quarta-feira, 23 de setembro de 2020


A Primeira Pedra.



Jesus sai em defesa de Madalena e pergunta:

- quem nunca pecou que atire a primeira pedra?



Não há muito tempo, uma artista de filme pornô, ao ser entrevistada *, deu detalhes da sua atuação artística e do êxito econômico que lhe permitia usufruir do padrão de vida de classe média. Tinha casa própria, automóvel, poupança e filhos em escola particular. Uma narrativa  digna de admiração como êxito profissional. Depois da sua auto-louvação, como  sempre acontece, o jornalista  jogou  uma  casca de banana  com a última pergunta: 

  • não lhe causa constrangimento moral dedicar-se a filmes de sexo explícito? 
  • ( com sinais de irritação )  esse moralismo hipócrita só existe nas pessoas nascidas em berço de ouro, que nunca passaram fome junto com os  seus filhos. Quero ver se, em situação de penúria em que me encontrava , abandonada pelo marido, se elas resistiriam a oferta de encenar um filme pornô em troca de um cachê suficiente para sair da miséria. Só quem nunca viu um filho chorar de fome sem ter comida para dar; doente sem ter dinheiro para o tratamento... Só esses atiram a primeira pedra! Assumi a opção, não por luxúria, mas como auto-defesa, uma luta pela sobrevivência. Desconforto devem ter os que me criticam!


Porém, se na entrevistada ela conseguiu dar  racionalidade à  sua narrativa, perdeu a fala ao ser confrontada pelo entrevistador, pois tendo superado a miséria com a primeira experiência, ela não abandonou a atividade. Havia encenado muitos outros filmes, comprometendo, assim, a legitimidade da causa primeira.


Entender as razões dos seres humanos exige muito cuidado. Temos necessidades  de encontrar explicações  para nós mesmos nos fatos das nossas vidas. Não só para o nosso  conforto psicológico, mas também para uma satisfação social. Sem esquecer um  outro núcleo da sociedade que trabalha a narrativa para ganhos políticos. São os governantes  que, nas eleições prometem mundos e fundos, mas no cargo são pródigos em  bodes expiatórios, jogando sempre a culpa em outrem:  o presidente não envia os projetos; o congresso  não aprova as mudanças necessárias; a oposição  é contra tudo... menos derrubar o governo...                                                                        

Para  tudo existe uma justificativa, ignorando que não se delega responsabilidade.


Como a artista pornô ( nenhuma segunda intenção no exemplo ), os nossos eleitos alegam razões mil para não entregar o que moralmente prometeram. Têm limitações. Há interesses contrariados e a máquina governamental bloqueia o que não lhe interessa. Mas também perdem a fala e a pose quando confrontados com a realidade de nada fazer na área da sua jurisdição . No seu pedaço continua tudo como antes,  exatamente o que prometeram aos eleitores mudar : estrutura exagerada, burocratização crescente, ameaça de aumento da tributação e o gigantismo do governo.  Nada de cortar na própria carne, só na dos outros. Agora no poder, sem as penúrias de candidatos, não se sentem moralmente desconfortáveis e como  artistas de cinema  pornô , acham natural os filmes de impotência explícita que encenam. Moralmente constrangidos, entendem, devem ficar  os que atiram a primeira pedra.


  • entrevista baseada em fato real, mas reproduzida com liberdade.



As Minhas Reflexões.

Jorge Wilson Simeira Jacob

22 de setembro de 2020.


sexta-feira, 18 de setembro de 2020

 


Um Prefeito Cidadista.


O melhor governo é aquele que menos governa.

Henry David Thoreau,  autor da Desobediência Civil.



A confusão está generalizada. Não se dá o devido nome aos bois. Assim a comunicação fica difícil e o entendimento impossível. Não é por menos que os britânicos valorizam socialmente as pessoas  pelo bom uso do seu  idioma. Já nós somos despreocupados com a etimologia das palavras, no uso corrente não fazemos distinção entre:  estado e governo. Falamos: - em golpe de estado na troca do governo  Dilma pelo Temer; -  em estado mínimo quando o que se pretende é um  governo mínimo...


De Gaulle vivenciou na França as duas situações: - foi primeiro ministro, chefe de governo na Quarta República e presidente eleito, chefe de estado na Quinta República. No Brasil , desde a proclamação da república, só experimentamos o regime presidencialista*, que não distingue  as funções  de chefe de estado e de chefe de governo. Daí a confusão!


estado é a nação politicamente organizada em  instituições, leis e estruturas de governo. Aos  três poderes do governo cabe  a administração do país. Se o governo é transitório, o estado consubstanciado na Constituição pretende ser perene ( a dos Estados Unidas  é de 1787). O ideal é que o  estado tenha  uma matriz sólida, que assegure um governo mínimo - um governo que não governa, como queria Thoreau... que não governa  por não ser necessário ficar no cangote dos cidadãos limitando a sua liberdade.


Também contribui para poluir a comunicação a ação dos políticos que maliciosamente  se autoproclamam estadistas. Quando na prática só cuidam das eleições, que  são vencidas sempre  com propostas de mais governo e não de menos. Agrava mais o fato de que, depois das eleições, os eleitos. fazem política eleiçoeira em tempo integral,  deixando as ações administrativas nas mãos da burocracia, cujos interesses nem sempre coincidem com os da nação. Afinal, ninguém é de ferro, pois o castigo de não ser reeleito é ser condenado ao desemprego. O resultado é que  nem cuidam do estado e nem do governo para o que foram eleitos.


Estas reflexões  são oportunas tendo em conta a proximidade das eleições municipais em  São Paulo. Não faltam candidatos à prefeitura, mas  sobram vulgaridades, ideias erradas. Os candidatos caça-votos  acenam com as ofertas costumeiras, nada inovadoras, em um melancólico exercício de mais do mesmo.  Nenhuma menção à reformas estruturais para  enxugar a inchada e ineficiente  máquina administrativa desta cidade-estado**. 


Se quem cuida do país-estado é um estadista, a quem cuida da cidade-estado sugiro um neologismo - cidadista .  Dar o devido nome aos bois facilitará aos eleitores a identificação dos candidatos. Os problemas desta metrópole, sintetizados na baixa qualidade de vida da população, estão à espera, não de mais um caça-votos, mas de um prefeito cidadista.


               *.   A Quinta República francesa é um regime semi-presidencialista, o presidente tem poderes de chefe de        estado. 

  • * * No governo João Goulart houve um curto período parlamentarista com Tancredo Neves como 1* Ministro.
  • * **  São Paulo tem 155mil funcionários ( supostamente sem inclusão dos funcionários das autarquias e empresas de serviços). Se houver legitimidade de comparar a media de despesas dos países , O Brasil, cujos salários são inferiores,  gasta percentual muito alto   com funcionários públicos em relação ao PIB . A  comparação é eloquente: Brasil 13,3 ;,França 12,8; EUA 9,8; Alemanha 7,5; Japão 5,5%.

   Fonte: Eduardo Mesquita Kobayashi, advogado, mestre em Direito Comercial pela Universidade de Tóquio



As Minhas Reflexões.

Jorge Wilson Simeira Jacob

17 de setembro de 2020.

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sábado, 5 de setembro de 2020

A Aristocracia Monárquica.



Na luta pela sobrevivência os homens sempre usaram  de todos os recursos,  desde a força bruta até o mais desonesto jogo político. Nos primórdios, na disputa pelo poder, prevalecia  a lei do mais forte. A violência era uma constante e castigava a maioria - os fisicamente  mais fracos. Estes como reação , pelo uso  da inteligência, desenvolveram  como alternativa o  estado de direito, uma ordenação de princípios morais que pacificou  a convivência social.

Os ingleses, os mais bem sucedidos  colonizadores da história, administraram as  suas colônias  sob a ética do estado de direito e um  pequeno contigente de servidores. Uma  estrutura simples, um governo mínimo, mas suficiente para manter  submissa uma população imensa. A autoridade  emanava das leis,  da ordem, do respeito às tradições e ao direito à  sobrevivência.  Live and let  live , mais do que um slogan era um princípio ético. A força militar era um instrumento de dissuasão e de  reação à violência . Ainda hoje, como reminiscência , uma prova de tolerância ao contraditório, pode-se assistir nos parques londrinos os protestos contra o governo, que não só são permitidos como são protegidos pela polícia. 

Mahatma Gandhi libertou a Índia dos ingleses sem afrontar o estado de direito . Não provocou o exército britânico, que, em não havendo violência, por coerência não podia  tomar a iniciativa do uso das armas. Desafiou os dominadores com a legitimidade do anseio público à autodeterminação e à independência,  conseguindo com  civilidade que o direito prevalecesse sobre a força. Independência que os norte-americanos conseguiram pela força.

O Brasil , de há  muito,  também de forma pacífica, adotou teoricamente  a democracia republicana como regime político. Na prática, entretanto, o sonhado  ideal do governo do povo para o povo e pelo povo* , foi deturpado. Se somos uma democracia ( do povo ), pois na escolha dos governantes temos todos  os mesmos direitos, - cada cidadão é um voto, não somos  uma república ( para o povo ) tendo em conta que, como nas monarquias, estamos   divididos em duas classes: 
  • uma  oligarquia constituída  pela aristocracia e seus agregados, usufruindo de  regalias, cartórios e privilégios, à serviço de si mesma e não do povo que paga as contas, cujo poder  é exercido em nome de um populismo barato e não da ética - como os colonizadores ingleses. 
  • e uma massa de súditos , que é explorada e coercitivamente tolhida na sua liberdade, e aos quais ficam as migalhas da riqueza nacional, cujo resultado é  a indesejável desigualdade econômica e social. 

Entretempos, ficamos à espera de um Ghandi, que ( pelo povo )  restabeleça  a república, derrubando  a aristocracia monárquica que live but do not let live**. 

  • Discurso de Pettysburg , Abraham Lincoln 
          **. Vive mas não deixa viver.

As Minhas Reflexões.
Jorge Wilson Simeira Jacob        
05 de setembro de 2020.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Uma Andorinha Só Não Faz Verão.

A teoria se  baseia na reflexão sobre fatos ou ideias , reais ou hipotéticos, para estabelecer uma regra  que oriente as pessoas na análise de situações.
A Intuição, segundo Jung - seria uma forma de processar as informações em termos de experiencia passada, objetivos futuros e processos inconscientes. Pessoas intuitivas dão significado às percepções com grande rapidez, sem separar suas interpretações dos dados sensoriais, relacionando automaticamente a experiência passada, a imediata e a futura.

Na vida, com muita frequência, temos que tomar decisões sem ter todos os dados do problema e sem dispor de conhecimento teórico para facilitar uma conclusão. Neste desafio sobressai-se a capacidade de intuir... a mente intuitiva. A teoria pode ser aprendida, a intuição vem com a vivência e com características de personalidade - é um sexto sentido.

À abstração é preferível a análise de um caso  para  mostrar como na prática estas condições influenciam  os resultados de uma decisão. Tomemos como exemplo o desafio de escolher, entre muitos candidatos, o melhor indicado à presidente de uma instituição financeira. Depois do descarte de inúmeros  curriculum vitae ( CV ), como de praxe, restaram dois candidatos. Um deles, um homem de sólida formação  intelectual, personalidade de prestigio internacional, erudito, poliglota, escritor e orador respeitado, economista, político  com circulação no meio governamental e empresarial. Considerado uma das mentes mais lúcidas deste país. Um teórico, sem dúvida alguma.

O outro, sem nenhum verniz teórico, de origem modesta, criado no campo, foi funcionário de pequena empresa e gerente regional de um pequeno banco. Um homem de hábitos simples, um calvinista espartano. Apresentava-se como  um   administrador  de soluções práticas baseadas na experiência e na intuição. Um administrador intuitivo. Refutava as  estruturas financeiras sofisticadas com o argumento de não fazer o que estava acima do seu conhecimento.

Se tivesse de escolher, diante dessas duas alternativas, qual dos dois candidatos você escolheria? 

Felizmente, para benefício desta tese, por permitir uma comparação prática, os dois foram contratados para instituições diferentes. O teórico assumiu a presidência do Banco União Comercial, um dos maiores  do Brasil na época, que terminou mal,  sofrendo  intervenção do Banco Central, que o transferiu ao Banco Itaú. O outro, o intuitivo, assumiu um pequeno banco interiorano e fez dele a mais bem sucedida entidade financeira do país - o Bradesco.

Este artigo, como reflexão, tenta mostrar que a teoria é um recurso valioso, mas insuficiente para determinar resultados. É um  alerta diante da atual tendência  de supervalorização da formação teórica, acadêmica. Ninguém aprende a nadar sem entrar na água, por mais teoria da natação que conheça. A  teoria pode, se não adequada às situações, tornar-se  uma camisa de força ao bitolar o processo decisório. Decisões teóricas aplicadas,  sem visão prática e adequada às circunstâncias, podem ter efeitos indesejados. A teoria e  a intuição como uma  andorinha só não faz verão.

Nota - estas reflexões foram provocadas pelo meu neto Marcelo, que veementemente nega ter tido ajuda significativa  da sua formação teórica para o seu êxito como empresário.

As Minhas Reflexões.
Jorge Wilson Simeira Jacob
31 de agosto de 2020