terça-feira, 31 de outubro de 2023

 


UMA INGÊNUA TORCIDA.



É clássica a figura   de um meio copo de água  na visão de um otimista ou de um pessimista. O primeiro vê um copo meio cheio. O pessimista, um meio vazio. Entretanto é pertinente lembrar de que não existe nem uma e nem outra destas características em termos absolutos. Temos  relativamente uma ou outra postura.” Somos” ou''estamos” em uma destas condições. Por exemplo: estou otimista de viver mais uns poucos anos, mas pessimista de ser eterno. As circunstâncias determinam as nossas escolhas. 



Além do mais, essa figura de linguagem  é incompleta. Ignora a existência da alternativa de um   copo totalmente cheio ou vazio. O que eliminaria qualquer dúvida. É ou não é. O meio termo deixa espaço à relatividade. Pode ser. Pode não ser. Por que então não admitir, que o externado  otimismo ou o pessimismo seja uma postura relativa às condições daquele fato diante da realidade?



Neste ponto, chegamos à necessidade de dar os “nomes aos bois”. Os sentimentos de otimismo e pessimismo, refletem mais  sentimentos, emoções, do que um fato real. É por  simplificação ou como recurso de retórica, que apressadamente adjetiva-se  uma postura alheia. Comumente  basta  um interlocutor assumir uma posição negativa sobre um determinado fato para ser avaliado pejorativamente como um pessimista. Este é um golpe pesado, que geralmente  muda o rumo de uma argumentação.


Acusar outro de pessimista, em vez de penetrar nas razões do tema em discussão, é sair do âmbito da lógica e da razão, é desfocar   a discussão para o campo das emoções . É julgar a  propriedade do sentimento alheio. Esta pecha tem conotações muito fortes. É considerado “ pecado “, politicamente incorreto, apontar que : a mãe , a pátria, a religião… - tudo aquilo que a sociedade ou as pessoas prezam são amores indevidos.


Só a pureza do menino, despojado de preconceitos para bradar corajosamente , à viva voz,  a nudez do rei, como no conto do Hans Christian Andersen. Só a pureza de sentimentos tem força suficiente para encarar a realidade. O natural é prevalecer a visão da torcida, que se assenta mais no desejo ( wishful thinking  ) do que na razão. Olhar um copo meio vazio e pretender que esteja meio cheio, se não há as razões como fundamento, é  pura e simplesmente torcida. 


A torcida tem nas suas entranhas a paixão. Não se baseia na razão. Torcemos por tudo o que desejamos,  independente dos seus méritos. Para estar de bem com nossa consciência racionalizamos  os nossos desejos. Exaltamos os méritos e desculpamos os deméritos dos partidos que tomamos. Se não podemos negar as limitações, construímos razões para amenizá-las, justificá-las. Qualquer raiozinho de luz  é apontado como sinal do fim da escuridão.


A racionalidade está , no confronto de ideias, com a acusação de  pessimismo, em  focar na identificação dos fatos  e desejos. Nunca devemos aceitar que a  fraqueza dos argumentos seja substituída por uma gratuita adjetivação acusatória   para encerrar a conversa. Menos ainda merecem respeito, como debatedores, os que se autodenominam - eu sou um otimista - para ganhar ares de “ dono da verdade”.


Essas auto qualificações não garantem nada. São vazias. O que seriam argumentos sólidos , abusando do exemplo, seriam fatos. Vire o copo, se não cair água ele está vazio. Não há otimista que vá assegurar que está meio cheio. Mostre os resultados dos seus amores - conquistas, aprovação de quem entende e resultados obtidos. Aí, a olhos vistos, estará justificada a sua posição.


Portanto, as classificações “ otimistas e pessimistas” carecem de bases sólidas. Estão mais para religião, que dependem de fé, do que da razão, que baseia-se em fatos e dados. Nominar alguém com estes termos, deixando de lado a malícia do uso da retórica, é uma impropriedade. É um abuso do sentido literal das palavras. 


Não quer a digressão acima negar o direito à  esperança. A qual é válida. Nenhuma situação, exceto a morte, é imutável. Na vida poucas “são “. Na maioria elas “estão”. E o realismo é constatar uma situação  e racionalmente elencar os fatores que podem transformar a situação de negativa em positiva para dar alicerce a um futuro melhor.


A receita do realismo é, como primeiro passo, ter  um bom diagnóstico, frio, sem emoção, e identificar  as oportunidades. Se os entraves à realização dos nossos desejos estão sendo afastados e as oportunidades encaminhadas, podemos, fazendo coro com o politicamente correto, ser  classificados  como estando otimistas, pois podemos vislumbrar  resultados; se não, se faltam razões,  se é puramente emocional nada será mais do que uma ingênua torcida.


São Paulo, 22 de agosto de 2.022.


Jorge Wilson Simeira Jacob


sábado, 28 de outubro de 2023

 OS OTIMISTAS E OS PESSIMISTAS.



Hitler não guardava  segredo dos seus planos de perseguir os judeus. Tanto que muitos deram-se conta e saíram da Alemanha enquanto era possível. O que fez todo o sentido. O que não fez nenhum foram  os milhões de judeus que esperaram pelas câmeras de gás. Qual a razão dos que se deram conta do perigo e fugiram  enquanto era tempo? Por que estes agiram e outros não? Estas foram indagações que ao longo do tempo incomodaram  os que tentaram entender essa dualidade do comportamento humano. 


Os livros sobre a perseguição nazista aos judeus esclarecem a dúvida. Os judeus ricos e poderosos acreditaram que aproximando-se de Hitler, inclusive financiando o  nazismo ( nacional socialismo ) ,como amigos seriam poupados. Outros, por falta de condições econômicas e ligações no exterior,  simplesmente não tinham à mão a alternativa de emigrar. Alguns tinham posições de prestígio — juízes, professores universitários, políticos e grandes empresários — o que impactava muito na decisão de abandonar os seus patrimônios e começar uma nova vida  no desconhecido.


Seria ignorar a natureza humana atribuir somente ao apego aos bens materiais como a causa única da decisão. Os aspectos sociais, família, amigos, companheiros,  e de cultura, hábitos, valores, são raízes que nos prendem ao solo. Sendo ainda considerável a “ lei do menor esforço” e o “wishful thinking”. Gostamos, como autoengano, acreditar ser as ameaças momentâneas e passageiras. 


Os que permaneceram na Alemanha foram os que  tinham propriedade e/ou prestígio a perder. Para não perder os anéis perderam os dedos. Alimentaram um otimismo que custou a vida e sofrimento de milhões. Salvaram-se  os pessimistas, que acreditavam nas ameaças, e aceitaram o sacrifício de começar uma vida nova longe das suas raízes. Saíram da Alemanha   com a roupa do corpo e o apoio de familiares e amigos no exterior. 


Estamos, portanto, diante de  duas visões de mundo: a dos otimistas e a dos pessimistas. Os primeiros, em geral, são cegos que se recusam a ver. Atém-se a árvore e não enxergam a floresta. Ao contrário da visão pessimista que não se limita à árvore mas está atenta à floresta. Estas considerações são oportunas diante dos resultados das últimas eleições no Brasil. Elas mostraram uma sociedade rachada pela metade: cinquenta e um por cento com valores socialistas, populismo estatizante,  e o restante adeptos dos valores conservadores e liberais. É um país dividido também entre norte e sul, em tal proporção que faz temer uma indesejada possível secessão   em dois mundos distintos.


Certamente os otimistas vão fundamentar as suas esperanças nas suas boas relações com o governo, que podem ter apoiado nas eleições, na crença de que este ou aquele poder não permitirá situações extremadas, e o atual governo já é conhecido e no passado não foi revolucionário. Assim sendo, não assusta. É um tigre de papel. Deixam de lado a floresta, a história da América Latina com setenta  anos de tirania em Cuba, e décadas de socialismo-estatizante na Argentina e Venezuela.


Já os pessimistas vão preocupar-se com o fato de ter o atual líder do governo uma idade avançada, uma conta a acertar com aqueles que o perseguiram e a experiência de viver as amarguras de estar na oposição nos últimos quatro anos. Portanto não deverá haver ânimo para  ficar nas meias medidas. A sustentação do poder exige ser implantado com rapidez e profundidade as ideias socialistas-estatizantes. Antes que seja tarde. Acreditam que o partido no poder não voltou para   quatro anos, mas como os outros membros do Fórum São Paulo  para perpetuar-se no poder.


Neste momento os pessimistas perguntam: está na hora de abandonar o Brasil?  Pergunta a ser ignorada pelos otimistas, que têm as suas razões para apostar no futuro. Mas a ser considerada pelos pessimistas ao ponderar as ameaças veladas embutidas na promessa  de mais governo a interferir na vida econômica e social. E ao incremento da divisão — o nós e eles —  que bons frutos não darão. Pois quem planta a cizânia , colhe tempestade. Raios e trovões a cair nas cabeças dos que serão responsabilizados pelos  fracassos políticos previsíveis.


Entretanto, a nossa geração não tem a escolha de emigrar. Lutamos até agora e não vamos jogar o bebê fora com água do banho. Vamos continuar na briga, cada um com as suas forças, pelo bem da nossa pátria. Aqui estão as nossas raízes e o nosso coração. Não podemos desistir do país, ainda que a luta seja de longo prazo, como tudo leva a crer. Temos que continuar nas nossas trincheiras lutando pela ressurreição das ideias corretas para salvar o Brasil. 


Essa é a nossa determinação e vontade. Sentimo-nos , entretanto, impotentes frente os jovens que estão saindo das faculdades e manifestam desilusão com o país. Questionam como será o futuro em um país em que o melhor emprego está na carreira de funcionário público ou no exterior. Por que não emigrar para outras pragas, business friendly, onde o mérito é reconhecido e respeitado?


 O que responder quando nos confrontam com a história dos judeus otimistas, mortos nas câmaras de gás, e dos pessimistas, que enriqueceram em Nova York? 


Não tenho a resposta.




São Paulo, 31 de outubro de 2022.

Jorge Wilson Simeira Jacob



domingo, 22 de outubro de 2023

 



A lei de Murphy.



“Se o problema é o aumento da dívida pública, o articulista ( sobre o  meu 

texto publicado no Jornal Opção, com o titulo Bola de Cristal ) deveria ter citado o caso do Japão, Grécia, Estados Unidos, Portugal, países com as maiores dívidas públicas no mundo. O Brasil está em 29 lugar, entre aqueles com maiores dívidas, além dos citados, melhor do que países importantes, como França, Canadá, Espanha e outros.A dívida pública pode não ser a causa primeira da perda de crédito de uma nação. Às instituições de avaliação de saída já diferenciam as economias desenvolvidas das não desenvolvidas. Os Estados Unidos, o Japão e outros países têm  um comprometimento superior em relação ao PIB do que o Brasil. Por quê o endividamento brasileiro preocupa? No que ele nos ameaça? Na perda do crédito. Só se pode vender títulos do governo se houver compradores. E estes levam em conta sobretudo a capacidade do tomador de honrar o compromisso”.



O parágrafo acima é do Pedro Terrarum, leitor da minha coluna semanal no Jornal Opção. Essa manifestação , a par de perspicaz, portanto justificada,  permite acreditar que muitos outros  leitores tenham também minimizado o risco do aumento  da nossa dívida pública , o que exige  da minha parte voltar ao assunto com esclarecimentos.


O aumento da dívida pública, reafirmo , é uma ameaça. Ainda que a causa seja o desequilíbrio orçamentário, ela é o termômetro que sinaliza para os potenciais tomadores dos títulos públicos o risco tomado, quando um governo gasta mais do que arrecada. A causa primeira do mal é, portanto, o desequilíbrio orçamentário. A dívida pública é uma das possíveis consequências. As outras são: a emissão de moeda, que tem efeitos inflacionários; ou o aumento da carga tributária, que afeta os investimentos. O endividamento é preferido, ainda que onere o tesouro com a carga dos juros, mas tem limites. Depende do crédito, como bem entende o Pedro.



O potencial de endividar-se de uma nação depende de inúmeros fatores. Há uma régua que diferencia os países desenvolvidos, que têm riqueza como garantia, e os não desenvolvidos, que são pobres. O Japão, com o seu alto nível de poupança  tem toda a sua enorme dívida com credores internos, e é uma economia desenvolvida,  consegue conviver com alto endividamento. Assim como os Estados Unidos que, além de rico, podem emitir dólares , o que dá segurança aos tomadores dos Treasuries Bills.


No contrapé desses casos,  situa-se a Argentina , cujos déficits são constantes e com uma história de crédito das piores do mundo. Já deu calotes diversas vezes e que tem  , na avaliação da Revista The Economist, como única alternativa à crise atual um default. Com essa  ficha de crédito nem o Fundo Monetário, que tem como missão socorrer as economias em crise, empresta para o país. Em consequência emite moeda que lhes trouxe uma hiperinflação.


O Brasil, com o descompasso entre receitas e despesas orçamentárias, vai aumentando o endividamento, o que é motivo de alerta. Segundo a agência de avaliação de risco Moody 's, estamos duas notas abaixo do grau de investimento - Ba2.  Ainda mais preocupante é   a postura de cofres abertos ao populismo, como fez à Argentina, Confiar que as nossas reservas e o superávit comercial possam ser abusadas ilimitadamente é uma decisão temerária. 


A dívida pública, como reconhece o Pedro, pode não ser a única causa, mas é um fator relevante a não ser menosprezado. E caso ocorra a falta de compradores para os títulos do tesouro, ficaremos com as piores alternativas: emitir moeda ou aumentar a arrecadação- o que não será o melhor dos mundos.


Como ensinaria a lei de Murphy: “se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível”.


São Paulo, 17 de outubro de 2023.

Jorge Wilson Simeira Jacob 




domingo, 15 de outubro de 2023

 Não há mais cruel tirania do que aquela que se exerce à sombra das leis e com as cores da justiça.

Montesquieu 



Entre as crenças de Rousseau ( Contrato Social )  e Hobbes ( Leviatã )  está a distância do bem e do mal.  O primeiro acreditava que o homem nasce bom , mas degenera na vida social. Ao contrário de Hobbes que via a maldade como parte da natureza humana. A história dá razão a este de que  o homem é o lobo do homem. No reino animal também há eventos de maldade, mas só os humanos a institucionalizaram.  O homem, a par dos inúmeros atos pessoais, na sua história, escreveu capítulos negros. O ser humano é mau por natureza.


Um indivíduo ou um ato mau pode ser , olhado com benevolência, uma exceção, uma degeneração, motivada pela  impulsividade .  Entretanto a maldade organizada, institucionalizada, como foram a escravidão, a Santa Inquisição e o holocausto, sem esquecer das tiranias comunistas, não merecem perdão. Não há como não pintar com as piores cores o crime praticado contra muitos ao longo do tempo.


A escravidão é de todas as violências a que mais tempo durou e mais vítimas fez. Foi praticada desde a antiguidade pelos assírios, egípcios, hebreus e só oficialmente foi abolida em 2007, na Mauritânia. A Santa Inquisição, instituída pelo Papa Gregório IX, em 1231, para combater os hereges, fez vítimas durante quatro séculos. Assim como a escravidão  não foi obra de um homem, mas de uma instituição. No que se diferencia do holocausto que teve vida mais curta ( de 1933 a 1945 )  e liderada pelos nazistas. Ainda que esta não tenha ficado nada a dever pela crueldade. Fez tantas vítimas, seis milhões nos campos de concentração, mas muito menos do que  nos setenta anos  de Stálin, Pol Pot e Mao Tse Tung ao longo dos governos comunistas.


De todas esses sacrifícios humanos a que tem merecido menos divulgação,  proporcional á sua dimensão,  a que mais vítimas fez e por  mais tempo foi praticada — foi a escravidão. Uma falha amenizada pelo livro “ Escravidão” do escritor Laurentino Gomes ( 1* volume da trilogia , 479 páginas, Editora Globo , $31,09  ), que aborda desde o primeiro leilão de escravos em Portugal , em 8 de agosto de 1444  até a morte de Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro de 1695. Uma leitura agradável. É um relato histórico com o sabor de  romance. Não só é rico sobre o trágico evento como entretém pelo texto leve e muito bem fundamentado. 


É uma leitura para entender boa parte da nossa história. O Padre Antônio Vieira dizia que: “ o Brasil tem seu corpo na América mas a alma na África. E tinha conhecimento de causa. Os jesuítas, irmandade à que pertencia, explorou em suas inúmeras fazendas, com a mesma crueldade dos colonizadores, o trabalho escravo. 




Somos hoje  a maior população negra no mundo, depois da Nigeria;  importamos 5 milhões de escravos africanos dos 12,5 vindos para a América no período de três séculos e meio; época houve que o número de negros escravizados superava a população branca ;  e fomos dos últimos a abolir a escravidão. O negro virou sinônimo de escravo no Brasil.


No processo escravizador, chocante foram  as perdas humanas, pelo maltrato, desde a captura na África até os leilões dos escravos. Mais da metade morria antes de serem vendidos. Os mais fracos eram lançados aos tubarões ainda vivos. A desumanidade ia a ponto de os marcar com ferro em brasa, como se faz com o gado.  Grande número morria de infecção no processo. A crueldade não tinha limites, como pode-se ler nessa rica história.


Nas palavras do autor: “ nenhum outro assunto é tão importante e definidor da nossa identidade nacional. Estudá-lo ajuda a explicar o que fomos no passado , o que somos hoje e também o que seremos daqui para a frente”.




São Paulo, 12 de setembro de 2023.

Jorge Wilson Simeira Jacob


domingo, 8 de outubro de 2023

 Bordeaux, a cidade do vinho.


Nos seus oitenta anos ele cultivava uma barba branca que terminava na altura do peito. Era seu motivo de orgulho por ser única na cidade. Ele sabia disso o que o levava a cofiar a linda barba continuamente.


Um dia, sentado no banco do jardim, aguardando a hora da missa das 10, onde a elite da cidadezinha exibia os trajes e joias… e ele, a sua barba, um menino se aproxima e olhando firme nos seus olhos pergunta: “ vovô, quando você dorme a barba fica dentro ou fora do cobertor?”Essa questão nunca tinha passado pela cabeça do ancião. 


Como acontece muitas vezes na vida, em vez de uma resposta , a pergunta nos traz uma dúvida. Nos cria um problema. Isto foi o que aconteceu - com a incerteza de onde colocar a barba, o velhinho nunca mais dormiu na vida. Passava as noites em claro tentando encontrar o melhor lugar para a sua venerável barba.


A exemplo do vovô da piada, em vez de uma barba, eu convivia tranquilamente com os meus vinhos. Harmonizava os brancos com peixes e pratos leves; tintos leves com massas e molhos de tomate; os tintos pesados com carne vermelha; e os brancos licorosos com as sobremesa. Tudo funcionava satisfatoriamente até o dia que visitei o Museu do vinho de Bordeaux.


Reafirmei lá que beber vinho mais do que um exercício da gastronomia tornou-se uma arte. Não faltam boas leituras de inúmeros autores credenciados. As vinícolas fazem degustação que sao precedidas da história da casa, das cepas e da produção. São verdadeiras aulas para  treinar na degustação de um vinho. Há todo um ritual que engloba todo o processo de escolha, serviço e degustação. De todo o processo o mais valorizado é a harmonização com os alimentos. 


Diante de um esquema tão sofisticado para quem quer levar a sério o que ditam os enólogos , o enófilo com frequência comete erros inadmissíveis aos olhos dos experts. Um muito comum é servir o Sauternes ( um vinho doce ) com sobremesa doce. Também é o referir-se a este vinho como sendo um vinho de sobremesa. Dizem eles: tome o Sauternes com Rockefort ou com lagosta e sirva Champagne com os doces.


Quem visita, em  Bordeaux,  o Museu do Vinho, a par de encantar-se com a magestade do edifício , aprende tudo sobre o vinho no mundo. O museu  conta a sua  historia milenar  - um dos primeiros alimentos a ser  conservado pelo homem. Em  vasto espaço, nos arredores da cidade, que margeia o Rio Garonne, a instituição se apresenta como uma exibição de luxo, criatividade e tecnologia. Nas exposições didáticas transmite teoria; nas interações , distingue os paladares e as sensações gustativas. É um programa de duas horas ou mais, que termina com o direito a degustar gratuitamente um dos vinhos em oferta.




Bordeaux ( bord’eau ) é a cidade do vinho. Ela tem neste produto e seus fornecedores a base da sua economia. É uma grande cidade - 813 mil habitantes. As suas grandes avenidas sao ladeadas por edifícios do século XVlll, todos na altura de quatro pavimentos. Os seus infindáveis bares e restaurantes com mesas na calçada fervilham de jovens até altas horas da noite. A cidade tem muitas universidades o que explica a sua alegre vida noturna.


A Catedral de Sto. Andre, em estilo gótico, é monumental e tem um órgão que toma toda a largura da igreja. O Grand Teatro,  construído pelo arquiteto Richelieu - homônimo do ministro de 

Luiz Xlll- destaca-se pela dimensão e beleza arquitetônica. 


Nesta temporada em Bordeaux para visitar as suas importantes vinícolas em vez de me trazer mais segurança, igual ao velhinho da barba, colocou-me como Sócrates.  Descobri que de vinho também : “só sei que nada sei”. O mundo do vinho é vasto demais para este modesto apreciador da bebida. 


Conclui, diante da sensação de impotência para dominar a arte de degustação do vinho, que doravante vou esquecer todas as regras e vou beber do meu jeito,   do jeito que gosto, vou deixar para os “snobs” degustar teoria . Vou esquecer tudo o que me ensinaram, vou queimar os meus livros e jogar fora os meus manuais. Só praticarei doravante o que manda o meu coração.


Afinal o vinho é como as mulheres, a gente gosta ou não gosta. Ninguém consegue mesmo as entender.



Bordeaux, 02 de outubro de 2023.

Jorge Wilson Simeira Jacob