Ideias, Crenças e Valores
Segundo Max Weber , somos escravos das nossas ideias, crenças e valores, as quais nos sujeitam a três tipos de dominação: o legal, o tradicional e o carismático. São elas que conferem autoridade aos dominadores desde o começo da humanidade , pois um processo de dominação só existe enquanto as crenças existirem como causa. Se elas desaparecem, cessa o seu efeito, que é a subordinação.
Na política, a dominação foi legitimada na antiguidade, no Japão e em algumas tribos africanas, pela crença de serem os reis descendentes dos deuses; nas religiões, pela crença em outra vida, premiando os fiéis com o céu e castigando os infiéis com o inferno; na vida social , com um código de ética, não escrito, fundamentado em crenças diversas, que disciplinam o convívio entre os seus membros. Nestes exemplos e mesmo na relação familiar, a autoridade depende das ideias, das crenças e valores dos submetidos.
Todas as formas de dominação tem nas crenças um forte aliado. Elas ficam presentes na consciência do indivíduo. São instrumentos invisíveis e incansáveis que, usados pelos dominadores, fazem dele um perigoso inimigo. As ideias ficam tão arraigadas nas mentes que escapando à autocrítica passam desapercebidas, mas afloram, como a dor de consciência, como se diz, se cometemos uma infração à ética social. Quem já não se sentiu mal por ter mentido, enganado, burlado a confiança de alguém? No romance Crime e Castigo, Dostoiévski mostra a dor de consciência como o real castigo de seu personagem. Quantos crimes, não desvendados foram confessados pelos criminosos por não suportarem o peso de sua consciência?
As crenças inseridas em nossa consciência nos escravizam. É a polícia que temos dentro das nossas mentes. Estas crenças, em lavagem cerebral , são usadas pelos dominadores políticos, religiosos ou civis . Elas nos influenciam nas formas mais diversas, sendo a crença no pecado a mais usada. Na cultura judaica, na tábua da lei, dez mandamentos registram as nossas proibições. A estes, a igreja católica acrescentou mais sete pecados capitais. A sociedade formaliza nas leis e nos usos e como crenças do interesse social, que quase nunca questionamos, obedecendo sem pensar.
Aí reside o grande erro - não distinguir, nas crenças propagadas, o que é razão do que é pretexto. O celibato sacerdotal tem como pretexto a dedicação total ao Senhor, mas sua razão era evitar o desvio das rendas da paróquia para a família; a virgindade, a pretexto de ser condição ao matrimônio, mas sua razão era evitar a gravidez e a preservação da família; a superioridade ariana como pretexto , mas sua razão era criar bodes expiatórios - os judeus, os homossexuais e os negros; as leis britânicas, o live and let live , pretextando civilidade, mas sua razão era não alimentar animosidades e perpetuar a dominação; o comunismo pretextava o fim da propriedade privada, mas sua razão era justificar o domínio da nomenclatura.
De todas as formas de dominação a mais eficaz foi o machismo, não só por atingir mais de cinquenta por cento do universo, por ser a mais longeva e pela profundidade da submissão conseguida. A tal ponto chegou a influência da crença na superioridade masculina que muitas mulheres ainda hoje não confiam nas profissionais femininas; aceitam que a infidelidade é imperdoável só para elas; e sem senso critico , aceitam como impureza o ato sexual ao não questionar a virgindade ( pretexto ) das mães de Buda e de Jesus para resguardar uma imagem de imaculadas, puras ( razão ). É ato de fé a crença de Maria ter concebido por obra do Espírito Santo, com concordância e aceitação do São José. Uma censura ao ato sexual das mulheres. Um desvirtuamento de valores que dá aos homens a liberdade de vangloriarem das suas aventuras, do seu apetite sexual, enquanto elas ocultam as suas intimidades vergonhosamente. Ao ponto de, em passado recente, aceitarem não poder admitir o prazer no ato sexual. Concordavam com esta prática com o pretexto de cumprir uma obrigação conjugal ou dar satisfação ao parceiro. “Só as vadias tinham prazer no ato sexual”! Dizia-se.
Quando se perdeu a crença na superioridade dos colonizadores , ruíram as colônias romanas, inglesas e soviéticas. Quando a pílula deu controle à fecundação, caiu o tabu da virgindade e quando a industrialização trouxe a liberdade econômica à mulher , o machismo foi desafiado; quando a ciência substituiu a religião, a igreja católica perdeu o carisma, os fiéis, grande parte dos seus territórios, reduzindo o seu poder político e até mesmo deixando de ungir os reis. Restando-lhe a influência nas áreas conservadoras e atrasadas do planeta, cedendo, em termos globais, terreno para os pentecostais e muçulmanos.
Em resumo, às mudanças das ideias, crenças e valores precedem a queda de algum processo de dominação. São como o vulcão cujo barulho e tremor anunciam a erupção. Barulhos e tremores perceptíveis, hoje, a anteceder uma erupção que ameaça a queda de três tipos de dominação : o americano, o machismo e o católico.
- o americano, baseada na crença do reconhecimento do mérito e igualdade de oportunidades ( democracia e liberdade individual ), que está perdendo espaço às ideias do populismo-socialista. Enquanto a China caminha no sentido inverso , praticando : na economia o capitalismo “selvagem”, que enriqueceu os States , e na política uma autocracia que se apresenta como alternativa a enfrentar a crescente crítica à vulnerabilidade da democracia ao populismo;
- o machismo, sustentada na crença da superioridade da força física , que perdeu espaço para a intelectualidade, onde as mulheres se destacam;
- e o católico, na crença de serem representantes de Deus na terra, na infalibilidade papal, no cultivo dos valores espirituais, na autoridade moral dos sacerdotes, desmoralizada pela convivência com um pedofilismo institucionalizado e por práticas materialistas;
Como as mudanças das crenças precedem as revoluções, e elas estão acontecendo, a questão que se coloca é prever os seus efeitos. Em que crenças se basearão as relações políticas, religiosas e sociais no futuro?Quais serão os seus pretextos e as suas razões? Teremos o fim do império americano? Da proeminência da religião católica? Da dominação masculina?
Parece que sim!
Jorge Simeira Jacob
Reflexões
Setembro f2019h
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