sábado, 26 de abril de 2025

 Mario Vargas Lhosa


Ninguém é insubstituível. Se assim não fosse a humanidade não teria chegado aos nossos dias. Mas há personalidades que devido às suas qualidades e/ou virtudes fazem diferença neste mundo. Outros são aqueles a quem amamos ou admiramos, que se tornam uma exceção à regra. 


Entre os substituíveis estão  os muitos que fizeram muito mal à humanidade pela sua atuação nos diversos campos das atividades. São os tiranos políticos, os intelectuais de ideias equivocadas, os artistas deslumbrados , que fizeram o mundo pior.


Contrapondo-se a esses,  estão os políticos democráticos, os intelectuais lúcidos e os artistas não comprometidos, que fizeram  o mundo melhor.


Essas ponderações veem à tona com a triste noticia do passamento do escritor peruano Mario Vargas Lhosa. Um ser insubstituível para os seus órfãos: a sua família e  os seus admiradores. Autor de obras imortais como A Guerra do Fim do Mundo, que corre em paralelo a outra obra prima, do brasileiro Euclides da Cunha, Os Sertões, fonte de sua inspiração .


Dois livros emocionantes, que dão vida aos jagunços seguidores de Antônio Conselheiro. São dois textos emocionantes,  que, muitos como eu, no término da leitura ficam entre o encanto do texto e a frustração de ter menos um bom livro para ler. 


Um bom livro lido é como uma paixão vivida intensamente,  deixa um retrogosto de encantamento, mas perdem a condição da novidade, da surpresa. Diz bem Vargas Lhosa  definindo  a literatura como a arte de tornar o impossível, no possível e o sonho, na realidade; é ela que nos propicia viver muitas vidas diferentes quando só temos uma; e transcender do  real para o ideal.


Os seus textos eram frutos de muito empenho. Para escrever A Guerra do Fim do Mundo ele viveu na região brasileira por alguns meses. Era um estudioso, que procurava dominar os eventos e a natureza humana para transmiti-la com eloquência nos seus livros.



Mario Vargas Lhosa, que conheci em um evento liberal, era, como pessoa: um modelo de modéstia,  sedutor, bom ouvinte, cordial e evidente empatia com as ideias dos interlocutores. Ouvia com a tolerância dos espíritos superiores as contestações às suas ideias. Não tinha a postura de um mestre, mas de um alguém desejoso de entender, de debater , de esclarecer. Era uma mente aberta à busca da verdade.


Arrependido da sua militância comunista, que o decepcionou por não entregar o prometido  mundo ideal e por ter  presenciado na Cuba comunista  a  prática da violência, da injustiça e da miséria. Ao ver o fracasso da utopia, testada em todas as  experiências, mudou com armas e bagagens para democracia liberal. Aderiu a democracia liberal não por ser perfeita, mas por ser o ideário que  mais reduziu a violência, a injustiça e a miséria.


Vargas Lhosa era generoso com os intelectuais e artistas. Não os acusava de aproveitadores da ingenuidade alheia em benefício próprio, mas condescendentemente justificava  a devoção deles ao socialismo. Atribuía à propensão dos intelectuais e artistas a estarem sempre em busca da perfeição, a qual acreditam  encontrar na utopia marxista do fim da injustiça social.


Uma tentação que ele como intelectual sucumbiu até a constatação dos desastrosos resultados, principalmente da revolução comunista de Cuba. Dedicado como era em não se deixar levar pelas aparências, mas em buscar a verdade, a descobriu, segundo declarou, nos textos de Raymond Aron.


 No livro  O Ópio dos Intelectuais), Aron argumenta que: “o povo estaria fanatizado pela religião (o ópio do povo) o intelectual estaria fanatizado pelo marxismo (o ópio dos intelectuais). O ópio embota a percepção e a crítica, e a imagem, para Aron, vale para uma concepção de povo, e vale também para uma concepção de intelectuais”.


Premio Nobel de literatura , com

Garcia Marques e Cortazar, chamou a atenção do mundo para a realidade sul americana . Vargas Lhosa era um cidadão cosmopolita.  Viveu e vivenciou diversas culturas, mas nunca se sentiu como um estrangeiro por causa dos livros. Considerava a Espanha que lhe concedeu a cidadania espanhola quando, por razões políticas, esteve ameaçado de perder o passaporte peruano.


Morreu no Peru a sua terra natal à qual dedicava um amor filial. No seu maravilhoso discurso, ao receber o Prêmio Nobel ( ver no YouTube, El discurso completo de Mario Vargas Lhosa ao receber o Prêmio Nobel de Literatura ), ele define com a elegância do seu estilo de escrever as razões do amor que temos pela terra em que nascemos: “ o patriotismo não pode ser imposto, é algo que está em nós. É a consciência íntima de saber que existe um lugar para o qual sempre podemos voltar — a pátria”.


Mario Vargas Lhosa viveu intensamente. Correu o mundo, amou muitas mulheres, escreveu livros, artigos e teatro,  fantasiou-se para o Carnaval Carioca, frequentou a casa Real espanhola e foi candidato derrotado à Presidência do Peru, com um programa liberal.Desta experiência resultou o livro Peixe Fora D’Agua que descreve a sua trajetória eleiçoreira.


Se ninguém é insubstituível, menos aqueles que amamos, como defensor da liberdade individual, ele é daqueles que fez o mundo diferente. 


São Paulo, 18 de abril de 2025.

Jorge Wilson Simeira Jacob












sábado, 19 de abril de 2025

 



Os desafios americanos

 



Uma metáfora que devemos ter  presente é de ser a vida como as águas  de um rio que  ao rolar  provocam contínuas mudanças. A cada espaço à frente tudo pode mudar. Nada é permanente. Assim é a vida. A cada dia, curvas e encruzilhadas mudam o curso da história colocando-nos diante de  circunstâncias muitas vezes imprevisíveis. 


É nos momentos críticos da nossa vida que devemos lembrar de que as coisas ruins como também as boas podem mudar. Se nos momentos difíceis esta ideia nos traz esperanças, nos favoráveis, prudência. As nossas reações correm o risco de serem estremadas, pois elas são exacerbadas diante de  mudanças radicais  podendo nos levar a decisões equivocadas.


Ainda que indesejáveis, terremotos acontecem.  Não só os de natureza geológica, mas de muitas outras causas. Um destes, presente em nossos dias, é o provocado pela ação intempestiva do presidente Trump. Sem mais essa e nem aquela, ele com a sua obsessão  por tarifas, colocou o mundo de ponta cabeça.


Os desdobramentos da sua declarada guerra contra o mundo ainda são imprevisíveis. Muitas empresas americanas, principalmente as pequenas e médias, dedicadas à importação da China — que são inúmeras — poderão fechar; muitos empregos serão perdidos, matando  sonhos de muitas pessoas;  e as relações geopolíticas nunca mais serão iguais. 


Certamente, como em outras ações desastradas na história, como as aventuras de outros megalomaníacos como Stálin, Hitler, Mao Tse Tung, causaram muito mal, mas foram superadas pela extraordinária capacidade humana de adaptação. As sociedades que melhor reagem aos “terremotos” são as baseadas em maior liberdade, que facilitam  mudanças comportamentais por serem mais flexíveis.


Os desafios americanos


Trump chegou ao governo da mais poderosa nação do mundo com poderes nunca antes obtido por um presidente americano. Elegeu-se presidente com maioria no Senado, na Câmara e na Suprema Corte, o que, a par da sua megalomania, está levando-o à uma postura imperial/ditatorial.


Entretanto, ( por  não saber ou não querer assumir )  blefa como jogador agressivo de poker, exibindo   um poder que não mais corresponde à perdida hegemonia americana. Atualmente existe  um contendor, a China, que está determinado a pagar para ver as cartas.


As cartas da China são boas. Ela é uma potência econômica: em 2025 tinha em  reservas  3, 2 trilhões de dólares dos quais  762 bilhões de treasures do tesouro americano; exporta 20%  do seu PIB, sendo só 2,8 % para os Estados Unidos; domina tecnologia de ponta… É um poder econômico respeitável. 


Ademais têm um poderio militar considerável e uma liderança política que não depende da opinião pública, não tem eleições populares para influenciar as suas decisões. É uma ditadura com poder para enfrentar desafios externos sem constrangimentos internos.


Na nova configuração geopolítica, a China está se tornando herdeira das vítimas de Trump. A brutalidade cria ressentimentos e abala a credibilidade.


A impertinência de Trump, determinando ditatorialmente a China a revogar a equiparação das suas  tarifas às americanas, não condiz com a conduta de quem alardeia ser um bom negociador. O resultado foi o esperado — péssimo.


A nação que ele herdou enfrenta dois desafios: déficit  fiscal insustentável ( 1 trilhão de dólares/ano ) e outro tanto  na balança comercial. Segundo  Elon Musk, o país caminhava para a falência, pois estes duplos déficits são insustentáveis. 


Se o desafio é inegável e estava a exigir uma correção. A guerra mundial, tributando abusivamente as importações e vilipendiando os parceiros comerciais, foi uma opção que mais parece a metáfora do sujeito que ao jogar fora a água suja do banho, lança fora também a criança . 


A decisão é equivocada, pois não ataca a causa real do déficit nas transações internacionais. Não será com protecionismo, ideia testada inúmeras vezes por adeptos  do Mercantilismo,  que nunca deu bons resultados.  


Ao contrário, foi a globalização, propiciando aumento das trocas internacionais, que colocou os Estados Unidos como potência econômica.


O segundo desafio, o déficit orçamentário e a insuportável dívida do tesouro, Trump está enfrentando colocando  nas mãos de Elon Musk a operação DOGE ( departament of government eficiêncy) para eliminar 1trilhao de dólares/ano de dispêndio do Tesouro, equivalentes ao déficit corrente. 


Uma ação que tem se mostrado necessária , pois é a redução dos gastos públicos, um governo mínimo, que fará a nação americana superar os seus dois desafios e não as bravatas do Trump.


O pior que pode acontecer.


Ao abandonar a liderança da ordem mundial, compreensivelmente pelo esgotamento do tesouro, Trump deverá desencadear um movimento de rearmamento nuclear. 


O mundo está ficando mais perigoso. Movimentos de anexações de territórios como Taiwan pela China; Ucrânia pela Rússia; Gaza por Israel; e as ameaças à Groenlândia, Canadá e Panamá devem preocupar os  responsáveis pela soberania destes países. 


Como também não será despropositado o Brasil ver uma ameaça à Amazônia.


As perspectivas hoje são preocupantes. Mas como as águas de um rio a cada curva e encruzilhada elas mudam o seu curso. 


Como os Estados Unidos é uma democracia, com instituições que funcionam, em 18 meses os eleitores americanos vão eleger os seus legisladores. Espera-se que o check and balance funcione e ocorra  uma redução no poder de Trump. 


Qualquer governo  com poder absoluto é indesejável. Como ensinou Machiavel: ao dar poder a um homem  é que se descobre o seu caráter”.  Trump, com poder, mostrou ser  brutal e imprudente.


 Com isso as águas do rio tornarão a  rolar no seu leito natural.



São Paulo, 09 de abril, de 2025.

Jorge Wilson Simeira Jacob 













sábado, 12 de abril de 2025

  

Prêmios e castigos.





Uma verdade pouco considerada é a de serem os animais, racionais ou não, motivados por prêmios e castigos. As reações sempre são correspondentes às  ações. Tanto isso é verdade que com  muita frequência temos na vida pessoal, empresarial e governamental decisões, cujos resultados não foram os esperados por não levarem em conta as reações.


Os governos, em especial, se excedem no número de erros que cometem. Como não os pagam com dinheiro do próprio bolso e não se submetem às leis, adotam políticas as mais desastradas. 


São os burocratas que, baseando-se em dados históricos , ignoram que as pessoas reagem aos incentivos de qualquer especie. Subestimam os efeitos dos  reforços negativos e positivos, que alteram os dados  base da decisão.


Lord Byron*, segundo consta, aconselhava sabiamente: “ não trate as pessoas como elas são, mas como gostaria que elas fossem”. Conhecedor da alma sabia que um  incentivo positivo fala muito forte, pois somos influenciados pela  opinião dos outros.


A burocracia, que ignora a natureza humana,  faz exatamente o contrário . Somos tratados como corruptos e incivilizados, usando como instrumento para conseguir os seus objetivos, não a persuasão, mas a punição através de regulamentos e impostos. E os bandidos como vítimas.


Surpreendem-se   os  latinos ver na Escandinávia e mesmo nos países Anglo-saxônicos bancas de frutas e jornais sem vendedores. O cliente se serve e faz o troco. O respeito à civilidade é absoluto. As pessoas fazem questão de merecer a confiança nelas depositadas.


O que acontece é que as  decisões, particulares e públicas, miram no que veem e acertam quase sempre no que não veem. Como no caso presente de um banco, que usando e abusando de uma política de inspiração bem intencionada das autoridades monetárias está tumultuando o mercado.


O caso.


Inspirado no New Deal, plano de recuperação do crack de 1929, do Presidente Roosevelt, em que a perda da confiança dos créditos bancários provocou a quebra de muitos bancos, o Brasil criou o Fundo Garantidor de Créditos ( FGC ). 


Os recursos do FGC eram coletados de todo o sistema bancário para garantir até $250 mil reais de cada depositante. A intenção era louvável: evitar uma corrida bancária.


A ideia funcionou até que um banco ousado desvirtuou a ideia colocando no mercado um volume equivalente a mais de 40% dos recursos do FGC,   para aplicações de alto risco. Com a garantia existente, o mercado absorveu a extravagante oferta de papeis .


Os recursos captados foram  aplicados em títulos de liquidez incerta. Fundamentalmente precatórias do governo, cujo histórico não inspira confiança. 


Certamente o banco em questão, contando, como especula o mercado, com participação de políticos para conseguir o resgate deste débito governamental. Talvez ou não, no final do ano passado o governo antecipou o resgate de um lote de precatórias. O que repercutiu muito mal, pois tradicionalmente o governo é mal pagador.



As precatórias são muito desvalorizadas e certamente foram  compradas a preço vil. Se resgatadas  proporcionariam um lucro fantástico. O prêmio alto seria compatível com o elevado risco. O que não aconteceu, algo fugiu ao controle , levando o banco a sair do mercado.


Esse é um exemplo de uma boa intenção ( um fundo para dar tranquilidade ao sistema financeiro)   cujos resultados não foram os esperados. E a causa está na razão de que as pessoas  reagem de forma imprevisto aos incentivos. 


Se esta é a realidade, se as pessoas reagem aos incentivos, o que esperar de um Brasil que pune o sucesso com impostos e o fracasso com auxílios? 


A resposta é óbvia: o desestímulo ao trabalho, ao estudo, ao investimento; e o incentivo à ociosidade, à ignorância e ao desperdício. 


Onde o mérito não é reconhecido, floresce a mediocridade.


  • Lord Byron (1788-1824) foi um importante poeta do século XIX, um dos principais representantes do "Romantismo" inglês, criador de personagens sonhadores e aventureiros que desafiavam as convenções morais e religiosas da sociedade burguesa.


São Paulo,4 de abril de 2025.

Jorge Wilson Simeira Jacob