O Liberalismo —antigo e moderno.
Entre as tantas classificações do ser humano, uma é a de sermos superficiais. Caminhamos pela vida com certa displicência. Se andamos por uma via, seja no campo das ideias ou no da vida prática, pouca atenção damos às nuances do ambiente. Só olhamos para os detalhes se algum fator nos impulsionar. Nada de errado. Não fosse assim não avançaríamos. Porém se, nas situações mais complexas, ignoramos a diversidade das situações podemos correr o risco de grandes erros. Seria como caminhar nas nuvens, sem olhar os buracos no chão.
Os intelectuais existem para nos livrar dessa superficialidade. Atentos às particularidades, comparando, analisando e propondo situações, eles são o nosso farol. São eles que desses perigos nos livram. Focados nos detalhes, sem perder a visão panorâmica, nos equilibram entre a vida prática e a intelectual. Este é o papel que faz com mestria José Guilherme Melquior , no seu livro O Liberalismo - Antigo e Moderno ( É Realizações Editora, 383 páginas, 59,89 ) .
Entre tantos alertas, Melquior chama atenção para as seis formas de liberalismo, como também para as do socialismo. No liberalismo aponta para um erro comum de definição, quando muitos entendem o liberalismo como sendo tão só a economia de mercado, a livre iniciativa e a propriedade privada. A este credo ele dá o título de liberismo . Ele valoriza o liberismo por acreditar que: “ se não houver liberdade econômica as outras liberdades - a civil e a política - desaparecem”. O liberalismo, entretanto, tem uma abrangência muito maior, difere do conservador , pois este admite restrições à liberdade política em nome do tradicionalismo, do organicismo e do ceticismo político.
Crítico das sociedades intervencionistas, Melquior entende que na América Latina, como regra, não existe a democracia liberal. Não aceitamos a disciplina do mercado. Somos muito burocratizados, mantemos inchadas máquinas públicas e apegados à reserva de mercado. Esta é uma prática mercantilista.
O texto abrange os trezentos anos da história do liberalismo. É uma enciclopédia de conhecimentos, que só uma mente privilegiada como a do autor poderia conceber. Ler esse livro é sair de uma visão superficial e entender realmente o liberalismo. O liberalismo é uma filosofia de vida, que tem como escopo a realização do ser humano.Cuida da sua dignidade. Enquanto que o liberismo está focado no melhor desempenho econômico.
O liberalismo atento às desigualdades as aceitam. Em regime de liberdade prevalecem os mais aptos. William G. Summer é citado : “ a despeito de toda a dureza, a lei da sobrevivência não era obra do homem, portanto, não pode ser ab-rogada pelo homem”.
O livro recebeu algumas críticas por dar pouco espaço às experiências liberais na América Latina. Há um bom capítulo sobre os liberais argentinos, Sarmiento e Alberdi - que, enquando praticada, a colocou entre as cinco nações mais ricas do mundo e , entregues ao populismo a jogaram de joelhos na pobreza. Caminho que estamos a seguir.
José Guilherme Melquior, reconhecidamente uma das mentes mais privilegiadas do Brasil, e certamente no mundo, faleceu precocemente aos 49 anos de idade. À ocasião da sua morte foi dito que: “Deus faz dessas coisas. Fábrica gênios e depois quebra o molde”. Era poliglota, diplomata, erudito e um estudioso. Surpreende no livro a capacidade de análise das diversas escolas do pensamento, colocando-as, lado a lado, e extraindo a sua essência. Difícil é ficar indiferente à distância que nos separa de um gigante das ideias como foi Melquior. Como conseguiu saber tanto, de política, economia e sociologia, se é que não soube tudo, em tão curta vida?
Na introdução do livro, Roberto de Oliveira Campos, disse: “ este é um livro liberal sobre o liberalismo, escrito por quem acredita que o liberalismo, se entendido apropriadamente, resiste a qualquer vilificação “.
Neste mundo, em que a velocidade das mudanças, em todos os campo, a superficialidade prevalece, em que os estatolocrátas tomaram conta, não se deve deixar de olhar mais a fundo, para saber definir o liberismo e o liberalismo. Isto faz muita diferença. O liberismo é um braço importante do liberalismo. Certamente sem ele o liberalismo não sobreviveria.Mas o liberalismo é muito mais abrangente. É o ideal de uma sociedade de homens livres, em vez de autônomos ao mercê do Estado.
Enquanto o liberalismo está voltado para o bem do indivíduo, em oposto ao socialismo que o está para a supremacia do Estado. Enfim, se você é adepto da economia de mercado é um liberista; se da valorização do ser humano, você é um liberal.
São Paulo, 04 de agosto de 2023.
Jorge Wilson Simeira Jacob
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