Um favelão chamado Brasil.
Todos conhecem, ainda que por fora, as nossas favelas * . Poucos se atrevem a entrar na maioria delas. São manchas negras em uma sociedade que se pretende civilizada. São territórios livres onde prevalece a lei do mais forte. Os casebres, aproveitamento de restos de construção, de madeira, de caixotes e de papelão, são precários, não oferecem a mínima proteção aos seus moradores. Neles não há nem segurança, nem privacidade e muito menos higiene. A insalubridade está a olhos vistos, nos esgotos a céu aberto, nos dejectos humanos, lama e animais domésticos. As favelas são exemplos do que é uma condição sub- humana de vida. Como regra, não têm água encanada e a energia elétrica vem de gambiarras, as quais são as causas de constantes incêndios.
Antigamente as favelas estavam concentradas no Rio de Janeiro, capital da República à época da libertação dos escravos, que gerou uma primeira onda de favelados. Foi a solução adotada pelos libertos, que não tendo onde morar, viam nos morros espaço livre e proximidade aos empregos. Carlos Lacerda**, o melhor governador da história do Rio de Janeiro, tentou eliminar as sete favelas então existentes ( hoje são setecentas ). Construiu, afastado da cidade, a Vila Kennedy, financiada pelo governo americano. Transferiu duas favelas sob forte resistência dos moradores. Muitos foram forçados a mudar. Resistiram por razões diversas: distância dos empregos, da praia e da vida social. O projeto morreu na praia! A Vila Kennedy foi mais um exemplo de que a engenharia social não substitui a liberdade de cada um escolher a sua maneira de ser feliz.
Uma segunda onda aconteceu com a redução da população rural, que transferiu-se para as cidades provocada com a extensão das Leis Trabalhistas ao campo. Fato que gerou uma demissão em massa de trabalhadores rurais. Estas duas medidas, que visavam melhorar as condições dos trabalhadores, por não darem um mínimo de amparo aos desalojados, acabou penalizando-os. Ganharam a desejada alforria, mas a custa de serem lançados abruptamente ao relento.
Uma terceira onda está acontecendo - a migração para as grandes metrópoles, que oferecem melhores condições de emprego. À densidade demográfica elevada juntou-se uma política urbanística elitista*** , que jogaram os preços do metro quadrado da habitação a níveis inacessíveis às classes menos favorecidas. A consequência está no aumento das favelas, para os pobres, unidades minúsculas, para a classe média, e edifícios de alto luxo, para a classe privilegiada. A distância entre o pico da pirâmide e a sua base continua aumentando.
Nada indica haver uma mudança na tendência de concentração nas grandes metrópoles. As classes mais baixas têm proles maiores e são elas que em maior número procuram as megalópoles à procura de emprego. Muito provavelmente alojando-se em uma favela. As megalópoles estão cada vez mais rodeadas de megafavelas - um retrato do que poderá ser um favelão chamado Brasil. A menos que os governos reduzam as exigências elitistas e tornem viáveis loteamentos e habitações simples, sem a ilusão do modelo que satisfaz aos sonhadores do mundo ideal. O excesso de intervencionismo governamental, por questões de sobrevivência, força o homem à marginalidade.
São Paulo, 26 de dezembro de 2021,
Jorge Wilson Simeira Jacob
*A origem do termo "favela" encontra-se no episódio histórico conhecido por Guerra de Canudos. A cidadela de Canudos foi construída junto a alguns morros, entre eles o Morro da Favela, assim batizado em virtude da planta Cnidoscolus quercifolius (popularmente chamada de favela) que encobria a região.
Wikipedia
** Carlos Lacerda, jornalista, político foi um dos maiores tribunos brasileiros. Fez excelente governo no Rio de Janeiro.
*** Os planos urbanísticos das cidades são elitistas por terem exigências de estrutura, dimensão e sofisticação, que marginalizam os mais pobres. A consequência é a favelização, onde os sonhos utópicos dos urbanistas não é respeitado. É tipicamente o caso onde o ótimo inviabiliza o que seria o bom. Nem parece que somos um país imenso, com muito espaço livre, que não é viável para os trabalhadores pela falta de transporte de massa e legislação urbana irrealista.Um cidadão de São Paulo, que mora na periferia, perde de 4 a 6 horas no trânsito diariamente.