolhemos: O establishment esquerdista e o corporativismo legislativo.
Establishment Esquerdista: Quase trinta anos de governos de esquerda, os de Fernando Henrique, Lula e Dilma ou governos excessivamente tolerantes com a esquerda, os de Sarney e Itamar Franco, com respaldo ideológico e colaboração de inteligência do Foro de São Paulo, nos deixaram um legado de atraso de que só a muito custo nos livraremos. Espero que seja um custo apenas em sofrimento, aprendizagem e paciência pacíficos, e não uma ruptura institucional violenta. É extensa a lista de desgraças que herdamos desses carregadores de utopias, umas evidentes, outras nem tanto, e algumas mesmo bastante escondidas. Evidentes foram a roubalheira comprovada e confessa, o desvio de bilhões de dólares dos pobres brasileiros para Cuba, Venezuela, Moçambique e outros, a politização do Supremo etc. Menos evidentes, seja por ter a imprensa escondido, seja pela inadvertência dos menos avisados e esclarecidos, tivemos a compra da reeleição por Fernando Henrique, que trouxe com ela as reeleições de Lula e Dilma, o imenso retrocesso na Educação, em todos os níveis, a degradação da Segurança Pública e da Saúde, o aparelhamento da máquina estatal, principalmente no Ministério da Educação, a política de combate às drogas frouxa interna e externamente, a corrupção da imprensa e da classe artística, que mais não podem viver sem as verbas públicas, a degradação moral e dos costumes, o trato da religião com menosprezo e até hostilidade, a depreciação da família como núcleo básico da sociedade, a tentativa de controle social pelo desarmamento e pelo avanço da influência do Estado sobre a infância e adolescência. E mais, a política externa de aproximação com ditaduras e deterioração da imagem do Brasil no exterior, usando com proposital engano a Amazonia, principalmente. Paramos por aqui, embora a lista de males que a esquerda impôs ao país seja imensa (e ainda há quem queira sua volta!). E os malefícios não cessaram com a saída deles do Governo. Ficou plantado na nação um establishment esquerdista que vai dos militantes infiltrados na máquina pública mais modesta até o Supremo Tribunal Federal. É praticamente impossível um governante não pertencente ao establishment governar, hoje. Existe oposição dentro de casa, com o aparelhamento da máquina pública, dotando o establishment de um serviço de informações (e em alguns casos de sabotagem) deveras extenso. Um exemplo recente: o ministro da Educação revelou que dos 69 reitores de universidades federais, ele tem diálogo com um terço. É evidente: a politização do ensino fez com que as universidades fossem, antes de serem centros de conhecimento, centros de atividade político-ideológica, de militância pura. Existe a esquerda dominante na imprensa, de tal forma virulenta que qualquer coisa que o Presidente faça será objeto de crítica. Ocorrerá se ele fizer algo e ocorrerá se fizer o contrário. Um exemplo: acusado de combater o voto eletrônico alegando fraude, foi acusado de fazê-lo sem provas. Mostrou então um processo engavetado no Superior Tribunal Eleitoral, em que a Polícia Federal investigava uma invasão das urnas por hackers, durante meses. Está sendo denunciado por quebra de sigilo. Colunistas dos grandes jornais, liberados pelos patrões sedentos de dinheiro público, praticam seu esporte favorito: desancar o governo. Os partidos de extrema esquerda, atuantes como são e sem a menor vergonha do que fizeram no passado recente, descobriram no Supremo o caminho que sua insignificância não lhes abre no Congresso. Por dá cá aquela palha, entram com uma representação contra o governo, que é rápida e às vezes monocraticamente acatada pela Suprema Corte, e que manieta o Executivo. Suprema Corte que não tem a mesma destreza para julgar, por exemplo, os processos de Renan Calheiros e outros políticos. A anulação das sentenças de condenação de Lula, mesmo após os estratosféricos roubos, provados e confessos, com julgamento condenatório em três instâncias, acabou, de maneira estarrecedora, acontecendo, sob silêncio da imprensa. Todas essas ações da esquerda acabam ocorrendo como se coordenadas por um maestro, mas é apenas uma maneira de ser do establishment, onde cada um age à sua maneira, mas todos no mesmo sentido, acabando por somarem os esforços. No caso, o sentido é a derrubada do Presidente, mas atinge em cheio o desenvolvimento nacional. Isso inexiste nos EUA. Lá há uma infiltração esquerdista na imprensa, mas nada nem de longe parecido com o que há aqui, em atuação e agressividade.
Corporativismo Legislativo: O livro aqui mencionado por mais de uma vez, um clássico sobre os temas que discutimos, Bandeirantes e Pioneiros, de Vianna Moog, fala de como a ética religiosa, o Calvinismo principalmente, foi importante na formação cultural e econômica dos EUA. Virtude, trabalho e tradição eram temas impregnados na formação inglesa, presentes na religião protestante (no Calvinismo principalmente) e seguiram para os EUA com os pioneiros, que a eles incorporaram a liberdade. Essa ética está presente na atitude dos homens públicos americanos, seus congressistas inclusive. Mentir pode derrubar um Presidente, nos EUA (aconteceu com Nixon, no Watergate) ou submetê-lo a sanções (Clinton pagou US$90.000 de multa por mentir sobre Monica Lewinsky). O trato da coisa pública é levado muito a sério. Danificar o patrimônio público nos EUA dá penas severas de cadeia. Essa atitude, no comportamento político americano, se reflete no resultado da ação pública, muito mais rentável para a sociedade pagadora de impostos. Se ética e virtude permeiam a sociedade e as instituições americanas, não é isso que se vê em nosso Congresso. As duas casas legislativas, cuja função constitucional é formar e aprimorar o código das leis nacionais, parece ter se esquecido desse princípio, tanto que se afastou dele. Existem as honrosas exceções, tanto mais honrosas quanto poucas forem. Mas a maioria do Congresso é voltada para si mesma, legisla em causa própria, chantageia o Executivo, vive uma relação ora de medo, ora de concubinato com o Judiciário, principalmente o STF. O nosso motor legislativo é a reeleição de cada um, e os recursos para tanto. Deputados e senadores preservam as vantagens, salários e mordomias com que se presenteiam (e estendem aos funcionários legislativos, até como forma de apaziguar possíveis contestações). O problema aqui já não é ideológico, mas de cobiça. A ideologia, no Congresso, só está presente, negativamente, nos partidos de extrema esquerda, como PT, PSOL, PC do B. Ou, positivamente, na “bancada evangélica”, preocupada com temas éticos, como o aborto, e com a liberdade religiosa. Mas todos se unem, da direita à extrema esquerda, para votar os imorais fundos Partidário e Eleitoral, as Emendas Parlamentares ou amenizar a Lei de Improbidade, como se unem para impedir qualquer reforma eleitoral que mude – e só pode ser para melhor – o status quo, como aconteceu nesta mesma semana. Todos se unem até para impedir a chamada cláusula de barreira, que impediria partidos inexpressivos de se multiplicarem para avançar sobre verbas públicas para sua manutenção e suas mordomias. Nunca há pressa para votar reformas urgentes para a Nação. Os escândalos não mudaram o comportamento do Congresso, mesmo que duramente atingido, como nos casos Anões do Orçamento, Mensalão e Petrolão. Muito menos nos casos menos ruidosos como quando Fernando Henrique comprou a própria reeleição ou promoveu suas discutidas privatizações. O Congresso se cala quando o STF prende um deputado, um jornalista, um presidente de partido ou promove de ofício o processo das Fake News, ou ainda quando determina a abertura de uma CPI pelo Senado, que mais parece um circo. E vale lembrar que quase um terço do Senado responde a processo junto àquela Corte, e que na Câmara a porcentagem não deve ser muito diferente. Em resumo, legislar em benefício do País é o que menos se faz, nas duas casas. Brasil e EUA têm os congressistas mais caros do mundo, na casa de 7,5 e 9 milhões de dólares por ano e por parlamentar, respectivamente. Mas comparando a atuação dos dois congressos, o de lá presta muito melhor serviço à sociedade que o paga.
Irapuan Costa Junior 19 de agosto de 2021