sábado, 12 de junho de 2021

 Efeito sem causa.



Os ingleses são conhecidos como sendo um povo fleumático. O mundo pode estar caindo, mas eles não perdem a postura. Ilustra esta característica a “piada” de três deles  fumando charuto, em um clube só de cavalheiros, às vésperas das eleições. Um deles, pigarreia , faz  uma longa pausa, e balbuciando diz: - acho que Churchill vai vencer as eleições! Um segundo, absorto , olhando o teto, dá boas tragadas e muito depois, sem pressa,  retruca: - estou certo de que não vencerá! O terceiro, de idade mais avançada, pede um whisky que saboreia lentamente. Ao terminar a bebida, levanta-se e dirige-se aos dois amigos : - vou-me embora mais cedo. Não suporto discussões acaloradas!


A The Economist, da qual sou fiel leitor há quarenta anos, nos últimos tempos dedicou diversos  artigos  de capa , com boa reportagem sobre o Brasil. Fugindo à fleuma britânica,  colocou em jogo a sua reputação de ser a mais prestigiosa revista formadora de opinião do mundo, fazendo rasgados elogios ao Brasil. Na época, as nossas elites bateram palmas e enalteceram a revista. Agora, quando o editorial faz uma análise crítica em que mostra-se surpresa com: -  a velocidade da deterioração da nossa economia e qualidade de vida; - e propõe que para recuperar-se o país deve - antes de mais nada - entender o que aconteceu. A matéria, para quem a leu no todo, não concentra a culpa a este governo, ainda que seja crítica ao atual presidente, mas a um longo período de políticas equivocadas.  É evidente que o nosso sentimento vá do desconforto à revolta. Nenhum ser mentalmente saudável sente-se bem sendo criticado. Mas é um falso patriotismo desqualificar a revista quando nos  crítica se é a mesma que antes elogiávamos quando nos era favorável. Isto é ufanismo puro e simples.


Nós brasileiros somos notoriamente um povo de bem com a vida. Temos motivos de sobra. A natureza foi generosa com o  nosso território - o sol, as praias as mais sensuais e  lindas mulheres do mundo… - tudo e por tudo  somos uma nação exuberante, de ricas  e fortes emoções. Somos de corpo e alma sentimentalistas. Um campeonato mundial perdido, a morte de um Ayrton Sena, um Tancredo, abalam o ânimo nacional. Como também a conquista  de uma Jules Rimet . Somos pura emoção. Foi, pois, com o brio  dessa gente que a  The Economist foi mexer.


Depois do polêmico artigo,  três brasileiros, em vez da missa do domingo, sentados,  no boteco de uma esquina, discutem furiosamente sobre futebol, Covid 19, Lula e os quarenta ladrões, Bolsonaro e as suas trapalhadas. A discussão é interrompida  quando um deles, para impor-se, sentencia: -  quem é essa revistinha, alinhada à sabotagem internacional contra o Brasil,  para dizer que há vinte anos a economia perdeu posição no mundo, que o nível de ensino piorou, que temos 14 milhões de desempregados e mais milhões dos “ nem nem”  e que a maioria da  indústria local está regredindo? Quem são eles para não ver que seremos o celeiro do mundo, que, saindo da pandemia, faremos uma reforma política, administrativa, tributária, eliminaremos a corrupção, e o judiciário será  modelo  para inglês copiar  ? Afobado, como são todos os emocionais, o número dois  rebate: a revista tem razão , se as causas não mudarem, os efeitos serão os mesmos. Se não entendermos onde erramos, se não corrigirmos as causas não mudaremos  os resultados e nada ainda indica que isto vá acontecer.  O número três não se aguentou: vou embora correndo antes que seja acusado pelo Papa Francisco de tomar muita cachaça e de não orar o suficiente. Vou para a igreja , pois estou  convencido que para conseguir  o milagre do desenvolvimento sem fazer força, um efeito sem causa, vamos ter que rezar muito!


São Paulo, 13 de junho de 2021.

Jorge Wilson Simeira Jacob

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