quarta-feira, 25 de setembro de 2019



Ideias, Crenças e Valores 



Segundo Max Weber , somos escravos das nossas ideias, crenças e valores, as quais   nos sujeitam   a  três tipos de dominação: o legal, o tradicional e o carismático. São elas que conferem autoridade   aos dominadores desde o começo da humanidade , pois  um  processo de dominação só existe enquanto as crenças existirem como causa. Se elas desaparecem, cessa o seu efeito, que é a subordinação.

Na política, a dominação foi  legitimada na antiguidade, no Japão e em algumas tribos africanas, pela   crença de    serem  os reis descendentes dos deuses; nas  religiões, pela crença em outra vida,  premiando os fiéis com o céu e castigando os  infiéis    com o inferno; na  vida social , com um  código de ética, não escrito, fundamentado em crenças diversas, que disciplinam o convívio entre os seus membros. Nestes exemplos e mesmo na relação familiar,   a autoridade depende das ideias, das  crenças e valores dos submetidos.

Todas as formas  de dominação tem nas crenças  um forte  aliado. Elas ficam presentes   na consciência do indivíduo. São instrumentos    invisíveis  e incansáveis  que,  usados pelos  dominadores,  fazem dele  um perigoso inimigo. As ideias ficam  tão  arraigadas nas mentes que escapando à autocrítica  passam desapercebidas, mas afloram, como a dor de consciência, como se diz, se cometemos  uma infração à  ética social. Quem já não se sentiu mal por ter mentido, enganado, burlado a confiança de alguém? No romance Crime e Castigo, Dostoiévski mostra  a  dor de consciência como o real castigo de seu personagem. Quantos crimes, não desvendados foram confessados  pelos criminosos por não suportarem o peso de sua consciência?

As crenças inseridas em nossa consciência nos escravizam. É a  polícia que temos dentro das nossas mentes. Estas crenças, em  lavagem cerebral , são usadas pelos   dominadores políticos, religiosos ou civis . Elas nos influenciam  nas  formas mais diversas, sendo a crença no pecado a mais usada. Na cultura judaica, na tábua da lei, dez mandamentos registram  as nossas  proibições. A estes, a igreja católica acrescentou mais sete pecados capitais.  A sociedade formaliza nas leis e  nos usos e como   crenças do interesse social, que quase nunca questionamos, obedecendo sem pensar.

Aí reside o grande erro -    não  distinguir, nas crenças propagadas,  o que é  razão do que é  pretexto. O celibato sacerdotal tem como pretexto a dedicação total ao Senhor, mas sua razão era evitar o desvio das rendas da paróquia para a família; a  virgindade,  a pretexto de ser condição ao matrimônio, mas sua razão   era evitar a gravidez e a preservação da família; a superioridade ariana como pretexto , mas sua razão era  criar bodes expiatórios - os  judeus, os homossexuais e os negros; as leis  britânicas, o live and let  live , pretextando civilidade, mas sua  razão era   não alimentar animosidades e perpetuar a dominação; o comunismo pretextava o fim da propriedade privada, mas sua  razão era justificar o domínio da nomenclatura.

De todas as formas de dominação a mais eficaz foi o machismo, não só por atingir mais de cinquenta por cento do universo,  por  ser a mais longeva e  pela profundidade da submissão  conseguida. A tal ponto chegou a influência da crença na superioridade masculina que muitas mulheres ainda hoje não confiam nas profissionais femininas;    aceitam que a infidelidade é  imperdoável só para elas; e sem senso critico , aceitam como  impureza o ato sexual ao não questionar a  virgindade (  pretexto ) das  mães de Buda e de Jesus para resguardar uma imagem de imaculadas, puras (  razão ).  É ato de fé a crença de Maria ter  concebido   por obra do Espírito Santo, com concordância e aceitação do São José. Uma censura ao  ato sexual das mulheres. Um desvirtuamento  de valores  que  dá aos homens a liberdade de  vangloriarem das suas aventuras, do seu apetite sexual, enquanto elas ocultam  as suas  intimidades vergonhosamente. Ao   ponto de, em passado recente, aceitarem não poder admitir o  prazer no ato sexual. Concordavam com   esta prática com o pretexto de cumprir uma  obrigação conjugal ou dar  satisfação ao parceiro. “Só as vadias tinham prazer no ato sexual”! Dizia-se.

Quando se perdeu  a crença  na superioridade dos colonizadores , ruíram as colônias romanas, inglesas e soviéticas. Quando a pílula  deu controle à fecundação, caiu o tabu da virgindade e quando a industrialização trouxe a  liberdade econômica à mulher , o machismo foi desafiado; quando a ciência substituiu a religião, a igreja católica perdeu o carisma, os  fiéis,  grande parte dos seus territórios,  reduzindo o  seu poder político e  até mesmo deixando de ungir os reis. Restando-lhe  a influência nas áreas conservadoras e atrasadas do planeta,  cedendo, em termos globais,    terreno para os pentecostais e muçulmanos.

Em resumo,  às mudanças das ideias, crenças e valores precedem a queda de algum processo de dominação. São como o vulcão cujo barulho e tremor anunciam a erupção. Barulhos e tremores  perceptíveis, hoje,  a anteceder uma erupção que ameaça   a queda de três   tipos de dominação : o  americano, o machismo e o católico.

  • o americano,  baseada na crença  do reconhecimento do mérito e igualdade de oportunidades ( democracia e liberdade individual ), que está perdendo espaço às ideias do populismo-socialista. Enquanto a China caminha no sentido inverso , praticando : na economia o  capitalismo “selvagem”, que enriqueceu os States , e na política uma autocracia que se apresenta como alternativa a enfrentar a  crescente crítica à   vulnerabilidade  da democracia ao populismo;

  • o  machismo,  sustentada na crença da superioridade da força física , que perdeu espaço para a intelectualidade, onde as mulheres se destacam;

  • e  o católico,  na crença de serem representantes de Deus na terra, na  infalibilidade  papal, no cultivo dos valores espirituais, na autoridade moral dos sacerdotes, desmoralizada    pela convivência com um  pedofilismo institucionalizado e por práticas materialistas;

Como as mudanças das crenças precedem as revoluções, e elas estão acontecendo, a  questão que se coloca  é   prever os seus efeitos. Em  que  crenças se basearão as relações políticas, religiosas e sociais no futuro?Quais serão os seus pretextos e as suas razões? Teremos o fim do império americano? Da proeminência da religião católica? Da dominação masculina?

Parece que sim!



Jorge Simeira Jacob

Reflexões 


Setembro f2019h

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