Jogo de salão.
Estamos reunidos na sala de visitas com as crianças depois do jantar. Vamos jogar a atração do momento, um joguinho eletrônico que reproduz as relações internacionais. Dois personagens representam no jogo as duas grandes potências que disputam a liderança dos mercados. De um lado está Tio Sam, apoiado nas melhores universidades do mundo, empresas com liderança mundial em tecnologia, um sistema político confiável e emissor da única moeda de curso internacional. Mas ameaçado por um endividamento crescente e um competidor que avança a passos largos sobre os mercados. Este poderoso competidor, Tio Xi, tem as maiores reservas financeiras do mundo, maior credor do Tio Sam, uma cultura nacional estóica, disciplinada e competitiva. No jogo estão sendo disputados centenas de países, que negociam com os dois líderes mundiais. Tio Xi representa um mercado de 1bilhao e 400 milhões de consumidores de matérias primas, minerais, alimentos e exportador de produtos industrializados a preços imbatíveis e tecnologia de ponta. Tio Sam é um mercado de 320 milhões, importador comparativamente modesto dos mesmos produtos, pela menor população e alta participação da produção local no consumo nacional.
Tio Sam inicia a partida por representar o país mais poderoso do mundo. Analisando os riscos e oportunidades, ele preocupa-se com o desequilíbrio comercial em favor do adversário: déficit de 300 bilhões/ano, dependência de suprimentos, perda de competitividade no mercado internacional, dívida de 22 trilhões de dólares, déficit trilhionário e com o volume de títulos do tesouro nas mãos chinesas. Acomodado com a hegemonia mundial, desde a falência da URSS, vendo o poder escapar entre os dedos, com a arrogância de quem tem a força, em desespero de perdedor abandona a diplomacia com base no soft power e, sem cerimônias, adota a do hard power . Joga, colocando em risco a sua liderança mundial, hostilizando as nações aliadas, renegando os acordos internacionais, expatriando imigrantes e fechando às portas à imigração. Move as suas pedras regredindo aos tempos do mercantilismo de Colbert: tributa as importações para proteção da indústria local, proíbe fornecimento de insumos ou componentes para concorrentes estrangeiras da industria local, pressiona os outros países a marginalizar os concorrentes chineses, quando tecnologicamente mais avançados do que os americanos , com uma uma política de sanções* que afetam fortemente o sistema financeiro e comercial internacional. Empresas americanas não podem negociar com liberdade nem em suas filiais no exterior, o sistema financeiro é obrigado a fiscalizar o fluxo financeiro sob penalidades bilionárias, se assim decide Tio Sam. Para piorar o quadro, metade dos estados da União, democratas, têm forte viés socialista.
Tio Xi , educado na milenar sabedoria chinesa, não mostra os dentes. Não passa recibo. Faz concessões entregando algumas peças, mas sem alarde, sem ameaças, dedica-se a diplomacia soft power . Oferece empréstimos e contratos de compra de produtos de todos as vítimas da truculência americana, colocando sob o seu guarda chuva: Irã, Venezuela, paizes da África , negociando contratos e fazendo empréstimos a fundo perdido. Por incrível ironia, como líder comunista apresenta-se nos fóruns internacionais como paladino do livre mercado contra o protecionismo americano. Tio Xi, defensivamente, orienta e estimula a redução do risco da dependência de suprimentos made USA de produtos de tecnologia de ponta e do dólar como moeda das suas transações. Como maior importador do mundo e tendo poder comercial, tecnológico e financeiro posiciona-se como parceiro indispensável para muitos países. Um observador atento, assistindo ao jogo, verá que o mundo está sendo cada vez mais dependente da China e concluirá que o Tio Sam está jogando errado. A China não é a URSS, que foi à falência por ter uma economia anêmica. Ao contrário a chinesa é a economia mais pujante do mundo atual. Enquanto a China adota certas práticas do capitalismo, os Estados Unidos caminham a passos firmes na direção contrária, aposta no intervencionismo que reduz a sua competitividade. Os primeiros resultados desse mercantilismo barato do Tio Sam foram pífios **- não derrubou o déficit comercial, induziu Tio Xi à busca da auto-suficiência e abriu espaço para a China ser a liderança mundial.
O carrilhão soa as doze batidas. Todos concordam que está na hora das crianças recolherem-se. O jogo continuará ... Quem será o vencedor? A ditadura defensora do livre mercado ou a democracia apostando no intervencionismo ? O ganhador receberá como prêmio ser a primeira economia do mundo. Porém , qualquer que seja o resultado, a língua comercial continuará sendo o inglês, que, mantendo a hegemonia, não será vencido pelo mandarim.
São Paulo, 30 de abril de 2021.
Jorge Wilson Simeira Jacob
- Nota do autor - para melhor entender a amplitude do crescente intervencionismo americano deve-se ler o artigo “ Economic Sanctions” , The Economist de 24. 04. 2021, secção Finanças and Economics.
- ** Sanctions are now a central tool of governments’ foreign policy. The more they are used, however, the less effective they become. The cost of steering clear of blacklisted people and entities has risen relentlessly, especially for banks. An executive at one global bank says that after being caught and fined for breaching American sanctions, it has spent “a couple of billion” dollars on hiring more compliance people and installing better screening technology to avoid a repeat. The Economist.