As raposas e as galinhas.
Na época em que os animais falavam, em um momento crítico, os galináceos estavam muito assustados. Não era para menos. Todas as noites o galinheiro era acordado com os gritos de pavor dos que estavam sendo devorados por enormes raposas. Estas eram insaciáveis. Comiam as vitimas com penas e tudo. Até o cacarejo era abafado, pois os que mais gritavam eram os primeiros a ser devorados. Nada saciava a gula das raposas.
Cansados das noites mal dormidas e de tanto tremer de medo, as aves fizeram uma reunião para discutir o problema e as possíveis soluções. Todas compareceram. A gravidade da situação provocou uma mobilização geral. Uma galinha gorda, idosa, de penas brancas, líder do movimento, tomou a palavra. Ela relatou os acontecimentos e enumerou as causas que as vitimava: o confinamento entre as telas de arame que as impedia de fugir; e a impotência frente a um inimigo poderoso, que tinha as chaves do portão e que agia sem restrições. Após o dito, deu a palavra aos demais.
Um jovem carijó, recém formado em sociologia na Unicamp, conhecido pelo seu idealismo, com a autoridade que todos os bens intencionados tem, tomou a palavra:
- meus camaradas, o problema tem solução. Não há razão para o pânico. Todo o nosso desafio se limita à “vontade política”. Vamos nomear uma comissão para negociar novos termos de convivência com as raposas. Uma assembleia geral será formada e voltaremos a viver tranquilamente sob uma nova lei e ordem.
O galinheiro entusiasmou-se com o discurso e em peso, exceto um velho galo, aprovou a ideia. A comissão foi formada e uma reunião agendada. No dia marcado, o jovem carijó, tomando a liderança, propôs às raposas um pacto que civilizasse as relações conflituosas das partes, e ofereceu de saída: diariamente, colocar algumas galinhas no portão de entrada como um quinhão para comprar a paz . Mas, como contrapartida, as raposas não mais teriam as chaves do galinheiro. E ponderava: com isto poderemos dormir tranquilos e as raposas terão a sua ração diária sem precisar gastar energia para subjugar as vítimas.
A surpresa foi geral quando as raposas caíram em gargalhadas, seguida da decepção com a resposta:
- Se podemos ter tudo porque faríamos essa concessão? Só um sonhador poderia imaginar que nós iríamos aceitar limites ao nosso apetite. Aliás, a partir de amanhã, coloquem as galinhas no portão, que, após matar a fome, entraremos para nos divertir. A caçada tem um aspecto lúdico que a oferenda não tem.
A comissão retornou ao galinheiro, cabisbaixa, sem saber o que dizer para atender aos curiosos que se acotovelavam para ouvir as boas notícias. A frustração foi geral ao saber do mau resultado. O murmúrio foi também:
- Ah!..Oh!.. Naaão...! Só nos faltava essa!!! E em uníssono: O que fazer agora!? O velho galo, de esporas quebradas de tanto lutar pelas frangas novas, que não foi ouvido quando alertou para o irrealismo da proposta do jovem carijó, tomou a palavra:
- Companheiros e companheiras, a sabedoria aconselha a aprender com as bem sucedidas experiências alheias. Nada de inventar a roda! Os humanos, que não são melhor dotados intelectualmente do que nós, enfrentaram situação semelhante. Alguns tiveram êxito. Os bem sucedidos foram os que reduziram o número de raposas. Os insucessos ficaram com os que acreditaram ser possível reduzir-lhes o apetite. Se nós temos o fazendeiro que, para ser rico, nos quer saudáveis, gordas e boas poedeiras por muitos anos, os humanos têm o Estado que, para ser forte, quer todos prósperos para pagar os investimentos e as despesas da governança. Nós, como eles, sofremos com as nossas insaciáveis raposas. Lá elas só foram contidas quando perderam a chave do galinheiro. É o que temos de conseguir!
O jovem carijó, com o amor próprio ferido, não se conteve: é tudo muito bonito, mas como os humanos conseguiram reduzir o tamanho do governo para conter as raposas, se são elas que fazem as leis?
O velho galo, com a fleuma própria da idade, sinalizando concordância: realmente é um senhor desafio! Os ansiosos, acreditaram que apoiando-se nas pessoas, mudariam as regras da governança e tudo estaria bem encaminhado. Estes, sem exceção, fracassaram. Os que conseguiram a solução foram os que pensaram a longo prazo. Os bem sucedidos foram os que trabalharam para que a opinião pública exigisse dos governantes a redução das raposas organizando o Estado sobre um governo mínimo. Não serão os políticos que reduzirão o tamanho do governo, a menos que exista uma forte pressão da opinião pública. Um galinheiro só será aquilo em que acreditam os seus galináceos.
São Paulo, dezembro de 2020.
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