quinta-feira, 31 de outubro de 2019



A Fábula Da Miragem.



Era uma vez, na selva africana, um leão em idade avançada, saudável e ativo, que andava de cabeça baixa. Não mais lutava pelas fêmeas  e tinha perdido o domínio territorial   para os mais jovens. Vivia isolado passando todo o tempo dormindo. Quando olhava o  reflexo da sua bonita juba, na água da lagoa, ficava envaidecido. Continuava  a se ver como  o rei dos animais. Contudo, não entedia por que , com o seu porte imponente, as da sua espécie não mais o cortejavam, nem  valorizavam o seu desempenho  como reprodutor e defensor da prole;  e  menos ainda a sua experiência e valentia. Ele se sentia  voltado para o passado -  sem  futuro
Como a natureza não admite vácuo, ele preenchia os  seus dias com reflexões que  registrava  em textos e poesias. Foi esta a sua escapatória para não se entregar ao desânimo, mas  sentir-se  útil.
Um dia, como algumas vezes acontece, surgiu no seu território uma leoa jovem, graciosa, cheia da vivacidade e alegria que ele tanto admirava. Encantou-se. Pensou: em outros tempos está seria a companhia ideal. Ato contínuo olhou a “ garota “ com intensidade, e ela sorriu. Ficou intrigado: sorriu para mim? Não é possível! Olhou ao redor e não viu mais ninguém. Era só seu aquele sorriso! Pensou surpreso -  Até que enfim surge uma alma gêmea para colorir os meus dias! 
Levantou-se e foi ansioso ao encontro dela. Estava feliz e radiante... ressuscitado. Neste, entretempo, ela sumiu. Esfregou os olhos, procurou por todos os lados... nada! Tinha desaparecido. Constatou decepcionado que tudo não era mais do que  uma ilusão, uma miragem,  que se desfez ao despertar do sono profundo em que estava.
Acordado, caiu na  realidade. A vida para ele voltava  a ser como antes, nada mais do que sonhos e ilusões, quando muito alguma miragem! E ele , novamente  de cabeça baixa, retornou à sua cova, mas feliz e agradecido pelo instante de felicidade vivida naquele sonho de amor.  Ah! Como é doce  sonhar! Que falta  faz a  esperança! Suspirou e voltou a dormir.

Moral da história - As miragens se seguem aos desejos exacerbados também na política. Nem só de amor elas se alimentam. Há ilusões / eleições para todos os anseios!


The Happy End.

terça-feira, 29 de outubro de 2019


Ser Velho.

Não basta:

Ter as juntas rotas,
A pele enrugada,
O fôlego curto,
A visão  embaçada.

 Não ter  curiosidades,
 Rejeitar as  novidades,
Não querer aprender,
Nem  plantar para colher.

Matar qualquer ilusão,
Disposição de arriscar.
Sofrer por antecipação
Ao risco de fracassar.


Não ceder  e nem  tentar
O glorioso  e o cobiçado, 
Não atendendo  ao  pecado,
Não ousando  se apaixonar.  


Só falar do que passou,
Das oportunidades perdidas,
Das batalhas vencidas
Do que era bom e acabou.

 Não ter  fé, nem  esperança,
Na volta  da oportunidade,
Nos tempos da bonança 
E da perene felicidade

Não ter razão para viver,
Um projeto a realizar, 
Um  desafio a superar,
Não ter o que dar e receber.

 Só  se é velho quando:

Apagam as mentes,
Não se lançam sementes
Dos  sonhos e ilusões
Que acendem os corações.



Jorge Wilson Simeira Jacob
As minhas Reflexões 

29 de Outubro de 2019.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Octogenariedade.*



O octogenário é um vencedor!
Era feliz e não sabia.
Superou os desafios do tempo,
Experimentou vitórias e  derrotas ,
Viu heróis tombados pelo caminho
E bandidos bem sucedidos.
Perdeu conhecidos e amigos, 
Com eles,   pedaços de si mesmo e
Da sua história , que sabe ser irrecuperável.
Fez cousas certas que deram errado
E muitas erradas que deram certo.
Conheceu a sorte e o azar.
Teve ilusões de amores,
Sonhos de glórias ... Muitos  em vão.
Nunca viu morrer a esperança, 
Nem  deixou ao meio o que começou.
Não perdeu o prazer de aprender, 
Caminhando como se tudo fosse novo
Tendo a curiosidade como  aliada inseparável.
Não sabe quantas vezes caiu,
Só se lembra das que  se levantou.
Do passado só guarda o que tem valor,
O inútil e os fracassos joga no lixo.
Já não tem vaidades  fúteis nem úteis,
Usou e abusou desta virtude.
Não o incomoda mais
Um fio de cabelo fora do lugar,
Uma camisa amarfanhada, 
Uma braguilha desabotoada.
O espelho, as grifes não o atraem,
Não se importa com a  moda, com o luxo,
O conforto se sobrepõe à  elegância.
A opinião alheia não mais lhe afeta,
Sabe quem é, e nada mais quer ser.
Não quer disputar nada com ninguém,
Não pede passagem, lhe oferecem.
Dele mais ninguém tem ciúme,
Muito menos inveja,
E não as têm de ninguém.
Nunca é uma ameaça.
As moças oferecem o  carinho 
E a  liberdade antes negados.
Não tem competidores, 
Nem rivalidades, só condescendências. 
A sua fragilidade é a sua fortaleza.
Agora é uma figurinha carimbada ,
Uma  raridade nos álbuns de colecionadores,
Faz parte de uma minoria .
Tornou - se valioso e sabe disto.
Não sofre mais as angústias da puberdade, 
A crise da meia idade, a fase do lobo,
Os fracassos e as desilusões amorosas.
Pensa grande, mas avança com cautela.
Tem todo o tempo do mundo,
Sabe que  ele não vai acabar.
Faz tudo devagar, saboreando.
Apreendeu a beleza escondida sob as rugas,
O valor das marcas do tempo.
Olha tudo de maneira diferente,
Enxerga com  a percepção do artista,
No simples vê o lado da obra prima, 
Onde o jovem, cego ao belo, ao real,
Só  enxerga o aparente , o superficial.
Não tem urgência de ver  a marca da chegada,
Aproveita cada momento como se fosse único,
Valoriza cada atenção como se fosse a última.
Ao contrário dos jovens, sempre apressados ,
Mesmo com todo o futuro pela frente,
Que correm como se estivessem na final, 
Furiosos  como se fossem dominar o mundo, 
Professa a  suprema sabedoria
De não se levar  muito a sério.
Sabe não ser ninguém e que tudo é nada!
Encara com humor  as suas desditas,  
Faz da alegria a sua constante companhia. 
Não compartilha tristezas e más notícias,
As tem como só suas, são exclusivas.
Faz pilhérias  de si, dos seus projetos e de tudo,
Principalmente dos seus fracassos.
Sabe que tudo muda, que nada é perene, 
Que  o tempo é para ser usado
E não deve ser desprezado, 
Que os  angustiados usam a  impaciência
Para cavar  a própria  sepultura.
Acima de tudo, é rico  de sentimentos,
E vibra com as emoções, 
Tem entusiasmo para dar e vender,
Se emociona com a solidariedade 
Mas tudo canaliza  para o principal:
Àqueles que ama, respeita e admira.
Tem mais amor, amizade a dar que a receber.
A Octogenariedade é um estado  de espírito,
É estar acima das tentações da carne,
Da inveja e das glórias deste mundo. 
Como um anjo, não tem sexo e nem peso.
Aos oitenta ficou invisível, ninguém o vê.
A vida é toda sua e recomeça agora, 
Não mudará  nada do que foi ou fez,
Mesmo tendo vivido intensamente,
Só se arrepende do que não tentou fazer,
Tem convicção de que  é único,
E que o mundo é todo seu. 
Alimentando a alma com idealismos
E por  estar acima do bem e do mal ,
Sublimou!!!  É feliz e agora sabe! 


*. Octogenariedade, neologismo para adjetivar à condição de octogenário.


Jorge Wilson Simeira Jacob
As Minhas Reflexões 


Outubro, 2019

sábado, 26 de outubro de 2019


POBRE DEMOCRACIA.


“A democracia é o pior dos regimes, exceto todos os demais “.

Winston Churchill 


É  desconhecer a  filosofia da democracia esperar dela   a solução para todos os males da nação . Churchill tinha consciência destes  limites.  Antes dele, Platão abjurava a democracia, pois foi o voto popular que levou Sócrates à morte; e  os Founding Fathers, fundadores dos Estados Unidos , sem uma única exceção,  acreditavam que a democracia nada mais era do que o governo do populacho, da gentalha, e da multidão, tendo John Adams, um deles,  dito que o voto popular poderia tornar a democracia em um regime com uma  massa de despossuídos e vagabundos ávidos por partilhar os ganhos dos que produzem  e poupam. Não por outra   razão, outro constitucionalista , Randolph de Roanoke,  declarou:  Eu sou um aristocrata: eu amo a liberdade; eu odeio a igualdade. Não se nota nestas posições uma ponta de egoísmo, mas, uma defesa do voto qualificado  pelos 
 intelectuais,  que temiam ser  o governo escolhido pelo voto popular   um  fator a impedir a prosperidade econômica e estímulo a uma divisão da sociedade - o nosso conhecido slogan populista ,  entre o nós  e eles. Entretanto, essas previsões pessimistas não se materializaram. Em  mais de duzentos anos sob  o  regime democrático, com voto popular,  a grande inovação americana ,  os Estados Unidos se tornaram a maior potência econômica mundial. 

Onde eles erraram?

Em nada. A prosperidade americana aconteceu à despeito da democracia, do governo, que, como sempre, ajuda quando não atrapalha! Ela aconteceu por ordem e graça da economia de mercado como, em contrapartida, faliu a União Soviético por desordem e desgraça da economia de comando estatal.  A mesma  democracia não garantiu   esta prosperidade e estabilidade política  à Grécia, à  Itália, ao Brasil... Nestes o socialismo  crescente ,sufocando a livre iniciativa, é a causa do subdesenvolvimento. Ao  contrário dos   Estados Unidos, onde  - até  a recente chegada de dois populistas:  o esquerdista  Obama e o direitista  Trump -    tem prevalecido a cultura da liberdade individual, da economia de mercado, sendo cada cidadão  responsável por si mesmo e a não esperar do governo ou dos outros aquilo que deve  fazer por si mesmo. Cada um pra si e Deus pra todos! O que vai contra a proposta populista de distribuição da riqueza sem consideração ao mérito, de grande apelo nos países latinos -   dos amigos da pobreza e inimigos dos pobres.


Tudo democraticamente falando, pois na    organização  política do Estado cabe à democracia, se for o caso,  retratar a vontade da maioria dos eleitores, propiciando  ( acredita-se ) a tranquilidade social e, como ensinava Bobbio,  livrar-nos   dos piores. O que garante a  prosperidade é a economia de mercado sob um governo mínimo. Se não houver mudança na ordem de valores, substituição do tirar vantagens do trabalho dos outros, de ter respeito pelo mérito, segurança jurídica, os países da América Latina, que nos dizem de perto,  vão viver como pêndulos - vão da desordem à ordem e volta à desordem, da democracia à ditadura e volta à democracia. Para isto basta  surgir um  demagogo a liderar a massa a uma  possível ditadura  ou de volta ao populismo para avançar na renda e nas poupanças alheias, quando houver, se uma crise econômica exigir sacrifícios  por longo tempo, como a Argentina do Macri e o Brasil do Bolsonaro.

Esta tragédia, que deixou de ser só grega, acaba por dar  razão aos que temem  o voto de  maiorias em sociedade sem a formação  cultural  dos anglo-saxões, que se tornam  presas fáceis do populismo, cujo final costuma ser a pobreza e a ditadura. Por definição ,  a democracia não é o caminho mais curto e mais rápido para superar desafios estruturais. Ela não faz milagres. O consenso e os checks and balances demandam tempo para  negociações e não asseguram o resultado ideal. A Grécia, que  inventou a democracia há dois  mil anos  não se livrou do subdesenvolvimento e nem dos ditadores - vive no atraso.


Entrando na análise do processo , o ser político, instrumento básico para funcionamento da democracia,  só pensa nas próximas eleições, sendo  ingenuidade acreditar que ele  tenha prioridade outra  e que se possa  desvia-lo desse foco. Mesmo as ações de real interesse da nação só merecem o seu empenho se atender ao seu objetivo eleiçoeiro. Não ser eleito é perder o emprego que paga as suas contas e  dá acesso para  satisfação do seu ego. Um posto no sistema é a diferença entre ser alguém, ser importante ou ser um Zé ninguém. Como nada motiva mais o ser humano do que a competição,  sendo a eleição uma competição feroz, um candidato joga tudo, o que tem e o que não tem,  como no jogo de azar , em ação que o possível perdedor é a nação. Para o jogador, o suicídio é o limite! O contraponto ao desvario, seria , como na democracia aristocrática , que os eleitos tivessem, fora do governo, um patrimônio ou prestígio a perder - o que poderia funcionar como um freio a balancear - check and balance -   os seus interesses e os  da sociedade. 

Pobre democracia, ou se muda ( o ideal ) a mentalidade populista-estatizante ou se adota ( the second best) o voto qualificado - uma câmara de Lords - ou teremos mais do mesmo.

Jorge Wilson Simeira Jacob

Reflexões - outubro 2019.



quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Até tu, Chile!




Herbert Mcluren antecipou-se prevendo que, com a evolução da comunicação e dos transportes,   o mundo se tornaria  uma Aldeia Global -  “ um local de muito  duras interfaces  e muitas situações abrasivas”.  E ele ainda  não conhecia, por não existir, os apps da internet: Whatsup, Facebook, Facetime, Instagram e E-Mail, que encolheram mais ainda o mundo e viraram de ponta cabeça as relações humanas. A fofoca e o mexerico  típicos  das pequenas paróquias estão  a todo vapor. Agora todos estamos on-line conectados com o mundo. A informação  movimenta massas em escala e com velocidade tão expressivas  que uma ação como as Diretas Já deixou de ser referência. Collor convocou o povo às  ruas de verde e amarelo, o tiro saiu pela culatra, prevaleceu o preto que resultou no seu impeachment; Dilma Presidenta ganhou novo mandato nas urnas, mas foi deposta pelas multidões nas ruas; Bolsonaro se elegeu,  contra todos os partidos e a  imprensa,  só usando as médias eletrônicas... e por aí vai. Este fenômeno não está limitado ao Brasil ! Hong Kong está em pé de guerra contra a China e o Chile contra o ( recém) reeleito Presidente Piñera.

Certamente a facilidade de comunicação tem sido o instrumento para catalizar descontentamentos, revoltas e oposição como parte do jogo político. Ela não é a causa, ainda que tenha forte poder de persuasão,  mas  tem permitido ao  cidadão  ignorar a democracia representativa. Os governantes, majoritariamente escolhidos, não mais representam de forma absoluta a vontade da sociedade. A democracia representativa está sendo questionada. O povo. nas ruas se sobrepõem às autoridades que: destituem governos  como Collor e  Dilma,  mudam a Lei em Hong Kong e cancelam as tarifas do Metrô no Chile. Este é um cenário que pode ser caracterizado, à exemplo do modelo Suíço, como plebiscitário. O povo vota diretamente nas ruas. Em comum todos estes  movimentos  se viabilizaram pela  comunicação direta entre o emissor e o receptor. Acabou o filtro da imprensa formal, profissional. O jornalismo perdeu o monopólio da informação e da crítica . As massas formam opinião, em igualdade  de condições com as elites,  diretamente na fonte - os intermediários perderam a importância. Os governos perderam autoridade.

O que  há de comum nestes eventos?

O elo entre eles está no encontro de uma insatisfação com  um pretexto, um bode expiatório, para sensibilizar as  massas.  Nas Diretas Já , os militares,  no caso de Collor  e Dilma, a corrupção, e em Hong Kong o repúdio  ao judiciário da China e no   Chile, as tarifas do Metrô . Mas um  estopim só provoca uma crise quando a pólvora está seca. E ela é inflamável em Hong Kong pela ameaça à liberdade e na América Latina pela  desigualdade econômica, que exarcebada pelos novos meios de informação,  estimula a inveja e a cobiça . O que mais explicaria  a revolta no Chile senão estes sentimentos menores? A sua  renda per capita e nível de emprego   é a melhor da América Latina,  o salário mínimo é quase o dobro do brasileiro e o crescimento econômico é o melhor da região. Não há problema de segurança pessoal, as finanças públicas estão em ordem e a inflação é a ideal. Portanto em termos comparativos, tendo em conta as suas limitações geográficas, o Chile está melhor do que todos os seus vizinhos. Não é por menos que é admirado, até invejado.

Neste contexto  chama a atenção a atual  crise chilena pelo  seu histórico político: beijou o comunismo , viveu uma longa  ditadura, experimentou  uma democracia com um  capitalismo bem sucedido e um socialismo conservador  e acaba de reeleger o  representante do capitalismo. Por tudo se  tornou motivo de  respeito de todos  pela ordem, desenvolvimento, eleições livres e sequência de governos decentes. Com tudo isto, é  de admirar que ,  tendo  uma população pequena, onde o governo está próximo do povo para administrar as  suas aspirações e revoltas, tenha  chegado ao atual estado de rebelião. Não se pode afirmar que a população desconhecia    este presidente e a  sua proposta de governo. A mesma implantada por Pinochet e, desde a sua saída em  1990,   mantida por todos os governos que o sucederam...até pela  comunista Bachelet. 

O que deu errado?  

Este é  um fenômeno do subdesenvolvimento, que no processo de crescimento acentua uma desigualdade que exige tempo para ser reduzida. Seria uma classe média em ascensão que tem pressa e gula para repartir o bolo em crescimento?  Tudo leva a crer que sim, pois não é  outra a intenção  dos revoltados chilenos senão o de  passar a conta da  universidade  e da  aposentadoria para a sociedade. Os revoltados pedem mais governo, mais do mesmo que repudiaram no passado. Esta é, acredito,  a razão da  China enfrentar o desafio econômico liberando  a economia , mas sob forte ditadura.  A  democracia representativa tem dificuldades de conviver  com um processo de desenvolvimento, o qual na decolagem  acentua as desigualdades e aguça o apetite.

Surpreendidos pelo inesperado, cabe perguntar, como César: até tu, Chile! Até tu que saístes das trevas do populismo-estatizante para um desenvolvimento sustentável  se deixa seduzir pelo canto da sereia!!!


Jorge Wilson Simeira Jacob

As Minhas Reflexões 

Outubro, 2019







sexta-feira, 4 de outubro de 2019

AS MINHAS  REFLEXÕES .


Ao longo da vida, escrevi textos que colecionei sob o título de As Minhas Reflexões, os quais eram tentativas de equacionar os elementos de  fatos, opiniões, ideias de terceiros  e mesmo  dúvidas pessoais. Esta coleção, como entendia, seria o registro de temas que me fizeram parar para pensar. Em muitas   das trocas de ideias, principalmente  nas que foram aceitas, ao final restava em mim uma sensação de vazio, da  falta  de  algo - uma insatisfação com a minha  retórica.

Nada de surpreendente nesta frustração. A boa comunicação é uma arte para poucos, e ressinto-me desta fraqueza.  As palavras, o seu principal  instrumento, são traiçoeiras, mudam de significado dependendo do momento, da posição , dos ânimos ... de  quando e como  são usadas.  Além de terem significados e pesos diferentes, o entendimento é dificultado pelo fato de nossas  trocas de opiniões ocorrerem  desordenadamente, impossibilitando  o desenvolvimento completo do raciocínio. As exposições, de ambas as partes,  são interrompidas, truncadas,  nunca voltam ao mesmo ponto e nem sempre ao mesmo argumento. Elas saltam nas conversas, de um  aspecto para outro, como cabritos festivos  soltos no campo. Não se consegue andar em linha reta, vai-se  como bêbado,  tropeçando nos contra-argumentos, confusos  pelo calor do debate , para cair vítimas de desinformação e de falácias.

Segundo o Gênesis , a causa desta dificuldade  se deve ao fato dos homens, desafiando o Criador, estarem construindo  a  Torre de Babel para alcançar o céu. Ele ,  insatisfeito, liquidou  está pretenção, pura e simplesmente poluindo as suas linguagens.  Os homens, sem o  poder de  comunicar-se, perderam a condição de convivência e a Torre ruiu.  Se é verdade ou mito não importa, o que se acredita é que a partir daí  nunca mais a comunicação facilitou o entendimento humano. Depois de Babel,   os diálogos viraram  conversas de surdos, todos falam, ninguém ouve! E quando escutam , não apreendem. 





Não foram  necessários muitos fracassos  para descobrir que, diante da dificuldade,  os debates  improvisados devem   ser evitados. Preparar-se é uma postura de prudência pessoal e de respeito aos interlocutores. Ir aos   por quês é a base da sabedoria! Entrar no embate , de bate pronto, tomando  partido só com base em nossas convicções e  intuições, é suicídio. Coloca em risco não convencer o interlocutor e não ser convincente, tendo como  resultado    a sensação de ter sido atropelado pelo próprio despreparo. Um  enfrentamento deve evitar a exposição desordenada das razões, mas, ao contrário, deve ter   começo, meio e fim - sem tergiversar. Uma razão a  ser transmitida , ainda que sólida , exige domínio completo sobre  ela.  Para  saber basta entender, mas para convencer se exige muito mais. 


 Com a  consciência dessas dificuldades, procurando  otimizar a minha argumentação , desenvolvi como  método,  o hábito de  escrever sobre os assuntos que se apresentavam, quer sejam os provocados por terceiros ou  fruto de uma  tendência natural, alinhando as ideias, tendo em vista a tese, antítese e  a síntese .Colocar sistematicamente um tema no papel,  obriga a racionalidade e a coerência.Escrever, que tem sido meu método de ordenar ideias e memorizar textos,  tem a  virtude de  poder  submete-lo  à críticas para  validação das premissas,  das conclusões e  da clareza da exposição. Mesmo depois de  correções,   nunca um texto agrada a  gregos e troianos. A boa interpretação da leitura é influenciada por fatores diversos: percepção da outra parte do  ponto de gravidade da tese; da capacidade de avaliação das ações e reações apresentadas; do estado de animo do leitor no momento, as sua idiossincrasias e os seus  possíveis interesses. Um leitor, como regra, está preso às suas crenças, ideias  e paixões, e por emoção resiste a  ter empatia com ideias contrarias. Só as mentes muito abertas, treinadas a serem  expostas ao contraditório, não adeptas à verdades dogmáticas, podem assimilar  diferentes significados. O que dá força à crença  popular de que “ ninguém convence ninguém, podemos mudar a sua   perspectiva“ .

As reflexões foram escritas   como treino ao desafio  de transmitir minhas razões, se possível, convincentemente. Foram elaboradas   tendo  como foco  mostrar fatos da vida por um outro ângulo, de uma outra perspectiva, quando for o caso, talvez com isto ajudando  o leitor a pensar o mundo out of the box e a evitar o efeito manada. 

 Se conseguir,  valeu a pena publicar as minhas reflexões.

Jorge Wilson Simeira 

Reflexões - outubro 2019.