sexta-feira, 27 de agosto de 2021

 




O velho lobo do mar.


A piada é antiga e mesmo sendo muito boa não justifica repetí-la pelo humor, mas sim para ilustrar uma situação. Vamos à parábola : A caravela  aporta. Os marinheiros depois de meses no mar, com o recebimento dos soldos, correm para os bordeis do porto para saciar as necessidades. O velho lobo do mar, adianta-se aos marujos e comanda com autoridade: para lá,  a primeira garota é minha! Todos cedem a vez. O velho lobo do mar despe-se, deita-se com a companheira, mas a ereção não acontece. Ele não tem dúvidas. Está faltando o balanço do mar, afinal a terra firme o afeta. Manda que a garota balance com força a cama . Nada acontece. Também faltam os assobios dos ventos. A garota, além de balançar a cama, imita os fortes ventos nas velas. Sem alteração, manda que ela entre as carícias , os assobios, o balançar da cama, emita  os rugidos das madeiras. Fracasso total. Levanta-se, xinga a mãe da prostituta, dá-lhe  um bofetão e berra: também com uma zorra desta quem é que pode exibir a virilidade?


Não só do mar  aportam os velhos lobos . Podem vir de toda parte e muitos da política. A nossa história recente nos lembra de alguns. Jânio Quadros, aos desembarcar da caravela no Porto de Brasília, depois de uma eleição em que prometeu mundos e fundos, como fazem todos os candidatos, frustrou-se com os resultados. Pois, a  sua presidência perdeu-se em coisas miúdas, como  proibir biquínis nas praias, fechar as rinhas de galos e multar motoristas nas ruas. Sem outro projeto que não fosse uma ditadura, transferiu às forças ocultas as causas da sua impotência… e renunciou. Lulla, em arroubos megalomaníacos, gabava-se da sua ignorância, da sua pureza  e atribuía aselites os  seus fracassos. Fernando Henrique não teve pudor de comprar a reeleição, que agora renega, com o despudor de não ter tido tempo suficiente para realizar o seu programa socialista, que deixou incompleto. E agora, o Bolsonaro, cujo único projeto é a  reeleição, como o velho lobo do mar, atribui  a responsabilidade da sua inoperância aos outros poderes do estado. Mas, apesar de reconhecer que não consegue governar, por culpa das outros, pleiteia um novo mandato. Seria como se o velho lobo do mar, trocando de quarto, ou de companheira, ganhasse a virilidade perdida. Alegar que haverá melhoria no judiciário e no legislativo, com a nova eleição,  é um me engane que eu gosto. Os eleitores e as suas aspirações não mudarão e os togados e os seus interesses também não . Será mais do mesmo!


Uma reeleição só servirá para retardar o acerto de contas com a realidade. Se as causas das causas, que é a cultura populista-socialista,  não forem extirpadas da sociedade, não mudaremos a tendência declinante do nosso desenvolvimento. Só os de pouca  ambição, os de visão curta,  acreditam que os biquínis, as rinhas de  galo, o covid 19 , são suficientes para salvar um governo. Uma reeleição só servirá para que os satisfeitos com o jogo miúdo deste governo durmam tranquilos mais alguns anos, para acordarem daqui a pouco,  na mesma. É uma ilusão a de que fazer alguma coisa nos faz mudar para melhor. Os socialistas e os nazistas nunca foram acusados de omissos, pelo contrário, foram muito laboriosos. Eles são criticados  por terem trilhado o caminho errado. Pior do que andar devagar na direção certa, é ir  acelerado na direção errada. Insistir nas soluções paliativas, sem concentrar-se na causa das causas, é perder tempo precioso. Ou temos um candidato capaz  de enfrentar o desafio de provocar  um choque cultural ou é melhor deixar que a natureza siga o seu curso *. Será o que Deus quiser!




* Nota - respeito a clássica decisão de alguns de votar no menos ruim dos atuais candidatos, desde que com a consciência de que não será a salvação, mas tão somente protelar a solução das nossas mazelas.




São Paulo, 27 de agosto de 2021.

Jorge Wilson Simeira Jacob



Este blog respeita o seu tempo. Por favor, caso não tenha interesse em receber estas reflexões, solicite a exclusão pelo e-mail jwsjbr@gmail.com . Basta digitar a palavra NÃO. 

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

 O fruto proibido.


Quando foi expulsa do Paraíso por comer o fruto proibido, Eva,  perplexa com o desemprego, fez pela primeira vez na história a clássica pergunta: e agora, Adão?  Adão e a humanidade descobriram, desde então,  a necessidade de antever o futuro para sobreviver. Os gregos iam ao Oráculo de Delfos, os indígenas ouviam os pajés, as  ciganas liam as cartas, as mãos ou as bolas de cristal. Nós escutamos os cientistas políticos, os economistas, os meteorologistas,  modernos  futurólogos, que  organizados em  profissões,  estudam os fatos e, com as leis da sua ciência  tentam prever o porvir.


Uma Eva moderna, muito assustada com as  notícias políticas e econômicas, frustrada com o paraíso perdido, repete a  pergunta: e agora Adão? O que será do  futuro do Brasil? O que será deste país se a melhor alternativa à presidência é um populista-conservador, despreparado e belicoso. Incapaz de livrar-nos do Centrão e do governo obeso? 


Adão -   Eva, a situação está tão caótica que  nem os futurólogos profissionais, com as suas modernas bolas de cristal, sabem prever o que vem pela frente. Quando muito eles desenham cenários alternativos, mas deixam a  cada um fazer a sua aposta. Vou apresentar-lhe  algumas e você exercerá a sua opção. Antes de mais nada, enfatizo que, para mim ,  o grande desafio é uma revolução cultural do povo brasileiro. A causa das causas reside em uma cultura populista-socialista. A estabilidade política, a qualidade dos três poderes, dependem dos eleitores repudiarem esta crença. Só assim melhoraremos o nível de governança. Sem uma mudança  cultural dos eleitores, o Brasil nunca será o decantado país do futuro. Os políticos são o espelho do povo que representam. Se não mudar as ideias do povo, continuaremos  reféns  de uma classe política com viés populista-socialista, uma máquina de governo que administra em benefício próprio, e uma insegurança jurídica absoluta. A saída desta armadilha deveria ser pelas eleições. Neste momento as possibilidades são negativas, analisemos  os modelos disponíveis para as próximas eleições:

1 -  modelo populista-socialista , com a eleição de um Lulla, o que deverá nos enquadrar na situação de cada dia pior, sem perspectiva de melhoras. Seria um presidente manchado pela corrupção e formação de quadrilha. Culturalmente, um desastre!

2 -  modelo populista-conservador, reeleição do Bolsonaro, será mais do mesmo que já temos. Não entregou o choque cultural com as prometidas reformas: a política, a administrativa e a desestatização de cem por cento das estatais - para desamarrar as travas ao desenvolvimento. Não tem competência, visão, liderança, para reformar o país . Sem esta,  repetiremos o erro do governo Macri, fraco, mas melhor do que o de Bolsonaro, que devolveu o governo ao peronismo por não atacar o essencial que é mudar as perspectivas dos eleitores. Será um governo remendo, não uma promessa de estabilidade política. Nada mais do que um remendo!

3 -  modelo Temer, a chamada terceira via dificilmente vencerá as eleições e se vencer será um governo  moderado, sem grandes avanços , mas sem nenhum desastre. Será a manutenção do país no subdesenvolvimento. O Centrão continuará dando as cartas para viabilizar o “ governo de coalizão”.  

4 - modelo chileno/Chinês ou o venezuelano seria consequente de um golpe ou contragolpe, tema do momento. Estes modelos  de ditadura tem duas variantes: com ou sem liberdade econômica . Os ditadores, por natureza, por cacoete, tendem a intervir no livre funcionamento dos mercados. No Chile, uma exceção, Pinochet não interviu; na China, Xi faz  incursões episódicas, quando sente-se ameaçado; e na Venezuela, a economia, semi-estatizada,  foi entregue aos militares, que dão sustentação ao governo.  Nestes modelos o risco é enorme. A democracia é, a longo prazo, a melhor defesa da economia de mercado. E só a economia de mercado  pode tirar o Brasil da miséria, do desemprego e da desesperança. O risco é sério, pois os ditadores  são por índole intervencionistas e nada democráticos.  Se for uma ditadura militar, o risco será ainda maior. Deixarão de ser a garantia da Constituição. Os seis mil militares, já no governo, e outros que virão para dar suporte à ditadura, não abrirão mão das benesses gratuitamente. Neste modelo,  estaríamos   no pior dos mundos! 


Eva,  a desejada estabilidade política  e desenvolvimento são projetos para uma geração. E isto depende da sociedade repudiar o populismo-socializante, que hoje permeia a alma coletiva. Com essas alternativas que vimos, tudo dá razão ao pessimismo. Afinal, Eva, como os modernos futurólogos, só ofereço alternativas, mas a escolha é sua. O avanço da ciência está sendo insuficiente para prever o futuro. Estamos, outra vez, dependentes das  bolas de cristal. A nossa insatisfação e a tranquilidade continuam  dependendo menos da ciência e mais da estamina para suportar os dias angustiantes que enfrentaremos. Talvez o amadurecimento cultural que nos falta surgirá da descoberta de que a mãe de nossos males foi ter comido o fruto proibido da árvore do populismo-socializante. Agora teremos que comer o pão que o diabo amassou,  até purgar os nossos pecados. Enquanto isto, vamos comendo o fruto proibido!


 São Paulo, 26 de agosto de 2021.

Jorge Wilson Simeira Jacob




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segunda-feira, 23 de agosto de 2021

 Turbulência.


O comandante da aeronave avisa aos passageiros: estamos entrando em zona de forte turbulência, retornem aos seus assentos e afivelem os cintos. Os serviços de bordo estão suspensos. Os experimentados em voos sabem que turbulência não apresenta grande risco. Só algum desconforto, que, na  maioria das vezes,  são pequenos, passageiros ou até mesmo não acontecem. Um outro tipo de aviso, o do calendário político,  sinaliza a abertura da disputa eleitoral. São dois comunicados chamando  para um momento de atenção. Neste último, ninguém alerta o cidadão das turbulências eleiçoeiras * e dos previsíveis  desconfortos da temporada de caça dos eleitores, onde vale tudo. E o clima das disputas entre os candidatos vai aquecendo a cada etapa. Ataques e contra-ataques fazem parte do processo. De um lado, os  detentores do poder, candidatos à reeleição ou à novas posições,  qualificam-se exibindo as suas realizações e, para desqualificar os adversários, despertam  os fantasmas que estão adormecidos em nossas almas. Gritam como Louis XV para assustar os franceses: après moi, le déluge! ** 


Os opositores, não deixam por menos. Apontam as falhas reais e fantasiosas dos governantes. Prometem mundos e fundos. A imaginação só pára nos limites dos   desejos e da credulidade do eleitorado. Os candidatos, apresentando-se como  virtuosos e heróicos , os únicos com condições de nos livrar do dilúvio. O clima de terror, jogado em cima da sociedade,  cresce na medida em que, ao aproximar-se a eleição, aumenta  o risco da perda da posição desejada. Imaginemos, como comparação,  o ânimo dos passageiros se, ao lado da mensagem tranquilizadora do comandante, houvesse outra voz avisando: comecem a rezar, este comandante é um incompetente, desonesto, um ladrão… O  avião está avariado, sem combustível, há fogo nas turbinas, estamos voando em baixa altitude e a queda é inevitável. Rezem! Salve-se quem puder! 

Haja  coração para suportar esta  emoção!



A força do medo no ser humano é preponderante. Nada mexe mais conosco do que este sentimento. Jogando  com esse fato, nenhum candidato apresenta um  programa com pé e cabeça. O jogo é jogado no campo emocional. E o medo é tido como a mais eficaz das jogadas. Tudo bem se o medo  não fosse um mal conselheiro, justamente por sobrepor as emoções à razão. O pavor dos passageiros daquele voo e dos eleitores os tornam vítimas da insegurança e do desespero. Não importa quantas campanhas eleitorais vivenciamos, o medo não deixa de ser o mais forte instrumento de captar ou afastar os eleitores. Não há vacina para inocular os cidadãos contra a astúcia dos políticos em campanha. Sofremos e sempre estaremos em clima de ansiedade nas vésperas das eleições. Os nossos receios manifestam-se no valor da moeda, na limitação dos investimentos, na radicalização das nossas posições, enfim no medo do futuro.


Senhores apertem os cintos…estamos em plena campanha eleitoral. Não se deixem tomar pelas emoções. Os concorrentes aos cargos vão pintar em cores tristes o passado,  o presente e o futuro. Tudo, segundo eles,  está ou estará perdido, dependendo de quem disputa o seu voto. Neste momento crítico, em que os nervos veem à flor da pele, tomem os seus assentos, apertem os cintos, respirem fundo, mas, sobretudo, mantenham a calma. Depois da turbulência eleitoral, estaremos voando em céu de brigadeiro, sem ventos, sem nuvens , azul…Acabada a temporada de caça aos votos, os perdedores saem  de cena com os seus raios e trovões e os vencedores vão aparecer como tranquilizadores de todos os  passageiros, os que nele votaram ou não. E assim prosseguirá o nosso voo até que nas próximas eleições venhamos novamente a ser manipulados pelos profissionais da política.


Mas, na turbulência das eleições, rezem, pois nas mãos de qualquer um dos nossos políticos  a aeronave corre grande perigo, sendo  o maior deles cair nas mãos dos que se apresentam como donos das  almas mais puras do mundo.


  •  Eleiçoeiro é o verbete referente às eleições . Eleitoreiro,  aos eleitores. Não confundir.
  • Expressão atribuída ao Luiz XV, da França, significando o fim do mundo, o dilúvio.



São Paulo, 24 de agosto de 2021.

Jorge Wilson Simeira Jacob



Este blog respeita o seu tempo. Por favor, caso não tenha interesse em receber estas reflexões, solicite a exclusão pelo e-mail jwsjbr@gmail.com . Basta digitar a palavra NÃO. 


 



CONTRAPONTO


Caros leitores deste blog


Pela importância do texto do escritor, jornalista, político, ex-  senador Irapuan, faço uma exceção de só publicar aqui pequenos ensaios.  Transcrevo  cinco artigos publicados no Jornal Opção de Goiás, que  fazem uma analise competente dos males, que ao longo da historia, acometeram a nossa Nação. Escrito com elegância, ponderação e sobretudo com competência é uma síntese indispensável de ser lido por aqueles que exigem saber  as causas, os seus desdobramentos e  não limitar-se a uma visão limitada. Acredito estar oferecendo aos leitores algo valioso. Espero que leiam!


Jorge Wilson Simeira Jacob





            10 MOTIVOS DE NOSSO ATRASO EM COMPARAÇÃO COM OS EUA


O escritor, diplomata e acadêmico Clodomir Vianna Moog (1906-1988), autor de bons romances, como Um Rio Imita o Reno e Uma Jangada para Ulisses, escreveu em 1954 também um tratado social, denominado Bandeirantes e Pioneiros, uma tentativa de explicar o descompasso entre os desenvolvimentos norte-americano e brasileiro. É um clássico de nossa literatura – ainda pretendo comentá-lo aqui -, e traz à discussão razões interessantes, embora esteja, em boa parte, ultrapassado, pelo desenvolvimento científico e tecnológico, que ilumina mais a evolução dos povos, permitindo melhor sua compreensão. Afinal, já se passaram quase setenta anos desde o lançamento do livro. Digo isso para lançar à discussão os dez temas abaixo, que ao menos em aparência nos colocam em desvantagem econômica e social com os EUA. Fica para o leitor interessado no assunto desenvolvê-los, criticá-los e lançar novos temas. Embora tenhamos nossas vantagens, por que estamos em atraso quando comparados com os norte-americanos, se eles são mais novos em quase um século de história? Eu discutiria atualmente os seguintes campos: 1-Educação; 2-Justiça; 3-Estatismo; 4-Segurança; 5-Funcionalismo; 6-Liberdade; 7-Infraestrutura; 8-Drogas; 9-Establishment de esquerda; 10-Corporativismo legislativo. Comecemos, pois, com algumas considerações, resumos na verdade, para que caibam em um artigo como este:

1 – Educação: A julgar pelas agências internacionais de avaliação do ensino, e que dificilmente podem ser contestadas, nossas escolas estão a pedir, urgentemente, uma completa reformulação. No ensino primário e no médio, estamos entre os últimos do mundo em qualidade e aproveitamento, com altíssimo nível de evasão e produzindo analfabetos funcionais. Comparando, enquanto nos EUA o ensino é valorizado e voltado, de início, para o desenvolvimento do raciocínio, para atividades práticas, para o aprendizado de matemática, inglês e história, e com esta o conhecimento dos valores morais e de convivência social, no Brasil não há uma valoração da carreira do magistério, os currículos são sobrecarregados com matérias que poderiam ser eletivas, foram contaminados com a ideologia e há um descaso com o ensino do que antes chamávamos “moral e cívica”. As universidades dos EUA são pagas, professores e dirigentes são escolhidos pela excelência intelectual, alunos pela aptidão pelo aprendizado. Vai para a universidade quem quer aprender e ser um bom profissional de mercado ou cientista de renome. No Brasil há o ensino universitário gratuito, a atribuição de “quotas para minorias”, professores não precisam demonstrar excelência em seus campos, com poucas exceções, principalmente nas universidades públicas, mas pertencer ao establishment esquerdista; dirigentes são escolhidos demagogicamente pelos corpos funcional, discente e docente. Há um super-emprego (90% das verbas universitárias vão para salários). Pelo menos a metade dos estudantes vai para a universidade porque quer um diploma ou um emprego público. As posições de nossas universidades no ranking mundial são vergonhosas. Como resultado, temos formado cidadãos menos preparados para o convívio social, menos aptos para escolher pelo voto seus dirigentes, menos atentos aos recursos públicos e seu emprego, mais tolerantes com a corrupção, além de profissionais menos qualificados.

2 – Justiça: Não há como negar que a justiça brasileira, se comparada à norte-americana é: a) mais lenta; b) mais complacente, e por isso pouco eficiente; c) menos fiscalizada e por isso, algumas vezes, menos correta. Isto se deve às estruturas judicantes diferentes entre os dois países. Aqui, o juiz se pauta pelo direito romano, pelo chamado direito civil, e age pelo texto das leis escritas e codificadas. Como se diz comumente, “se guia pelos autos, neles fala e por eles julga”. Sua base de atuação são os documentos escritos, as manifestações em papel das partes, maçudas, frias e no mais das vezes confusas. Nos EUA, o juiz segue o direito anglo-saxão, o chamado direito comum, baseado nos costumes e na jurisprudência. A oralidade é a base dos processos. Advogados e promotores discutem entre si, buscam a convergência, discutem-na com o juiz, que a aceita ou exige que a aprimorem, e dá sua sentença. É enorme a diferença de atuação. Daí a lentidão da justiça brasileira. Enquanto nossos juízes devem julgar quase todos os processos, nos EUA apenas cerca de 5% deles são objeto de julgamento exclusivo do juiz. Os 95% chegam até ele já acordados entre as partes e aceitos pelo réu. O juiz terá eliminado suas dúvidas nas conversas que teve com advogados e promotores, no mais das vezes em conjunto. Aqui há uma prevenção quanto a essas oralidades, existindo juízes que não conversam com advogados e recentemente ter sido julgado suspeito pela Suprema Corte um juiz que dialogava com promotores. Enquanto um processo, por mais intrincado que seja, nos EUA se resolva no máximo em cinco anos, aqui temos processos se arrastando por muitas décadas, e só julgados após a morte das partes. E a oralidade esclarece mais o juiz e dá mais segurança ao julgamento.  

Daí também a leniência. As leis escritas brasileiras muitas vezes parecem proteger o criminoso e não a sociedade, e na falta delas o juiz absorveu essa complacência no exarar suas sentenças. Nossas leis contemplam reduções de pena, prescrições de crimes e atenuação de regimes que o sistema norte-americano desconhece. Um pequeno exemplo: nos EUA crimes de morte não prescrevem. No Brasil, são prescritos em vinte anos. Nossos juízes adotam medidas que chegam às raias da temeridade, pois seguem as leis, e prescrevem no mais das vezes as penas mínimas, dado a exigência de uma política de direitos humanos que se consolidou nas últimas décadas. Isso ocorre em todos os níveis: desde as comuns audiências de custódia até as medidas da Suprema Corte, como a que proibiu recentemente ações policiais nas comunidades cariocas durante a pandemia. Como resultado, temos nas ruas uma legião de criminosos que soltos, estão novamente delinquindo, e isso vale para os traficantes de droga, para os assassinos em série como o recente Lázaro Barbosa e para os políticos graúdos que além de tudo, pagam com nosso dinheiro seus caríssimos advogados. Finalmente, falemos da fiscalização da atividade judicial. Há uma imensa diferença entre a nomeação e o acompanhamento de um juiz aqui e nos EUA. O juiz brasileiro presta um concurso, é nomeado, dois anos depois é estável, vitalício, e só é fiscalizado pelo Conselho Nacional da Magistratura, que não tem como estender a todo o judiciário uma ação fiscalizatória. Além disso, se um juiz age com má fé ou desonestidade e isso é comprovado, a pena para ele é uma aposentadoria com salário integral (que não é pequeno). É da lei. Nos EUA, a nomeação de juízes varia de estado para estado, segundo as constituições locais. Mas de uma maneira geral, juízes são eleitos pela população por um período que varia conforme a unidade federada (cinco anos, na média), embora exista a reeleição. Juízes são avaliados por comissões em que costumam estar presentes outros juízes, advogados e cidadãos comuns. Como existem muitas variações entre as legislações estaduais, tome o leitor as presentes considerações como medianas, nos EUA. Mas, de qualquer forma, mostram as diferenças, que nos são amplamente desfavoráveis.

Discutiremos na sequência os outros temas. Mas na aparência, nossa atuação em todas essas áreas, tal como andam as coisas, se não mais nos afasta dos norte-americanos no desenvolver nossa pátria, também não é de molde a promover nossa aproximação.

 

Irapuan Costa Junior                         22 de julho de 2021


CONTRAPONTO

Ainda as 10 Razões da Diferença entre os EUA e o Brasil

 

Apresentamos aqui, na semana passada, uma lista de setores em que nos colocamos em desvantagem em relação aos Estados Unidos da América, o que, ao menos em tese, explicaria porque não conseguimos diminuir o desnível entre nosso desenvolvimento econômico e o deles. Em tese, repito, pois outras razões podem vir à discussão. Listamos: 1) Educação; 2) Justiça; 3) Estatismo; 4) Segurança; 5) Funcionalismo; 6) Liberdade; 7) Infraestrutura; 8) Drogas; 9) Establishment Esquerdista; 10) Corporativismo Legislativo. Discutimos as duas primeiras na semana passada. Prossigamos:

O Estatismo: As nações latino-americanas são pródigas em empresas estatais, o que se explica não só pela cultura, como também pelo baixo estoque de capital privado presente quando os países mais ricos se industrializaram. Isso fez que os estados assumissem o papel de investidores em setores que não lhes diziam respeito, desejosos de substituir importações acelerar a industrialização. Essa política nacionalista foi adotada entre nós até final do regime militar de 1964-1985. Os resultados, com poucas exceções, principalmente aquelas das empresas posteriormente privatizadas (Embraer, Vale do Rio Doce etc.), não foram os melhores. Empresas estatais têm sido sinônimo de corporativismo, abuso, desperdício, corrupção e em consequência, custos elevados para a sociedade. Fundos de pensão, alimentados muitas vezes com dinheiro público, garantem aposentadorias privilegiadas aos funcionários dessas empresas, por um lado, e por outro são alvos de avanços da corrupção. O melhor exemplo é o da Petrobrás, que comparada a uma empresa privada americana do mesmo porte, como a Exxon, mostra que tem três vezes o número de funcionários que esta, funcionários estes dotados de uma série de regalias inexplicáveis, com remuneração muito acima da que contempla os funcionários da indústria privada brasileira. Serviços que a Petrobrás contrata, em geral os remunera acima do mercado privado, e quanto a corrupção, basta ver o ocorrido nos governos petistas. Como a Petrobrás é monopolista, a sociedade é obrigada a engolir os preços que pratica, e com eles os custos inflados. No setor elétrico, por muitos anos totalmente estatal, algo semelhante ocorria. Ainda parcialmente estatizado, o setor prepara-se para libertar a sociedade brasileira das distorções, com a venda da Eletrobrás. Mas ainda estão com os brasileiros as lembranças da corrupção em Furnas e Nuclebrás, por exemplo. O setor financeiro ainda é pesadamente estatal. O governo federal controla Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Banco da Amazonia, Banco do Nordeste e Banco Regional de Brasília. Já foi pior. O Banco Central, nas décadas de 1980 e 1990 promoveu a liquidação dos bancos estaduais, fonte de prejuízo, apadrinhamento e corrupção nos estados. Hoje, o Brasil é um dos países de maior concentração bancária do mundo (só perde para a Holanda), com cinco bancos detendo mais de 80% dos depósitos. Desses cinco, dois são públicos, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Nos EUA, os cinco maiores bancos, todos privados, não detêm 40% dos depósitos. Essa política de leniência, quase subserviência do Banco Central com os grandes bancos tem resultado em juros e taxas altas para os tomadores e péssimos serviços, principalmente para as pessoas físicas. Mencionamos esses três setores, petrolífero, elétrico e financeiro, bem representativos dos desmandos da estatização, mas em outros setores da economia as coisas são muito semelhantes, aqui no Brasil. Já nos EUA o setor petrolífero é totalmente privado, o setor elétrico térmico (90% da matriz energética de lá) também, sendo estatais apenas as usinas hidrelétricas consideradas estratégicas. O setor financeiro também é privado. E num banco privado nunca ocorreria o que se passou com o BNDES, como quando “emprestou” 1 bilhão de dólares para Cuba construir o porto de Mariel, no governo Dilma, sabendo-se que a ditadura local nunca pagaria um tostão, por não ter recursos sequer para comprar alimentos. A despeito disso, o “empréstimo” correu toda a tramitação dentro do banco, teve todos os pareceres técnicos emitidos, aprovação da diretoria etc., até a liberação dos recursos. Técnicos do BNDES ganham em média 30 mil reais mensais (dez vezes o que ganha um bancário de banco privado), e há salários de até 76 mil reais, segundo levantamento do jornalista brasiliense Claudio Humberto. Coisas da estatização.

A Segurança: Embora a criminalidade venha caindo nos últimos três anos, a Segurança Pública ainda é, em conjunto com Educação e Saúde, um dos maiores problemas sociais que enfrentamos. Pode-se dizer, sem medo de errar, que na raiz da violência urbana, responsável pelo maior número de assassinatos, assaltos, roubos e furtos, está o tráfico de drogas. Os policiais sabem disso. Tomando como índice a taxa de homicídios, temos no Brasil, pelos dados consolidados mais recentes, cerca de 23 assassinatos anuais por 100 mil habitantes, enquanto nos EUA esse número está abaixo de 5. Inegavelmente, uma situação espantosamente desvantajosa. É verdade que há números muito piores que os nossos, principalmente na América Central (A taxa de El Salvador é 108 e de Honduras, 64), mas nossa comparação é com os EUA. O que explica essa diferença, levando em conta que nos EUA é também alto o consumo de drogas? A explicação está na conjunção de dois fatores, um externo e um interno, uma combinação explosiva, que cria um caldo de cultura absolutamente favorável à criminalidade. Vamos ao fator externo: por um infortúnio, temos em nossas fronteiras os maiores produtores mundiais de drogas: Colômbia, Peru, Bolívia (cocaína) e Paraguai (maconha). O infortúnio cresce na medida em que essas drogas, para a exportação para os EUA (maior consumidor mundial) e Europa, devem atravessar o território brasileiro. E pior anda, nos últimos anos, o governo boliviano (e bolivariano) de Evo Morales, vendo que o tráfico de cocaína era rendoso e atingia os EUA, incentivou enormemente o plantio da coca, em regiões fronteiriças nossas, fazendo com que o produto boliviano passasse a ser o mais exportado (e consumido) por via brasileira. O fator interno está numa política de Segurança Pública totalmente equivocado implantado nos últimos 30 anos, somando vários fatores, todos favoráveis ao aumento da criminalidade: A) Desestímulo policial por política distorcida de direitos humanos; B) Leniência penal por parte do Legislativo e do Judiciário; C) Afrouxamento do sistema prisional; D) Desarmamento da população sem uma mínima contrapartida no combate ao tráfico de armas para a criminalidade. Essa conjunção, e o fato de o narcotráfico movimentar imensas somas de dinheiro acabaram por propiciar o surgimento de duas organizações criminosas, o Comando Vermelho (CV), no Rio de Janeiro e o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo. As duas facções acabaram por estabelecer suas filiais nos estados que se situam na trajetória do tráfico, e mesmo nos países vizinhos; disputam entre si cada ponto de venda interno e cada comprador externo. É uma guerra constante, sem quartel, e que teve seguimento com o comando interno dos presídios, onde também há disputa. Observe-se que os EUA não têm grandes produtores de droga em suas fronteiras, têm uma polícia respeitada e valorizada, ali as leis são rigorosas e as penas duras, além cumpridas na integralidade, com poucas reduções. Nas prisões não existem “furos” por onde possam entrar drogas, armas e celulares e onde presidiários não influem, além da população norte-americana ser uma das mais armadas do mundo. Não coincidentemente, enquanto existem nos EUA cerca de 700 presos por 100 mil habitantes, no Brasil essa taxa é a metade. E os nossos “progressistas” vivem pregando um desencarceramento, alegando que o Brasil prende demais, como se já não tivéssemos bandidos perigosos em número elevado soltos em nossas ruas. Não coincidentemente, também, mata-se cinco vezes mais, no Brasil, que nos EUA.

Prosseguiremos, oportunamente, com esse exame comparativo.

Irapuan Costa Junior                     29 de julho de 2021


CONTRAPONTO

Dez razões pelas quais mantemos nossa diferença dos EUA em desenvolvimento (Parte 3)

Estávamos dizendo, em artigos anteriores, que muitas razões persistiam, impeditivas de nossa aproximação, em desenvolvimento econômico e social, com os Estados Unidos. Entre elas: 1) Educação; 2) Justiça; 3) Estatismo; 4) Segurança; 5) Funcionalismo; 6) Liberdade; 7) Infraestrutura; 8) Drogas; 9) Establishment Esquerdista; 10) Corporativismo Legislativo. Abordamos as quatro primeiras questões nas semanas passadas. Prossigamos:

Funcionalismo: O funcionalismo público, principalmente o federal, soube se consolidar no Brasil como uma casta, ao longo dos anos, graças ao poder de pressão que deteve sobre os poderes da República. Por que uma casta? Porque, de uma maneira geral detém privilégios inamovíveis (como a estabilidade conferida pela Constituição de 1988); salvo as honrosas exceções de sempre não presta um serviço de excelência; e custa caro ao pagador de impostos, vale dizer, à sociedade. O julgamento que os entendidos fazem do funcionalismo público brasileiro é bastante severo, mas é preciso que se faça justiça: Nos três níveis de governo, as distorções maiores estão na esfera federal – e entre os poderes. Os servidores públicos estaduais e municipais ganham menos, mas são em geral mais dedicados e corteses que seus colegas federais, que costumam ser mais distantes no trato com o público. Comparados com os EUA, gastamos 50% a mais que eles com o funcionalismo, em termos de porcentagem do PIB - Produto Interno Bruto. Dispendemos cerca de 13,5% do PIB, enquanto os EUA gastam cerca de 9% com seus funcionários públicos. É uma diferença apreciável em um orçamento, e significa que os EUA ganham com esse quesito, e proporcionalmente, margem maior de investimento do que nós. Não podemos nos esquecer que o funcionário público federal, no Brasil ganha em média quase o dobro do que ganha um funcionário equivalente na iniciativa privada, uma distorção bastante grande. Se particularizarmos, vamos encontrar diferenças ainda mais significativas na comparação com os EUA. Por exemplo: com o poder judiciário, gastamos cerca de 1,3% do PIB. Os EUA gastam quase dez vezes menos (0,14% do PIB), com uma justiça muito mais ágil.  

Liberdade: A excessiva interferência dos governos no dia a dia do cidadão tolhe sua iniciativa, dificulta seu desempenho e inibe o que se chama livre iniciativa, a ação que o americano chama de “fazer dinheiro”, mais do que ganhar dinheiro, isto é, empreender, criar empregos, pagar impostos, gerar lucros. Criar desenvolvimento, enfim. Quem desejar abrir uma empresa no Brasil precisará de muita energia e bastante paciência. Segundo o Banco Mundial, o Brasil é um dos países mais burocráticos do mundo quando se trata do empreendimento. Segundo a organização Endeavor, no Brasil desde 2000, prestando assistência a empreendedores, aqui, o tempo médio para abrir uma empresa é de 80 dias (com otimismo), não passando de 6 dias nos EUA. A razão dessa desanimadora diferença está nas complicações burocráticas, no número de documentos exigidos, na diversidade dos órgãos licenciadores (Receita, Junta Comercial, Estado, Prefeitura etc.), e na falta de clareza presente em muitos órgãos. Registrada a empresa, é necessário que o empresário brasileiro cumpra suas obrigações fiscais e trabalhistas, o que representa um verdadeiro calvário, que além de sofrido é dispendioso. O Banco Mundial estima em 2.000 horas o tempo médio dispendido por uma empresa brasileira para cumprir anualmente suas obrigações fiscais. Ficar em dia com as por vezes absurdas exigências do Governo exige trabalho e dinheiro. Nunca tente o leitor administrar uma empresa sem um bom advogado e um ótimo contador, e mesmo que o faça, estará sujeito a alguma multa por uma divergência de interpretação. Para dar um exemplo apenas a legislação de um dos vários impostos pagos pelas empresas (ICMS) foi modificada, em quatro anos, quase 600 vezes, o que dá uma mudança a cada 3 dias. E se a operação for inversa – fechar uma empresa – não pense o leitor em facilidades. O processo burocrático é de igual complicação. Um nosso conhecido tenta há anos fechar uma empresa e encontra enorme dificuldade pelo fato de um sócio ter falecido e ter tido seu CPF cancelado. O processo de fechamento é tão absurdo, que empresários preferem deixar a empresa aberta, sem atividade, a enfrentar a burocracia do fechamento. Existem no Brasil mais de 3,5 milhões de empresas nesse estado, segundo a Endeavor. Seriam os CNPJ “zumbis”. Ainda segundo a organização, o processo fiscal brasileiro é tão complicado que 80% das empresas, por mais atentas que sejam ao pagamento de seus impostos, sempre terão uma desavença com a Receita. Evidentemente, esse emaranhado legal, totalmente desarrazoado, prejudicial ao desenvolvimento do país, inexiste nos EUA. Sem falar que a carga tributária nossa está em 35% do PIB enquanto nos EUA está em 26%. E pasme o leitor: o único esforço feito nas últimas décadas para modificar esse estado de coisas foi no governo João Batista Figueiredo, quando se criou um Ministério da Desburocratização (em 1979), entregue a um técnico competente de então, o ministro Hélio Beltrão. Enquanto existiu, o Ministério conseguiu alguns avanços importantes. O que aconteceu com ele? Foi extinto por Fernando Henrique Cardoso quando assumiu a Presidência. Como bom “socialista”, achava que o poder do Estado estava sendo ameaçado pelas medidas anti-burocráticas! E alguma coisa boa ficou, como o Estatuto da Microempresa e o Juizado de Pequenas Causas. O horrível “reconhecimento de firma”, que havia caído com Beltrão, acabou voltando e nos azucrina até hoje. Mas não é apenas sobre os empresários que caem as complicações de um estado voraz e burocrático, algo que apenas as esquerdas toleram sem resmungos. O cidadão comum que necessita de um documento, seja ele uma carteira de identidade ou habilitação, um passaporte, um alvará de licença para construção de uma casinha – ou seu habite-se – ou ainda a licença de um veículo, sabe que terá de cultivar a paciência. Se necessita de algo ligado ao meio ambiente, outro tanto. Com a histeria quanto às armas, obra de trinta anos de tentativa de controle social, então nem se fala. Um atleta de tiro – modalidade olímpica, diga-se de passagem -, mesmo com o esforço de desburocratização do atual governo, tem um calvário pela frente se deseja comprar uma arma esportiva, efetuar seu treinamento e participar de competições. Necessita de um Certificado de Registro no Exército, exames de aptidão e psicológico, curso de tiro, licença especiais para compra das armas e munições. Se deseja importar uma arma, o processo nunca demora menos que um ano. E ainda há que se sujeitar ao monopólio da fabricação de munições no Brasil, proteção que uma empresa mantém por anos sob a enganosa alegação de ser estratégica. É bem verdade que a nível estadual tentou-se – e se conseguiu -, com a criação do Vapt-Vupt em Goiás, em 1999, uma diminuição da burocracia, pela integração dos órgãos emissores de documentos pessoais. Foi um avanço. Mas estamos anos-luz atrás dos EUA, com seu governo menos presente e interferindo pouco na vida, na produção e na paciência dos cidadãos. Liberdade para empreender, para trabalhar, para o lazer, para se defender, para viver, é lema dos americanos. O nosso, continua a ser pedir a benção do governo para se fazer qualquer coisa.

 

Irapuan Costa Junior                      05 de agosto de 2021


CONTRAPONTO

Ainda a diferença de desenvolvimento entre Brasil e EUA (Parte 4)

 

Relembrando, os dez campos de atuação por nós listados como responsáveis (entre outros) pela manutenção do desnível econômico e social existente entre nós e os irmãos do norte, eram: 1) Educação; 2) Justiça; 3) Estatismo; 4) Segurança; 5) Funcionalismo; 6) Liberdade – que já discutimos – e mais: 7) Infraestrutura; 8) Drogas; - que discutiremos a seguir – e finalmente 9) Establishment Esquerdista; 10) Corporativismo Legislativo – que ficam para a próxima semana.

Infraestrutura – O livro que mencionamos no primeiro artigo desta série, Bandeirantes e Pioneiros, de Vianna Moog, aborda ampla e comparativamente as duas culturas, a brasileira e a americana, e examina, principalmente em seus primórdios, as vantagens dos nortistas sobre nós. Ele menciona o que poderíamos chamar de “infraestrutura natural”, os rios amplamente navegáveis, que os colonizadores encontraram no território estadunidense, e que facilitaram sobremaneira sua penetração. Facilidades que não tiveram aqui os bandeirantes, nem temos hoje, pois a navegabilidade de nossos grandes rios, principalmente nas regiões mais propensas à ocupação (no sul e sudeste), nunca foi extensa. Nos EUA, o Mississipi integra o território por mais de 3.500 km (mais de 6.000 km se contarmos com seu afluente, o Missouri), e os rios navegáveis se contam às dezenas (Potomac, Delaware, Hudson, Ohio etc.). Já nossos principais rios são, na grande maioria, encachoeirados, como o São Francisco, que tem a cachoeira de Paulo Afonso já a 250 km da foz, ou o Paraná, com a cachoeira de Sete Quedas. A mesma dificuldade de penetração por terra, tiveram nossos bandeirantes, encontrando, a 30 km da costa as serras do Mar, Geral e da Mantiqueira, enquanto nos EUA as planícies se estendiam por 300 km a partir do Atlântico, antes dos contrafortes dos Apalaches ou dos Alleghenies, facilitando a penetração dos pioneiros. Na implantação de sua estrutura viária, souberam os EUA construir uma rede ferroviária excelente, integrando todo o território nacional e as redes fluviais de transporte, com resultante numa malha de escoamento de mercadorias e passageiros sem igual no mundo em custo, eficiência, rapidez e alcance, enquanto optávamos pelo transporte rodoviário. Basta uma comparação para avaliarmos nossa desvantagem nesse quesito: Temos cerca de 30.000 km de ferrovias. Os EUA detêm quase 300.000 km. Transportamos por trem cerca de 15% de nossas mercadorias. Os EUA transportam quase 50%. E a despeito de termos optado pelo transporte rodoviário de cargas e passageiros, e a despeito ainda da extensão territorial e da população serem da mesma ordem de grandeza, também perdemos longe para os EUA no que respeita à malha rodoviária: temos menos de 2 milhões de quilômetros de rodovias (menos de 10% pavimentadas) enquanto os EUA têm mais de 6 milhões (mais de 50% pavimentadas). Mais um dado, para mostrar nosso estrangulamento relativo aos EUA: eles possuem uma extensão hidroviária de 40.000 km, maior que nossa rede rodoviária. Nem precisamos falar do transporte aéreo, para evidenciar ainda mais as dificuldades que teremos para alcançar os EUA num futuro ainda distante. Um número diz bastante: o aeroporto de Atlanta, capital da Georgia, nos EUA, tem, sozinho, o movimento anual que têm todos os aeroportos brasileiros juntos: cerca de 110 milhões de passageiros.  

Drogas: Tudo o que dissemos em artigo anterior sobre Segurança Pública, nos comparando aos EUA, serve para esse comentário sobre a influência das drogas em nosso desenvolvimento, principalmente se mesclarmos a Educação no assunto. Os Estados Unidos não têm os maiores produtores mundiais de drogas em suas fronteiras e não são rotas de passagem para o tráfico de exportação. Não permitem o florescimento do crime organizado, pois ao contrário do que acontece aqui, a Polícia tem todo apoio para combater energicamente a criminalidade, a Justiça não é leniente como a nossa e as ONGs de direitos humanos conhecem seu lugar. Além disso, a população, educada e conscientizada para a importância que tem no auxiliar as autoridades a combater o crime, é muito mais alerta contra os maus políticos, que favorecem a marginalidade e a imprensa de esquerda, que faz com eles um nefasto compadrio. Até porque nos EUA, embora também existam muitos jornalistas de esquerda, são lá muito mais comedidos que os nossos, e menos propensos às distorções ideológicas, coisa de que os nossos usam e abusam. A população armada também é um freio para que os bandidos ligados ao comércio de drogas ampliem sua atuação para outras áreas, como assaltos a bancos e transportadoras de cargas, roubo de veículos e assalto a residências ou transeuntes, o que abunda por aqui. É impensável nos EUA o domínio de um presídio por uma facção criminosa, o que é regra em nossas prisões. A permissividade judicial somada aos privilégios abusivos dos maus advogados, principalmente, embora não se possa descartar de plano certa corrupção em meio ao corpo funcional prisional, faz nossos presídios permeáveis à entrada de drogas, armas e celulares. Não admira que certos crimes sejam comandados de dentro das prisões. Mas há uma pergunta importante: Com tudo isso não estão os EUA entre os maiores consumidores de droga do mundo? É certo que estão. São os maiores consumidores de maconha, droga usada principalmente entre os jovens, e presente em todo o extenso meio universitário americano. E de cocaína, droga mais elitista, dos que têm maior poder aquisitivo. No Brasil, estima-se que 2,6% da população seja usuária de maconha, enquanto nos EUA esse percentual vai a 16,2% (segundo a ONU). Quanto à cocaína, segundo um estudo da Universidade Federal de São Paulo, esse percentual é bem próximo nos dois países, sendo 13% no Brasil e 12% nos EUA. Em volume, evidentemente, dado a população bem maior dos EUA, o tráfico americano é também maior. E surge outra pergunta: por que o tráfico nos EUA não é visível como no Brasil? Onde estão os cartéis? Por que não há as guerras de facções, que no Brasil causam dezenas de milhares de mortes todos os anos? E por que não existem tantos assaltos a bancos, roubos de carga, assaltos a residências e transeuntes? Por que não há tantas drogas no interior dos presídios? Por que não há enfim, tantos crimes violentos a perturbar o trabalho e o desenvolvimento da nação, no seu dia a dia, como acontece aqui? A resposta vem numa palavra: impunidade. Os traficantes e usuários nos EUA constituem uma rede pacífica, discreta, silenciosa. Sabem que não podem aparecer, pois a descoberta significa longos períodos na prisão. Artistas não fazem propaganda aberta das drogas, pois teriam que prestar contas à Justiça. Polícia, justiça e presídio são duros, sem condescendência com o crime. Aqui, a polícia prende, a justiça solta e nos presídios comanda o tráfico, com poucas exceções. Nos EUA é impensável a Suprema Corte proibir uma ação policial, como fez aqui o Supremo com a polícia nas favelas durante a pandemia. Áreas dominadas pelo tráfico é algo que sequer passa pela imaginação deles. E uma Cracolândia, então? Tente contar a um americano da gema que temos, no centro da maior cidade brasileira uma área onde os traficantes agem livremente, sob o olhar complacente do prefeito e do governador, vale dizer da polícia, onde o consumo se faz à vista de todos, com auxílio de ONGs de Direitos Humanos e da esquerda da Igreja Católica protegendo traficantes e usuários. Não acreditaria. Mas é resultado de trinta anos de Política de Segurança ideológica, equivocada, danosa e teimosa. É bem verdade que alguns estados americanos liberaram a comercialização e o uso da maconha, sendo o primeiro deles o Colorado. Mas já reexaminam a questão. Nestes estados, a estatística mostra um aumento da criminalidade.    

 

Irapuan Costa Junior                   12 de agosto de 2021


CONTRAPONTO

Terminemos essa nossa discussão sobre o que nos separa dos Estados Unidos em desenvolvimento, e sobre o que fazer para reduzir a dianteira que o gigante do norte tem à frente do Brasil, também gigante, mas adormecido em berço esplêndido. O dinamismo da história mostra que não há impérios eternamente dominantes, pelas armas ou pela economia. A hegemonia estadunidense já sente o resfolegar da China em seus calcanhares, uma nação que foi subalterna por séculos. Os chineses conseguiram enormes avanços cedendo terreno político para uma vibrante economia de mercado. Até agora conseguem uma convivência, com a ditadura restrita ao que delimitou como seu e respeitando o que delimitou como de livre economia. Fatalmente, no futuro, um confronto tenderá a se produzir, principalmente porque a economia se torna mais poderosa e a ditadura tende a se tornar mais questionada. Mas isso é futurologia pura, coisa de adivinhos. Outra mostra de que hegemonia é transitória, e coisa impensável há algumas décadas, nossa produção de grãos superou a dos EUA, não só em quantidade, mas também em qualidade.

Mas vamos às duas particularidades que nos falta abordar, entre as dez que escolhemos: O establishment esquerdista e o corporativismo legislativo.

Establishment Esquerdista: Quase trinta anos de governos de esquerda, os de Fernando Henrique, Lula e Dilma ou governos excessivamente tolerantes com a esquerda, os de Sarney e Itamar Franco, com respaldo ideológico e colaboração de inteligência do Foro de São Paulo, nos deixaram um legado de atraso de que só a muito custo nos livraremos. Espero que seja um custo apenas em sofrimento, aprendizagem e paciência pacíficos, e não uma ruptura institucional violenta. É extensa a lista de desgraças que herdamos desses carregadores de utopias, umas evidentes, outras nem tanto, e algumas mesmo bastante escondidas. Evidentes foram a roubalheira comprovada e confessa, o desvio de bilhões de dólares dos pobres brasileiros para Cuba, Venezuela, Moçambique e outros, a politização do Supremo etc. Menos evidentes, seja por ter a imprensa escondido, seja pela inadvertência dos menos avisados e esclarecidos, tivemos a compra da reeleição por Fernando Henrique, que trouxe com ela as reeleições de Lula e Dilma, o imenso retrocesso na Educação, em todos os níveis, a degradação da Segurança Pública e da Saúde, o aparelhamento da máquina estatal, principalmente no Ministério da Educação, a política de combate às drogas frouxa interna e externamente, a corrupção da imprensa e da classe artística, que mais não podem viver sem as verbas públicas, a degradação moral e dos costumes, o trato da religião com menosprezo e até hostilidade, a depreciação da família como núcleo básico da sociedade, a tentativa de controle social pelo desarmamento e pelo avanço da influência do Estado sobre a infância e adolescência. E mais, a política externa de aproximação com ditaduras e deterioração da imagem do Brasil no exterior, usando com proposital engano a Amazonia, principalmente. Paramos por aqui, embora a lista de males que a esquerda impôs ao país seja imensa (e ainda há quem queira sua volta!). E os malefícios não cessaram com a saída deles do Governo. Ficou plantado na nação um establishment esquerdista que vai dos militantes infiltrados na máquina pública mais modesta até o Supremo Tribunal Federal. É praticamente impossível um governante não pertencente ao establishment governar, hoje. Existe oposição dentro de casa, com o aparelhamento da máquina pública, dotando o establishment de um serviço de informações (e em alguns casos de sabotagem) deveras extenso. Um exemplo recente: o ministro da Educação revelou que dos 69 reitores de universidades federais, ele tem diálogo com um terço. É evidente: a politização do ensino fez com que as universidades fossem, antes de serem centros de conhecimento, centros de atividade político-ideológica, de militância pura. Existe a esquerda dominante na imprensa, de tal forma virulenta que qualquer coisa que o Presidente faça será objeto de crítica. Ocorrerá se ele fizer algo e ocorrerá se fizer o contrário. Um exemplo: acusado de combater o voto eletrônico alegando fraude, foi acusado de fazê-lo sem provas. Mostrou então um processo engavetado no Superior Tribunal Eleitoral, em que a Polícia Federal investigava uma invasão das urnas por hackers, durante meses. Está sendo denunciado por quebra de sigilo. Colunistas dos grandes jornais, liberados pelos patrões sedentos de dinheiro público, praticam seu esporte favorito: desancar o governo. Os partidos de extrema esquerda, atuantes como são e sem a menor vergonha do que fizeram no passado recente, descobriram no Supremo o caminho que sua insignificância não lhes abre no Congresso. Por dá cá aquela palha, entram com uma representação contra o governo, que é rápida e às vezes monocraticamente acatada pela Suprema Corte, e que manieta o Executivo. Suprema Corte que não tem a mesma destreza para julgar, por exemplo, os processos de Renan Calheiros e outros políticos. A anulação das sentenças de condenação de Lula, mesmo após os estratosféricos roubos, provados e confessos, com julgamento condenatório em três instâncias, acabou, de maneira estarrecedora, acontecendo, sob silêncio da imprensa. Todas essas ações da esquerda acabam ocorrendo como se coordenadas por um maestro, mas é apenas uma maneira de ser do establishment, onde cada um age à sua maneira, mas todos no mesmo sentido, acabando por somarem os esforços. No caso, o sentido é a derrubada do Presidente, mas atinge em cheio o desenvolvimento nacional. Isso inexiste nos EUA. Lá há uma infiltração esquerdista na imprensa, mas nada nem de longe parecido com o que há aqui, em atuação e agressividade.

Corporativismo Legislativo: O livro aqui mencionado por mais de uma vez, um clássico sobre os temas que discutimos, Bandeirantes e Pioneiros, de Vianna Moog, fala de como a ética religiosa, o Calvinismo principalmente, foi importante na formação cultural e econômica dos EUA. Virtude, trabalho e tradição eram temas impregnados na formação inglesa, presentes na religião protestante (no Calvinismo principalmente) e seguiram para os EUA com os pioneiros, que a eles incorporaram a liberdade. Essa ética está presente na atitude dos homens públicos americanos, seus congressistas inclusive. Mentir pode derrubar um Presidente, nos EUA (aconteceu com Nixon, no Watergate) ou submetê-lo a sanções (Clinton pagou US$90.000 de multa por mentir sobre Monica Lewinsky). O trato da coisa pública é levado muito a sério. Danificar o patrimônio público nos EUA dá penas severas de cadeia. Essa atitude, no comportamento político americano, se reflete no resultado da ação pública, muito mais rentável para a sociedade pagadora de impostos. Se ética e virtude permeiam a sociedade e as instituições americanas, não é isso que se vê em nosso Congresso. As duas casas legislativas, cuja função constitucional é formar e aprimorar o código das leis nacionais, parece ter se esquecido desse princípio, tanto que se afastou dele. Existem as honrosas exceções, tanto mais honrosas quanto poucas forem. Mas a maioria do Congresso é voltada para si mesma, legisla em causa própria, chantageia o Executivo, vive uma relação ora de medo, ora de concubinato com o Judiciário, principalmente o STF. O nosso motor legislativo é a reeleição de cada um, e os recursos para tanto. Deputados e senadores preservam as vantagens, salários e mordomias com que se presenteiam (e estendem aos funcionários legislativos, até como forma de apaziguar possíveis contestações). O problema aqui já não é ideológico, mas de cobiça. A ideologia, no Congresso, só está presente, negativamente, nos partidos de extrema esquerda, como PT, PSOL, PC do B. Ou, positivamente, na “bancada evangélica”, preocupada com temas éticos, como o aborto, e com a liberdade religiosa. Mas todos se unem, da direita à extrema esquerda, para votar os imorais fundos Partidário e Eleitoral, as Emendas Parlamentares ou amenizar a Lei de Improbidade, como se unem para impedir qualquer reforma eleitoral que mude – e só pode ser para melhor – o status quo, como aconteceu nesta mesma semana. Todos se unem até para impedir a chamada cláusula de barreira, que impediria partidos inexpressivos de se multiplicarem para avançar sobre verbas públicas para sua manutenção e suas mordomias. Nunca há pressa para votar reformas urgentes para a Nação. Os escândalos não mudaram o comportamento do Congresso, mesmo que duramente atingido, como nos casos Anões do Orçamento, Mensalão e Petrolão. Muito menos nos casos menos ruidosos como quando Fernando Henrique comprou a própria reeleição ou promoveu suas discutidas privatizações. O Congresso se cala quando o STF prende um deputado, um jornalista, um presidente de partido ou promove de ofício o processo das Fake News, ou ainda quando determina a abertura de uma CPI pelo Senado, que mais parece um circo. E vale lembrar que quase um terço do Senado responde a processo junto àquela Corte, e que na Câmara a porcentagem não deve ser muito diferente. Em resumo, legislar em benefício do País é o que menos se faz, nas duas casas. Brasil e EUA têm os congressistas mais caros do mundo, na casa de 7,5 e 9 milhões de dólares por ano e por parlamentar, respectivamente. Mas comparando a atuação dos dois congressos, o de lá presta muito melhor serviço à sociedade que o paga.

Irapuan Costa Junior                          19 de agosto de 2021

 


 

 

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

 


Salvar os anéis.



As fotos do aeroporto de Kabul,  mostrando o desespero de pessoas tentando escapar  dos Talebans , fazem  pensar. Por que só na última hora  decidem abandonar o país? Se a história ensina alguma coisa, podemos aprender com situações semelhantes. Talvez a mais dramática delas seja a tragédia dos judeus no Holocausto. Hitler deixava clara a sua aversão aos judeus, a quem atribuía  todos os males do mundo. Portanto as  vítimas  não foram enganadas pelo nazismo, mas por suas próprias  ilusões.  Intrigante é entender a motivação dos que se salvaram.  Se todos tinham as mesmas informações, por que uns agiram a tempo de salvar-se  e outros não? Algumas teses circularam à época dos eventos. Uma delas atribui esse  comportamento à características pessoais: de um lado, os pessimistas acreditando no perigo, se exilaram; de outro, os otimistas  baseados em  racionalizações diversas, como: não vai acontecer nada, é só discurso político; o mundo não permitirá tal atrocidade ; somos amigos do rei, a quem serviam com cortesias e benesses; outros, que seriam poupados, por terem posições de prestígio na magistratura, no judiciário e mesmo nos altos escalões do governo.  Estes pereceram. Os pessimistas tinham razão, emigraram para viver e prosperar nos Estados Unidos.  Os  otimistas morreram nos Campos de Concentração. Desta vez o pessimismo foi a melhor aposta! A psicologia deu as cartas.


Outra versão, mais verosímil, baseada na análise socioeconômica dos judeus, identificou que de maneira geral,  os que permaneceram foram os pobres, impossibilitados financeiramente de imigrar; e os poderosos, que  tinham bens a perder  e detentores de posição de poder e prestígio -  os professores universitários, os membros do governo e os empresários. Em figura popular, para defender os anéis,  perderam os dedos. Os interesses deram as cartas.


Entender as causas desse triste capítulo da história da humanidade, poderia ter servido de lição para países que enfrentam crises políticas de tal magnitude, como a do  Afeganistão. Os registros das crises política e econômica mostram que os movimentos migratórios são lentos, como ocorre nos países subdesenvolvidos. A ruptura  ocorre quando há  a ameaça de mudança de regime  para o socialismo. O caso de Cuba , da  Venezuela e tantos outros. Em uma  crise econômica,  como é o caso da  Argentina, não houve uma ruptura, mas os males do populismo-peronista, provocaram  a fuga de uma elite e forte dolarização das poupanças. Quem pode foge do perigo. Uns   com as pernas, emigrando, outros com a moeda, a dolarizando. A Argentina fugiu da moeda. No caso brasileiro, com as dificuldades da economia , nos transformamos em país de emigrantes. Surpreendente é que apesar  da passada hiperinflação, da instabilidade política, da insegurança jurídica, ainda mantemos   fidelidade  à  moeda. A não ser no período pré-eleições do Presidente Lulla, o câmbio - termômetro de risco - sinalizou o risco de uma possível ruptura política. Hoje, não  na mesma dimensão,  o nosso câmbio está desvalorizado, apesar das elevadas reservas cambiais, da favorável balança de pagamentos, dando um sinal de elevação do risco político, que deve ser avaliado pelos otimistas e pelos pessimistas


A História presta-se para divertir, mas principalmente para instruir. Os capítulos de desastres como os acima citados devem servir de alerta.  Os  riscos políticos são  fatores  mais fortes  do que os econômicos para  a emigração e a dolarização. O Afeganistão poderia ter  aprendido com os judeus que a defesa  da vida pode depender de  não ter anéis à defender. Ter o patrimônio onde se reside é concentração de risco, que deve ser levado em conta, principalmente se uma ruptura política é previsível. Nunca durma em cima das suas glórias e dos seus haveres. Esta  máxima de prudência, salvou muitos  judeus do Holocausto, que  não tiveram de perder os dedos para salvar os anéis, como estão aprendendo à duras penas muitas das vítimas do Taleban.


São Paulo, 20 de agosto de 2021.

Jorge Wilson Simeira Jacob

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

                                                            Defasagem



Este mundo não é mais o meu!

O meu deixou de existir.

Neste, tudo é novo e diferente,

Não distingo mais quase nada.

Os circundantes são outros,

Não reconheço quase ninguém.

Grande parte dos antigos partiram

Deixando só lembranças

D’outros tempos e valores.

Para os  novos, eu não existo,

Não compartilho das suas crenças.

Não faço parte da nova cultura.


Estou defasado.


Sinto a solidão, o estar só 

No meio da multidão, sem face.

Um  número substituiu o meu  nome,

Como nos Campos de Concentração.

Tudo ficou impessoal, massificado.

A tecnologia afogou a individualidade. 

Sobrevivo como um peixinho dourado, 

Nadando n’agua fria , que não vejo, 

Nos limites da tirania burocrática,

Que cerceia a minha liberdade.  

Sou só mais um dos peixinhos,

Prisioneiro em um aquário,

Monitorado pelos satélites, radares

E controles financeiros  dos meus atos.

Não sou ninguém, mas, como um criminoso,

Sou policiado passo a passo. 


Defasagem!


Tudo mudou, menos eu.

Não mudei e não quero mudar.

Continuo com os valores da individualidade,

Da busca da  liberdade perdida,

Do assumir as minhas responsabilidades,

Do valor do calor humano, do contato pessoal,

Do repúdio à  desumanização tecnológica,

Do amor aos indivíduos e o temor das massas.

Sonho ser um todo e não um pedaço do coletivo.

Sobretudo - quero ser independente!

Mas  a mantra do tudo pelo social venceu,

A sociedade sufocou a individualidade.

Estou defasado, 

Este mundo não é mais o meu!



São Paulo, 16 de agosto de 2021.

Jorge Wilson Simeira Jacob

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

 Puro interesse.


Nem tudo na vida  gira em torno de interesses, mas que gira, gira! Este preâmbulo cheira antipática grosseria. Generalizar que todos os nossos atos giram  em torno de interesses é deveras politicamente incorreto. Gostamos de acreditar no desprendimento generoso  do ser humano. Analisando friamente, contudo,  na vida tudo gira mesmo em torno de interesses, mesmo o mais puro e celestial dos amores - o de mãe. Aquela que cuida da saúde  do seu bebê atende à sua própria felicidade. Nada a magoaria mais do que o sofrimento deste seu maior amor. Ela, por interesse, daria a vida pelo filho. O pão, segundo Adam Smith, chega à sua mesa, nas manhãs, não por bondade do padeiro, mas pelo seu dinheiro. O bondoso altruísta que se dedica à caridade, com o seu suor e as suas economias, o faz para estar bem com a sua consciência ou ganhar os céus . Os marqueteiros que inventaram o Dia das Mães, dos Pais e do Natal , o  fizeram, não a pretexto de homenageá-los, mas pelo interesse de  aumentar as suas vendas. 


Também por interesse, comemoramos  todas as datas festivas! Não me alinho aos que as repudiam por terem sido obras de interesseiros. Por interesse, esqueço as intenções do inventor, e delas tiro o melhor proveito. Faço isto pela mesma razão de tomar  nas dores aspirinas, ainda que Bayer a tenha criado por interesse mercantil. Não há por que  repudiar um ato ou fato por estar assentado em algum interesse honesto. Há, sim, razões para distinguir as diferentes intenções. Há aquelas, puras, imaculadas, como a mãe, que se sacrifica pelo filho. Como  as daqueles que nos cercam com bajulações, dádivas  para nos enganar. Um, o da mãe , é um interesse explícito e legítimo. Outro, o do dadivoso,  é camuflado e falso.


No mundo dos negócios, se  um indivíduo ou empresa presta um serviço para lucrar de maneira ética, clara, transparente, nada há a  condenar. Aceitar as suas propostas, nas suas condições e preços, é exercer a  nossa liberdade de escolher. A decisão é nossa. Mas, aonde ficam os nossos interesses nas  situações de monopólio ou desabastecimento, em que não há escolha? Os  monopólios privam a nossa liberdade. Neles ficamos entre aceitar ou não…se puder. Nestes casos, cabe ao governo estimular a  competição abrindo os mercados sem restrições . Surge, porém, com as recentes inovações, um novo modelo de monopólio. Este  se diferencia dos anteriores por oferecerem seus produtos gratuitamente nada cobrando dos seus usuários. Lucram com os anunciantes, que tem a liberdade de contratá-los. Eles não são obrigados, anunciam por interesse próprio. Lucram fábulas - o que  seria legítimo se  os resultados fossem conseguidos em regime de livre mercado, o que não é o caso da Facebook, que sistematicamente compra os concorrentes e censura as matérias postadas, ferindo a liberdade de expressão para fazer jogo político;  e a  Amazon, que abusa da sua posição privilegiada para concorrer, sem escrúpulos, com os seus próprios clientes.  À exemplo da ação  do governo contra a  Standard Oil e  ITT, que as dividiu  para criar a desejada competição, espera-se, no interesse dos usuários, uma solução anti-monopolista ou, no mínimo, que respeitem a liberdade de expressão e a legítima concorrência.


Outra situação de monopólio, imprevisível, acontece nas crises de abastecimento, provocadas por desastres climáticos ou subversão da ordem. Nestas circunstâncias o cidadão não tem escolha, fica à mercê dos fornecedores, que aumentam os preços aproveitando-se da oportunidade. O  price gouging* , os aumentos especulativos dos preços, em momentos de crise, é uma prática condenada  em muitos estados americanos  por ser entendida  como um abuso do consumidor. Uma situação em que as opiniões divergem sobre o que atenderia melhor os nossos interesses. Alguns, os intervencionistas,  defendem a ideia de que o governo deveria regular os preços, mesmo até desapropriando os estoques. Outros, os defensores da economia de mercado, de deixar que os preços exerçam a sua função, que é a de equilibrar a oferta e a procura. O preço mais elevado vai : incentivar o melhor uso do bem escasso; evitar estocagem especulativa pelos mais abonados; estimular os empresários a buscar alternativas de novos suprimentos; investir em estoques preventivos; suportar salários e custos elevados para abastecer-se…Tudo, pela simples razão , de atender aos seus interesses. Para ganhar mais,  agem, sem ser a sua intenção, para superação da crise. Ademais, se nas crises de demanda não se impede dos preços caírem, não é legítimo uma intervenção quando sobem por fatores externos, o  que são práticas a favor do mercado livre, ao contrário, são ilegítimas no caso dos novos  monopólios que usam práticas contrárias ao funcionamento do mercado.. Quem é livre para baixar os preços  nas crises, deve ser também para subir nas oportunidades. O mundo gira movido  por  puro interesse. 



  • A distorção de preços ocorre quando um vendedor aumenta os preços de bens, serviços ou mercadorias a um nível muito mais alto do que o considerado razoável ou justo. Normalmente, esse evento ocorre após um choque de demanda ou oferta.


São Paulo, 04 de agosto de 2021.

Jorge Wilson Simeira Jacob