domingo, 5 de abril de 2020

Um Escravo Da Sua Paixão.


O fanático está absolutamente certo que suas ideias estão corretas. Seu trabalho é “salvar” os que não acreditam na “verdade”. Aqueles que não se deixam “salvar” serão considerados inimigos. O fanático raramente mente. No entanto acredita em qualquer mentira que reforce sua crença. A parte fanática de todos nós é alvo fácil de “fake news”.
Roosevelt Cassorla, psicanalista.

Para o fanático, traidor é todo aquele que ousa mudar.
Amós Oz, escritor israelense.


A classificação do ser humano seria mais fiel à realidade se fôssemos definidos  como animais dotados da razão envolta por camadas de paixões . A razão é na pratica uma ilha cercada de paixões por todos os lados, que a limita ou anula. As manifestações a comprovar a tese encontram-se na caricatura verosímil de uma  mãe, que ao ouvir do júri a condenação do filho por tráfico de drogas e assaltos à mão armada, não se contém e grita inconformada: é um exagero, ele errou sim, mas quem não erra! Olhem no fundo dos olhos dele para ver como ele é  meigo e bondoso! Onde os jurados racionalmente viram  a maldade, a mãe apaixonada, a bondade. A paixão ao fanatizar - cega.  A mãe  não vê o crime, e o ignora  chamando a atenção para a meiguice do filho. Na escala  das paixões, no seu cume, está o fanatismo. Um  estágio doentio em que  não se admite divergências,  não se tem dúvidas e não se  aceita quem as tenha. O crê ou morre dos religiosos islâmicos ou o  nós e eles dos políticos não tem nuances,   é puro  maniqueísmo .  Esta é  a  lei que o fanático impõe inclusive aos que comungam dos seus objetivos e das suas crenças, não permitindo  questionamentos  aos métodos e/ou meios. 

De todas as paixões humanas, em quase todas as crenças  religiosas, em nome da salvação das almas perpetraram-se as  maiores crueldades da história da humanidade. Os maias (1) sacrificavam virgens para aplacar a fúria dos seus deuses; a  Santa Inquisição lançou incrédulos nas fogueiras; as Cruzadas, financiadas pelo Vaticano, atacaram os   mouros com  pessoas dispostas a dar  a vida para a  propagação da fé, A história dos fanatismos  políticos não deixa por menos. Eles, que na idolatria de ideias ou do  culto à personalidades, secundam os fanáticos religiosos com  desastres sócio-econômico-políticos  infringidos à milhões de indefesos cidadãos, como os dos  comunistas, nazistas, islamistas... . E passa o tempo, os exemplos repetem-se e os fanáticos não se regeneram. A paixão impede o uso da razão e o apaixonado fanatizado perde a auto-crítica. Ele é impermeável, como não quer ver encara  qualquer  crítica como  uma ofensa,  e não como uma diferente perspectiva de ver o mundo. Não tolera divergência nem dos que tenham identidade de crenças e  objetivos, as criticas não são aceitas como outra forma de participação. Há no ar um tabu - não se fala mal dos ídolos! Ele se fecha  na sua torre de cristal e, em nome da causa, justifica tudo. Qual filho denigre a imagem de pureza da mãe -  por pior que ela seja? 

As idolatrias à instituições e pessoas sobrevivem pela capacidade dos seguidores de racionalizar um fato ou comportamento. Somos nas primeiras abordagens, frios, racionais. Depois de alguma experiência positiva,  nós nos rendemos. É assim nas nossas diversas escolhas: desde um parceiro, um produto ou um fornecedor... se  os contatos iniciais forem  bem sucedidos, o nosso  racional cede  a vez e o emocional sobrepõem-se (2).

As paixões humanas tem infinitas causas e são afetadas por muitos fatores  secundários como os mecanismos de: simpatia-antipatia (3 ); interesses contrariados ou desejados; afinidades culturais - um autoritário se identifica com um seu igual; um ingênuo com promessas fantasiosas; um religioso com a ilusão do paraíso... e ao sublimar estes sentimentos  o fanático  se torna um escravo da sua paixão.


As Minhas Reflexões.
Jorge Wilson Simeira Jacob
05 de abril de 2020.

Notas:
1 - Nas ruínas Maias , Yucatán, México há poços d’água onde foram encontrados esqueletos com um colar de pedra no pescoço, que , segundo os arqueólogos, eram de virgens sacrificadas em serviços religiosos.
2- O marketing moderno classifica este como processo de  fidelização, que é o criar laços emocionais com o consumidor. 

3 - Sócrates foi condenado a tomar cicuta  por um ateniense, que não o conhecia, mas tinha antipatia  pela  sua notoriedade 

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