Até tu, Chile!
Herbert Mcluren antecipou-se prevendo que, com a evolução da comunicação e dos transportes, o mundo se tornaria uma Aldeia Global - “ um local de muito duras interfaces e muitas situações abrasivas”. E ele ainda não conhecia, por não existir, os apps da internet: Whatsup, Facebook, Facetime, Instagram e E-Mail, que encolheram mais ainda o mundo e viraram de ponta cabeça as relações humanas. A fofoca e o mexerico típicos das pequenas paróquias estão a todo vapor. Agora todos estamos on-line conectados com o mundo. A informação movimenta massas em escala e com velocidade tão expressivas que uma ação como as Diretas Já deixou de ser referência. Collor convocou o povo às ruas de verde e amarelo, o tiro saiu pela culatra, prevaleceu o preto que resultou no seu impeachment; Dilma Presidenta ganhou novo mandato nas urnas, mas foi deposta pelas multidões nas ruas; Bolsonaro se elegeu, contra todos os partidos e a imprensa, só usando as médias eletrônicas... e por aí vai. Este fenômeno não está limitado ao Brasil ! Hong Kong está em pé de guerra contra a China e o Chile contra o ( recém) reeleito Presidente Piñera.
Certamente a facilidade de comunicação tem sido o instrumento para catalizar descontentamentos, revoltas e oposição como parte do jogo político. Ela não é a causa, ainda que tenha forte poder de persuasão, mas tem permitido ao cidadão ignorar a democracia representativa. Os governantes, majoritariamente escolhidos, não mais representam de forma absoluta a vontade da sociedade. A democracia representativa está sendo questionada. O povo. nas ruas se sobrepõem às autoridades que: destituem governos como Collor e Dilma, mudam a Lei em Hong Kong e cancelam as tarifas do Metrô no Chile. Este é um cenário que pode ser caracterizado, à exemplo do modelo Suíço, como plebiscitário. O povo vota diretamente nas ruas. Em comum todos estes movimentos se viabilizaram pela comunicação direta entre o emissor e o receptor. Acabou o filtro da imprensa formal, profissional. O jornalismo perdeu o monopólio da informação e da crítica . As massas formam opinião, em igualdade de condições com as elites, diretamente na fonte - os intermediários perderam a importância. Os governos perderam autoridade.
O que há de comum nestes eventos?
O elo entre eles está no encontro de uma insatisfação com um pretexto, um bode expiatório, para sensibilizar as massas. Nas Diretas Já , os militares, no caso de Collor e Dilma, a corrupção, e em Hong Kong, o repúdio ao judiciário da China e no Chile, as tarifas do Metrô . Mas um estopim só provoca uma crise quando a pólvora está seca. E ela é inflamável em Hong Kong pela ameaça à liberdade e na América Latina pela desigualdade econômica, que exarcebada pelos novos meios de informação, estimula a inveja e a cobiça . O que mais explicaria a revolta no Chile senão estes sentimentos menores? A sua renda per capita e nível de emprego é a melhor da América Latina, o salário mínimo é quase o dobro do brasileiro e o crescimento econômico é o melhor da região. Não há problema de segurança pessoal, as finanças públicas estão em ordem e a inflação é a ideal. Portanto em termos comparativos, tendo em conta as suas limitações geográficas, o Chile está melhor do que todos os seus vizinhos. Não é por menos que é admirado, até invejado.
Neste contexto chama a atenção a atual crise chilena pelo seu histórico político: beijou o comunismo , viveu uma longa ditadura, experimentou uma democracia com um capitalismo bem sucedido e um socialismo conservador e acaba de reeleger o representante do capitalismo. Por tudo se tornou motivo de respeito de todos pela ordem, desenvolvimento, eleições livres e sequência de governos decentes. Com tudo isto, é de admirar que , tendo uma população pequena, onde o governo está próximo do povo para administrar as suas aspirações e revoltas, tenha chegado ao atual estado de rebelião. Não se pode afirmar que a população desconhecia este presidente e a sua proposta de governo. A mesma implantada por Pinochet e, desde a sua saída em 1990, mantida por todos os governos que o sucederam...até pela comunista Bachelet.
O que deu errado?
Este é um fenômeno do subdesenvolvimento, que no processo de crescimento acentua uma desigualdade que exige tempo para ser reduzida. Seria uma classe média em ascensão que tem pressa e gula para repartir o bolo em crescimento? Tudo leva a crer que sim, pois não é outra a intenção dos revoltados chilenos senão o de passar a conta da universidade e da aposentadoria para a sociedade. Os revoltados pedem mais governo, mais do mesmo que repudiaram no passado. Esta é, acredito, a razão da China enfrentar o desafio econômico liberando a economia , mas sob forte ditadura. A democracia representativa tem dificuldades de conviver com um processo de desenvolvimento, o qual na decolagem acentua as desigualdades e aguça o apetite.
Surpreendidos pelo inesperado, cabe perguntar, como César: até tu, Chile! Até tu que saístes das trevas do populismo-estatizante para um desenvolvimento sustentável se deixa seduzir pelo canto da sereia!!!
Jorge Wilson Simeira Jacob
As Minhas Reflexões
Outubro, 2019
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