O CORROSIVO DA DEMOCRACIA.
Desde as primeiras ideias de democracia na Grécia Antiga até aos nossos dias muita coisa mudou. Idealizada para ser um governo de filósofos eleitos por uma elite - os homens livres e proprietários de terras, não é mais. Com a dinâmica da sua evolução tem agora os governos eleitos pelo voto universal - um voto sem qualificação. O poder mudou de mãos.
Platão ( 428 a.C - 348 a.C ) filósofo ateniense, autor do livro A República, temia o governo eleito pelas massas. Tinha restrições a dar poder de voto ao povo. Democracia sim, mas qualificada. Segundo ele, o governo deveria ser exercido pelos filósofos - Sofocracia ou “governo dos sábios”, que entendiam da administração. Em defesa da sua tese, ele perguntava: - “ a quem deve ser entregue o comando de um navio? Ao mais qualificado ou a um escolhido pelos marinheiros?” Antevia por intuição a ameaça do populismo.
O norte-americano James Madison, Jr (1751-1836) conhecido na história de seu país como um dos Pais Fundadores da nação e considerado o principal dos redatores da Constituição americana, externava também preocupação com a democracia popular. Previa que a nação poderia tornar-se “uma massa de carentes ávidos por apropriar-se dos bens alheios”.
Até a criação dos Estados Unidos da América ( 1 776 ) , com a libertação da Inglaterra, a organização das nações sob a égide da democracia praticamente caiu em desuso. O mundo, desde a experiência grega, foi por séculos governado por regimes autoritários: ditaduras e monarquias. A democracia só ressuscitou na recém criada nação americana, que inspirou as nações libertadas das monarquias. Entre elas o Brasil.
Após a Proclamação da República ( 1 889 ) não se praticou a democracia por aqui. Os governos brasileiros foram exercidos por ditadores ou escolhidos em eleições manipuladas, sendo notórios os currais eleitorais, o voto de cabresto e a política café com leite, que alternava o poder entre São Paulo e Minas Gerais. Com o fim da ditadura Vargas, tem início a prática de eleições democráticas no país, excetuada a intervenção militar ( 1 964-1 985 ).
As previsões de Platão e de Madison, das maiorias avançarem sobre as minorias, realizaram-se , primeiramente na Itália com Mussolini e predominantemente na América Latina. Os demagogos tiraram proveito do populismo. Destacando-se Vargas no Brasil e Peron na Argentina. O populismo encontrou terreno fértil na região : ignorância, pobreza, uma cultura propensa ao “pai protetor” e ao líder carismático. Neste sentido Vargas , “ pai dos pobres “ foi um precursor com as suas políticas populistas, o welfare state inspiradas em Bismarck , cuja herança maldita foram as Leis Trabalhistas e a Justiça do Trabalho.
Peron, na Argentina, foi um populista mais ousado do que Vargas. Por isto os danos foram maiores. Os “descamisados” avançaram na riqueza acumulada * e destruíram a que foi uma das mais ricas e desenvolvidas das nações do mundo. O seu governo é um exemplo dos estragos do populismo. Distribuiu riqueza acumulada para gerar pobreza.
O populismo , na perspectiva histórica , tem vida curta no Brasil, mas plena de presidentes demagogos. O suficiente para estiolar o dinamismo da economia. O populismo é uma moléstia de vida longa. Não morre de morte natural. E é altamente contagioso. Está em prática, além dos exemplos citados, em muitos países, ameaçando inclusive os Estados Unidos da América - que tem sido o modelo de democracia.
Como registro, por ser uma exceção à regra, há que se citar o Chile, que conheceu o populismo de Allende, superou o populismo do governo Michelle Bachelet, votando esmagadoramente contra uma nova constituição populista. Não por menos tem a maior renda per capita da América Latina. Enquanto a Argentina decreta feriado nacional, com milhares de simpatizantes nas ruas, para “ comemorar” o atentado com revólver de brinquedo contra a vice-presidente. O Chile faz por merecer ser rico…
O populista é um líder carismático, que tem como único objetivo o culto à sua personalidade e a manutenção do poder. Apresentam-se com a imagem de vítimas, perseguidos, mas capazes de realizar a redenção dos sofredores. Não tem compromissos com ideias e ideais, são oportunistas. Tanto os há com viés de esquerda como de direita.
O populismo coroe a democracia. É como uma ferrugem que corrói os metais. Tomei emprestado, para nomear este texto, o título do ensaio - O POPULISMO : O CORROSIVO DA DEMOCRACIA** , do autor Fernando Flora, do qual sintetizo o decálogo do populismo:
1 - o populismo exalta o líder carismático.
2 - O populista não só usa e abusa das palavras, ele se apodera delas.
3 - O populismo fabrica a verdade.
4 - O populista, na variante latino-americana, utiliza de forma discricionária os fundos públicos, até levar os negócios públicos à falência .
5 - O populista reparte a riqueza. Fica com a parte do leão e atira migalhas ao povo.
6 - O populista alimenta o ódio de classes.
7 - O populista mobiliza permanentemente os grupos sociais.
8 - O populismo fustiga o inimigo exterior. Nada como ter um bode expiatório.
9 - O populista despreza a ordem legal.
10 - O populista considera-se “especial”. Destinado a se perenizar no poder. Tem natureza totalitária, daí ser perigoso para a democracia.
Nos bons tempos o inimigo do Brasil era a saúva. Bons tempos!!! Agora são os populistas. Tristes tempos!!! Ou o Brasil acaba com os populistas ou eles vão acabar com o Brasil!
Notas
*Ao início do governo Perón, o Banco Central Argentino tinha reservas em ouro, o equivalente ao gasto pelo Plano Marshall , que recuperou toda a Europa dos estragos da segunda guerra mundial.
** O POPULISMO: O CORROSIVO DA DEMOCRACIA, ensaio de Fernando Flora, Kindle.
São Paulo, 05 de setembro de 2 022