sábado, 27 de setembro de 2025

 


O capitalismo de estado à moda chinesa,


Nenhuma obra humana é eterna. As religiões se deturpam, os impérios se corrompem ou desmoronam. Entre os mais duradouros da história, destacam-se Roma e a Grã-Bretanha. Roma dominou meio mundo por séculos até ruir pela degradação dos costumes. Já o Império Britânico — onde “o sol nunca se punha” — perdeu força após a Segunda Guerra Mundial, quando os gastos militares arruinaram seu Tesouro.


O vácuo foi preenchido por duas potências: Estados Unidos e União Soviética. Durante décadas, travaram uma disputa pelo domínio mundial que só terminou com a queda do Muro de Berlim, símbolo do fracasso da ideologia comunista. A partir de então, os Estados Unidos emergiram como líder incontestável. Nenhum outro país possuía uma economia robusta o suficiente para investir mais de um trilhão de dólares anuais em suas forças armadas.


Sem o desafio soviético, terminado o receio de outra conflagração mundial o planeta viveu apenas guerras localizadas, quase sempre monitoradas por Washington. Assim como na Pax Romana, experimentou-se uma relativa estabilidade: um poder hegemônico sem rivais tornou-se, paradoxalmente, fator de paz. Para o líder global, interessa a ordem que decorre do convívio pacífico entre as nações. Essa realidade, no entanto, encontra-se ameaçada pelo crescimento da China. Uma guerra mundial volta a ser centro de  preocupações *.


O declínio da hegemonia americana é cada vez mais discutido por intelectuais e políticos. A presidência de Donald Trump expôs essa insegurança: em estilo truculento, declarou guerra a todos que julgava ameaçar os Estados Unidos, atingindo até aliados. Ao reagir de forma agressiva, revelou-se o peso do desafio chinês. Isolados, os americanos se voltaram contra si mesmos e contra o mundo.


Trump construiu sua retórica em torno de um falso truísmo: o de que o planeta se aproveita dos Estados Unidos ao vender produtos mais baratos do que os fabricados localmente. Mas desde quando oferecer bens melhores e mais acessíveis é exploração? Se há privilégio, é o de pagar importações com dólares sem lastro — um papel cuja credibilidade depende apenas da confiança de quem o recebe.


Se antes a China era vista apenas como fonte de mão de obra barata, hoje lidera setores estratégicos como energia solar, inteligência artificial e veículos elétricos. O ritmo da inovação, a escala de produção e a velocidade de implementação impressionam. O país avança com fôlego que assusta até seus críticos.


O contraste entre os modelos é nítido: de um lado, uma economia de mercado marcada pelo peso dos programas sociais (só o Medicare  e Medicaid consomem perto de dois trilhões  de dólares anuais nos EUA ou  5% do PIB contra 2% na China ); de outro, um capitalismo de Estado que canaliza recursos para tornar empresas mais competitivas.


Diante desse cenário, Trump teve duas escolhas: reforçar as bases do liberalismo econômico que fizeram a prosperidade americana — governo mínimo e livre mercado — ou imitar o modelo chinês. Optou pela imitação imperfeita: participação acionária estatal em empresas, barreiras alfandegárias que oneram o consumidor, restrições a imigrantes na força de trabalho e proteção a setores locais. A única exceção foi a manutenção dos gastos sociais, que seguem elevando os custos de produção e a dívida pública.


Como toda cópia, a de Trump está fadada à imperfeição. Falta aos Estados Unidos a disciplina de trabalho, a obediência social e o poder de um regime autoritário que não precisa prestar contas às urnas.

Além de que copiar o  modelo Chinês é um enorme risco. Como toda ditadura não há transparência . Alguns insucessos, como a crise imobiliária , se multiplicados por outras decisões equivocadas do governo podem comprometer o futuro da China. Enquanto o governo mínimo  e a economia de mercado só têm casos de sucesso para mostrar.


Roma caiu pela decadência dos costumes. O comunismo ruiu pela falência de seu modelo econômico. Se os Estados Unidos não despertarem, o fim de sua hegemonia poderá ser simbolizado justamente por aquilo que mais negaram ao longo da história: a adoção, ainda que disfarçada, do capitalismo de Estado à moda chinesa.

* ler a resenha do livro A Armadilha de Tucidedes na coluna Cultura deste jornal ou abaixo para os leitores do meu blogue.                                       

São Paulo,16 de setembro de 2025.                                                                                    Jorge Wilson Simeira Jacob



A Armadilha de Tucídides



No clássico A Guerra do Peloponeso, o historiador Tucídides identificou um padrão que atravessa os séculos: quando uma potência emergente ameaça substituir a dominante, o risco de guerra se torna quase inevitável. Essa “Armadilha de Tucídides” é o ponto de partida de A Caminho da Guerra, de Graham Allison, professor de Harvard e referência em política internacional.


O autor examina 16 episódios semelhantes nos últimos 500 anos. Em 12 deles, a disputa resultou em guerra; apenas em 4 houve soluções pacíficas. A pergunta que orienta o livro é direta: Estados Unidos e China estão destinados ao mesmo desfecho?


Allison responde com cautela. O perigo é real e crescente, mas não inevitável. O livro demonstra como choques entre potências costumam ser alimentados por dois gatilhos psicológicos: hubris (orgulho excessivo) e paranoia (medo irracional). Ambos estão presentes no cenário atual: a China se vê em ascensão firme, enquanto os EUA, acostumados desde 1945 à hegemonia global, reagem com ansiedade e desconfiança.


Os números impressionam. Em 1980, a China representava apenas 2% da economia mundial; hoje, já soma 18% e pode alcançar 30% até 2040. Para os EUA, essa mudança “sísmica” equivale a uma ameaça existencial. Trump respondeu com tarifas e retórica belicosa, inaugurando uma guerra comercial que deixou evidente a rota de colisão.


Mas o livro também lembra que há precedentes de acomodação. Portugal e Espanha recorreram ao Tratado de Tordesilhas para evitar conflito; EUA e Grã-Bretanha ajustaram pacificamente sua relação no século XIX; e americanos e soviéticos administraram a Guerra Fria sem confronto direto. Esses exemplos mostram que é possível adaptar-se a uma nova balança de poder sem recorrer às armas.


Um dos pontos mais interessantes da obra é a comparação cultural entre os adversários. Os americanos, escreve Allison, jogam xadrez, calculando poucos lances à frente. Os chineses jogam Go, pensando em movimentos graduais e de longo prazo. Essa diferença estratégica explica tanto a paciência de Pequim quanto a impaciência de Washington.


À Caminho da Guerra não é apenas uma análise histórica, mas um alerta. Se a competição entre as duas maiores potências se limitar ao campo econômico e tecnológico, o mundo pode ganhar. Se descambar para o militar, o resultado será destrutivo para todos.


Com clareza, erudição e equilíbrio, Allison oferece ao leitor uma reflexão essencial sobre o maior desafio geopolítico do nosso tempo. Uma leitura indispensável para quem quer compreender não só a história, mas também o futuro que se desenha.


Jorge Wilson Simeira Jacob


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