sábado, 28 de junho de 2025

 O mundo ideal é uma utopia.


O otimista é um pessimista mal informado.

Millor Fernandes


Vivemos em uma condição que nada tem a ver com a de um mundo ideal. Este não existe, é uma utopia. Viver é uma  luta contra adversidades que nos surpreendem constantemente.


A vida é como um passeio em um trem fantasma de um circo de diversões. A cada curva se nos apresentam situações inusitadas e algumas assustadoras. Vivemos de sustos em sustos, em uma sequência interminável.


A consciência dos riscos que enfrentamos cresce na medida que avançamos na idade. A juventude, com uma soma pobre de desventuras, vive despreocupadamente o futuro. São otimistas por serem mal informados.


Só os ingênuos envelhecem acreditando em um mundo cor de rosa. Os experientes e atentos aos fatos da vida, depois de sucessivas surpresas no trajeto do Trem Fantasma, acabam desenvolvendo   a sensibilidade aos desafios do dia a dia.


Ao contrário do adágio de que de tanto repetir as emoções vem a insensibilidade, não é verdade sempre. O  que sucede é  uma sequência de  experiências negativas que  nos fazem apreensivos e temerosos. Basta uma chamada  telefônica, um filho que demora a chegar à noite em casa para ficarmos  em estado de alerta, assustados.


Evidentemente,  as adversidades afetam em grau diverso  o nosso estado de ânimo, pois dependem  das  nossas  condições pessoais. O físico e a mente  são seus   alicerces. São estes alavancas das nossas ansiedades.


 Há pessoas mais ou menos resistentes às tensões. São os fortes de ânimo que vem as dificuldades como desafios. E há os fracos que se sentem vítimas. Uns lutam outros se entregam.


Quanto mais vivemos e experiência temos mais denso fica o ar que respiramos. Os fatos da vida são como os pesos que levantamos, quanto mais tempo os carregamos, mais pesados ficam.


A sabedoria budista, como a de outras religiões, nas suas essências, assumem ser a vida um vale de lágrimas.  Nelas, uma existência  sem sofrimento é um prêmio à depuração pela devoção e a  ser usufruída só após  a  morte. A vida ideal, prometem as religiões , só  na outra vida. Nesta, só purgação.


Os budistas almejam um  paraíso a ser conquistado  — o Nirvana. Este será o estado final de salvação, libertação e extinção do sofrimento (dukkha) e do ciclo de nascimento e renascimento (samsara). 


O Nirvana  é um estado livre de sofrimento, apego e ilusão, alcançado através da compreensão da natureza, da realidade e da prática da sabedoria e compaixão.


Nesse Estado Supremo desejado pelos budistas é  o estágio mais elevado, um estado de paz e tranqüilidade, onde o indivíduo se liberta da ilusão e do sofrimento. 

Alcançar o Nirvana significa escapar do ciclo de reencarnações (samsara), que submete  o indivíduo  ao sofrimento e a atribulações.

A considerar a concepção budista,  só na outra vida existe o mundo ideal; sem sofrimentos, amarguras, frustrações…e  sem o medo da vida e da morte.


A consciência da inexistência da vida ideal é mais sentida nos indivíduos das classes mais sofridas das sociedade, que desde cedo conhecem as suas agruras.


 Os “filhinhos de papai” , que são protegidos das adversidades,   vivem a ilusão de um mundo ideal, sem restrições, ameaças e frustrações. Não desenvolvem um ânimo forte. A resiliência é como calo, cada um faz o seu. Não pode ser emprestado.


 A vida é dura para quem é  mole, mas  são as dificuldades enfrentadas  que nos fazem fortes para enfrentar a realidade de ser esta vida um passeio em um trem fantasma a nos assustar continuamente.



A natureza para proteção da espécie nos priva de saber de antemão tudo de ruim que o futuro nos reserva. As desventuras veem em prestações nem sempre suaves. A ignorância dos males que enfrentaremos é um truque da natureza. O truque de, ao ignorar as ameaças, nos fazer  recusar a pensar nelas, inclusive  a maior delas —  a morte.


O mundo  ideal é uma utopia, uma ilusão de otimistas mal informados.


São Paulo, 14 de junho de 2025.

Jorge Wilson Simeira Jacob















sábado, 21 de junho de 2025

 O voto qualitativo


A história da ideia da Democracia nunca foi livre de contestações, desde a Grécia Antiga. Na sua origem a Democracia não se baseava no voto universal. Só uma elite votava: os cidadãos proprietários. Platão, no seu livro A República, pregava que o ideal seria um governo escolhido entre os sábios, uma democracia aristocrática. O voto seria qualificado.


Desde o seu início temia-se que o voto universal, a inclusão dos despossuídos, ensejasse uma situação em que um bando de  miseráveis atuariam para saquear os que produzissem riqueza. Outro não foi o temor dos Founders Father ao escrever, em 1787, a Constituição Americana. Contrariando essa expectativa pessimista, os Estados Unidos não caíram nessa tentação


Talvez isto se explica pela cultura inglesa de valorização da liberdade individual e prêmio ao mérito, que Max Weber distinguia como sendo uma  diferença religiosa. No seu clássico livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber aborda a diferença entre as diversas religiões. 


O protestantismo, segundo ele, prega que o enriquecimento honesto é uma benção Divina, enquanto o catolicismo, condena o lucro como pecado. Uma crença estimula a poupança, o investimento, o trabalho estóico em que o mérito é uma virtude a ser admirada; na outra, os estímulos são negativos, a virtude está na caridade, na esmola. O que a prática mostrou que uma  gerou  riqueza e a outra, pobreza.


Se, como dito acima, nos Estados Unidos, a universalização do voto não resultou nos pobres caçando os bens dos ricos, o mesmo não aconteceu nos países católicos. Nestes, realizou-se a pior das expectativas com a lamentável dicotomia entre pobreza e riqueza. A qual tem sido habilmente explorada,  eleiçoreiramente falando, pelo populismo-socializante, ao  jogar os pobres contra os ricos. A manipulação do eleitorado está baseada na inveja e a causa dos males estaria na desigualdade socioeconômica.


O trágico desse populismo, baseado na transferência de rendas, é a cooptação do eleitor que vende o seu voto, o que torna um milagre escapar desta armadilha. Depois da falência da União Soviética, que escravizou a população, prendeu uma infinidade de opositores do regímen, matou milhões nas perseguições e nos erros do coletivismo, ainda muitos votam nos socialistas. O mesmo aconteceu com o peronismo na Argentina, que empobreceu o mais rico país do mundo, em quase um século de distribuição de renda.


Ambos os exemplos da opção pela pobreza, com a promessa de redução das desigualdades, só deram frutos de mais miseráveis e de servidão ao Estado. Os socialistas, nesses anos, apesar de tantos pesares, ainda retém uma parcela expressiva de adeptos. São os dependentes do governo ou os que mamam nas suas tetas.


Na Rússia, após a queda da comunismo, as pesquisas de opinião pública indicaram que 30% dos eleitores preferiam o regime anterior; na Argentina, após o governo Millei repudiar as práticas peronistas, ainda pouco mais de 40%, não apoiam a mudança, preferem o peronismo com as suas benesses aos “ descamisados”.


Esses percentuais não diferem muito dos números brasileiros, que apresentam números semelhantes dos que caem no canto da sereia de ser a desigualdade o nosso mal. Quando na verdade, o verdadeiro mal está no nível de pobreza causada por baixo investimento e produtividade. Nas eleições o Partido dos Trabalhadores (PT ) , partido político, líder no estímulo ao baixo sentimento de inveja, maliciosamente culpando a inegável e indesejável desigualdade socioeconômica do nosso subdesenvolvimento, tem estáveis 30% dos votos.


Como sair dessa armadilha?


A saída  está em não dar direito de voto aos dependentes do Estado, aos beneficiários das diversas bolsas de auxílio. Está em impedir que o benefício das suas conveniências não sacrifiquem a nação. Seria qualificar o voto para que  os que mamam nas tetas do governo, os dependentes de benefícios públicos, decidam do bem comum.


A ideia de um regime democrático em que aqueles que recebem benefícios do governo não podem votar tem raízes em diversos pensadores políticos e economistas. Entre outros, Milton Friedman: O economista liberal argumentava que há um risco de que, se muitas pessoas dependerem do governo, elas votem em políticas que aumentem os benefícios, levando a um ciclo de gastos públicos insustentáveis.

O voto qualificado seria o fim de um estado de cousas em que o bem geral é sacrificado pelos interessados em vender o voto. 


São Paulo, 19 de março de 2025.

Jorge Wilson Simeira Jacob





sábado, 14 de junho de 2025

 Governo das leis ou dos homens 


Montesquieu, no seu antológico livro O Espírito das Leis, inspirou as democracias modernas, iniciando com a Constituição dos Estados Unidos.


Consciente do perigo da concentração do poder nas mãos do governo, ele inovou dividindo o poder entre três instituições independentes com funções definidas: o executivo, o legislativo e o judiciário.


Montesquieu, certamente conhecedor dos males das monarquias, que concentravam o poder nas mãos de um rei, idealizou sabiamente desconcentra-lo para que o governo da nação não se   baseasse na vontade das  pessoas, mas  na força das leis.


A divisão do governo nas três instituições  funciona na prática como “check and balance” ( freio e equilíbrio) a ponderar as decisões e defender a sociedade de erros e arbitrariedades humanas.


O sistema funcionou muito bem nas sociedades de populações com disciplina e tradição de respeito às regras como a Inglaterra e as suas ex colônias: Estados Unidos, Canada, Australia, Nova Zelândia.



Nessas e alguns outros países que adotaram o direito Britânico , que respeita a ordem, a tradição, o cidadão sente-se mais seguro para organizar a sua vida e administrar o seu patrimônio. Nestas o risco de uma arbitrariedade do  “rei” está afastada.


A divisão dos poderes, como organização, não impediu que muitos países, não fieis à ordem e tradição, ainda que adotem na Constituição a divisão montesquieana, a desvirtuassem na pratica.


O culto à personalidade, o salvador da pátria, é um atributo mais presente nas culturas menos racionais. Basta observar como reagem nestas as massas frente a líderes carismáticos. 


Nessas, as  reações aos acontecimentos têm repercussões épicas, como em tragédia grega. A morte de um líder:  político, artista ou esportista causa emoção nacional. Entre tantos casos, vale lembrar, com o  devido respeito,  a tragédia com a morte do Ayrton Senna, do Tancredo Neves e outros.


Em contrapartida, os abusos de autoridade de um dos poderes ou a omissão de um deles, são aceitos com naturalidade. Poucos se escandalizam com um autoritarismo ou uma omissão de um dos poderes.


Conspurcar a Constituição,  desrespeitando a divisão dos poderes, é uma das piores formas de corrupção. Corrompe o desejo do cidadão de ter um  governo baseado nas leis, nas instituições e valida  o indesejado governo dos homens.


Nada a estranhar a leniência em  uma sociedade onde a corrupção é generalizada. Em que todos são desonestos até prova em contrário, ao invés de todos serem honestos até  serem condenados, como acontece nos países anglo-saxônicos.


As consequências é perdermos uma das bases fundamentais da democracia— a confiança entre os cidadãos e entre o governo e eles. O que alimenta uma profusão de leis e regulamentos, que inibem o empreendedorismo fazendo da vida do cidadão um inferno e ensejando o totalitarismo.


O totalitarismo pode ser identificado nas sociedades onde coexistem estes  três clássicos sintomas: um líder carismático cercado de culto pessoal, a identificação do governo com o estado  e a sua recusa de aceitar a legitimidade da oposição ou a discórdia.  


Nessas,  o cidadão não tem assegurado os  direitos fundamentais:  à vida, à  liberdade e o direito à sua propriedade. 


É essa corrupção do modelo, em  que prevalece a força das  leis acima da vontade dos homens,  que é geradora  dessa insegurança jurídica existente no Brasil. Aqui, como se sabe, até  o passado é imprevisível.


A corrupção nacional não se limita às coisas e valores. Estamos entre as nações que  corromperam  o conceito montesquieano de divisão dos poderes  para proteger o cidadão, com o check and balances, com o culto às personalidades.


Um governo baseado, não nas leis, não nas instituições, mas nas pessoas, flerta com a tirania. Um povo que venera os salvadores da pátria, merece muito, mas não os direitos à vida, à liberdade, ao patrimônio, enfim a escolha da sua maneira de ser feliz.


São Paulo, 04 de junho de 2025

Jorge Wilson Simeira Jacob 

























sábado, 7 de junho de 2025

 A maior das ameaças à democracia


A credibilidade é um capital acumulado a duras penas ao longo do tempo. Se é difícil de adquirir, é fácil de perder. Basta um deslise de conhecimento geral para abalar a confiança depositada em um indivíduo, uma instituição ou um governo.


A primeira e contundente defesa do valor da confiança registrada na história reporta-se ao filósofo chinês Confúcio . Nos  “Analectos” , uma coletânea de ensinamentos atribuídos a ele e compilada por seus discípulos, Confúcio predicou, “para governar o povo são necessárias três coisas: comida suficiente, forças militares suficientes e a confiança do povo no governante”.


Se não puder manter todas, que se abandone o armamento.

Se ainda for preciso abandonar mais uma, que se abandone o alimento pois a morte sempre esteve entre os homens; mas sem confiança, o Estado não pode existir.”


Essa passagem mostra o pensamento profundamente ético e humano de Confúcio: a confiança é mais fundamental que até a sobrevivência física, pois um povo que não confia em seus líderes não consegue formar uma sociedade estável ou justa.

É essa confiança que está sendo delapidada por governos como o do Trump ( e muitos outros ). Sem entrar no mérito de ser necessário restabelecer o equilíbrio fiscal, que ameaça o Tesouro com um default, mas focando nas práticas de absoluto desrespeito aos acordos assinados e histórico de liderança mundial, com Trump os Estados Unidos perderam a credibilidade. 

Depois da revolução de Trump, o mundo nunca mais será igual! A confiança na liderança americana foi violentada.

Não só as relações de governados com governantes dependem de confiança.  Sem um clima de confiança a vida pessoal torna-se-ia inviável. Todas as nossas rotinas estão baseadas na confiança .O que faz com que uma pessoa atravesse ruas de muito trânsito só por ter sido ligada a luz verde de um semáforo. Muitas das vezes sem olhar os carros e motos ainda em movimento. Tantas outras   vezes bebemos água de uma torneira com tranquilidade acreditando  ser água potável.


Os exemplos são infinitos. Estamos condicionados a algumas crenças, que grudaram em nós pelos usos e costumes. O dinheiro emitido por um país é aceito sem pestanejar, ainda que não passe de um papel pintado. O mesmo papel  que diz valer  cem ou mil, ainda que os  dois tenham  o mesmo conteúdo de papel, tinta, produção e distribuição, mas diferente valor.


Estamos tão habituados a agir baseado em confiar em nossas relações com o mundo, que não paramos para questionar. Bebemos água que dizem ser tratada, aceitamos moeda a qual atribuímos o valor impresso, obedecemos aos sinais de trânsito como se não falhassem, tomamos vacina que afirmam inocular, sem pensar nas consequências.


Temos o fator confiança como um bem natural ( take for granted ). Se assim não o fizéssemos  estaríamos  ilhados na sociedade. Não só não teríamos tempo suficiente para pesquisar cada uma das situações que se nós apresentam, no dia a dia, como não teríamos competência e recursos para pesquisar e validar cada decisão que tomamos.


A nossa credulidade, de tantas experiências bem sucedidas, nos leva ao ponto da ingenuidade. Somos ingênuos principalmente diante de fatos que vêm de encontro às nossas crenças e interesses. Por paixão a líderes carismáticos acreditamos nas promessas eleiçoreiras. Por ingenuidade acreditamos serem as empresas estatais administradas por humanos sem os vícios e defeitos dos empresários.


Nem  exemplos fragrantes da diferença dos resultados  entre a empresa privada e a publica convencem a grande massa ( os ingênuos )  do mal que é a empresa estatal. O  serviço de telefonia no Brasil, que era caro, servia mal e dava prejuízo, ao ser   privatizado democratizou o uso do telefone, reduziu os custos, paga altos impostos e beneficia os seus investidores.


Independente da ingenuidade das massas, que acreditam no populismo-socializante, não perde atualidade o alerta do filósofo Norberto Bobbio, em sua obra “O Futuro da Democracia”, em que argumenta que a democracia se sustenta em regras do jogo aceitas por todos e, sobretudo, em confiança mútua entre os cidadãos e entre os cidadãos e as instituições. Para ele, sem essa confiança, o funcionamento democrático se deteriora, dando espaço à desinformação, ao autoritarismo e à polarização.

A perda de confiança entre as pessoas torna a vida inviável; assim como a da sociedade nos seus governantes torna-se na maior das ameaças à democracia.



Sao Paulo, 30 de abril de 2025

Jorge Wilson Simeira Jacob