sábado, 1 de fevereiro de 2025

 As bênçãos da  ignorância.


John Lennon ( Beatles ) afirmava que a ignorância é uma bênção porque não saber das coisas faz com que a gente não reconheça a necessidade de mudar. A ignorância vai privar você da ansiedade pela mudança e pela melhoria, mas também vai te aprisionar e te levar a acreditar no conto da carochinha.


Um pintor  está dedicado à sua função pintando uma fachada de uma casa. É uma manhã de temperatura agradável e ensolarada. José ( nome fictício ) espaça as pinceladas de tinta a óleo com o assoviar de uma alegre canção sertaneja. O sustento de sua família depende de oportunidade de trabalho, que não lhe falta, de disposição física, que tem, e de óleo para fazer a tinta, que sempre encontra onde comprar.


José está feliz. Ignora que, por falta de cambiais, o presidente Geisel vai determinar o racionamento do óleo que é importado. Nestas circunstâncias, ele não terá a tinta a óleo para poder trabalhar, o que compromete a sobrevivência da sua família. A  ignorância da ameaça é a razão da sua momentânea tranquilidade. 


Mudança de cenário.


Adão está no Éden admirando as flores ao lado da sua recente conquista, Eva. O dia está maravilhoso e ele está feliz olhando  a beleza da sua nova conquista. Passados eram os momentos de triste solidão, desperto do sono em que perdeu uma costela, cantarolava canções em louvor a Deus pelo presente recebido. 


Ignorava Adão que, tentada pela serpente,  Eva havia colhido o  fruto proibido que lhe tinha sido oferecido. Relutou Adão, mas a tentação era atraente: eles, ao comer a fruta, perderam a inocência e dominaram também o bem e o mal como o Criador. Esta ousadia, se de um lado reduziu-lhes a ignorância, de outro lhes custou o Paraíso, que por direito Divino pertence aos pobres de espírito, segundo o evangelho.


A partir do ato de  desobediência os  descendentes de Adão e Eva colocam-se em duas  distintas situações: os ignorantes completos e os iniciados. Os primeiros vivem o seu dia a dia com  preocupações limitadas à sobrevivência imediata. Não sofrem nem com o futuro incerto e nem com questões existenciais. As questões existenciais são respondidas por um  religioso na igreja aos domingos. A religião simplifica para eles os mistérios  metafísicos. O religioso pensa por eles. Uma Bíblia romanceia a aventura humana na Terra e os livra de crises existenciais.


Os iniciados, que escapam da ignorância absoluta, por estudos e reflexões, têm uma existência carregada de preocupações. Não só  ameaças e oportunidades dominam o seu dia a dia, mas também são demandados de penetrar no pensar dos filósofos em busca da razão de existir. De onde vim? Para onde vou? Por tentar pensar com autonomia não delegam a um profissional ( religioso ) o esclarecer as suas dúvidas transcendentais. Não confiam nos  livros vendidos como sagrados.


A busca da sabedoria é um desafio frustrante,  é um processo sem fim.

É como um buraco, quanto mais se cava maior fica. Quanto mais se sabe, mais se sabe que nada sabe, como  descobriu Sócrates. Como também,  os descendentes  iniciados de Adão.


O comer do fruto proibido trouxe como castigo, por desvendar o bem e o mal,  uma constante inquietação. O homem iniciado no domínio do conhecimento não têm a tranquilidade do pintor, um ignorante absoluto, que não provou o fruto da árvore do bem e do mal. 


A perda da inocência de Adão e Eva condenou os iniciados à dúvida, à inquietação, à constante preocupação com o futuro. Reservando aos não iniciados as bênçãos  da  ignorância .


São Paulo, 06 de janeiro de 2024.

Jorge Wilson Simeira Jacob