Mario Vargas Lhosa
Ninguém é insubstituível. Se assim não fosse a humanidade não teria chegado aos nossos dias. Mas há personalidades que devido às suas qualidades e/ou virtudes fazem diferença neste mundo. Outros são aqueles a quem amamos ou admiramos, que se tornam uma exceção à regra.
Entre os substituíveis estão os muitos que fizeram muito mal à humanidade pela sua atuação nos diversos campos das atividades. São os tiranos políticos, os intelectuais de ideias equivocadas, os artistas deslumbrados , que fizeram o mundo pior.
Contrapondo-se a esses, estão os políticos democráticos, os intelectuais lúcidos e os artistas não comprometidos, que fizeram o mundo melhor.
Essas ponderações veem à tona com a triste noticia do passamento do escritor peruano Mario Vargas Lhosa. Um ser insubstituível para os seus órfãos: a sua família e os seus admiradores. Autor de obras imortais como A Guerra do Fim do Mundo, que corre em paralelo a outra obra prima, do brasileiro Euclides da Cunha, Os Sertões, fonte de sua inspiração .
Dois livros emocionantes, que dão vida aos jagunços seguidores de Antônio Conselheiro. São dois textos emocionantes, que, muitos como eu, no término da leitura ficam entre o encanto do texto e a frustração de ter menos um bom livro para ler.
Um bom livro lido é como uma paixão vivida intensamente, deixa um retrogosto de encantamento, mas perdem a condição da novidade, da surpresa. Diz bem Vargas Lhosa definindo a literatura como a arte de tornar o impossível, no possível e o sonho, na realidade; é ela que nos propicia viver muitas vidas diferentes quando só temos uma; e transcender do real para o ideal.
Os seus textos eram frutos de muito empenho. Para escrever A Guerra do Fim do Mundo ele viveu na região brasileira por alguns meses. Era um estudioso, que procurava dominar os eventos e a natureza humana para transmiti-la com eloquência nos seus livros.
Mario Vargas Lhosa, que conheci em um evento liberal, era, como pessoa: um modelo de modéstia, sedutor, bom ouvinte, cordial e evidente empatia com as ideias dos interlocutores. Ouvia com a tolerância dos espíritos superiores as contestações às suas ideias. Não tinha a postura de um mestre, mas de um alguém desejoso de entender, de debater , de esclarecer. Era uma mente aberta à busca da verdade.
Arrependido da sua militância comunista, que o decepcionou por não entregar o prometido mundo ideal e por ter presenciado na Cuba comunista a prática da violência, da injustiça e da miséria. Ao ver o fracasso da utopia, testada em todas as experiências, mudou com armas e bagagens para democracia liberal. Aderiu a democracia liberal não por ser perfeita, mas por ser o ideário que mais reduziu a violência, a injustiça e a miséria.
Vargas Lhosa era generoso com os intelectuais e artistas. Não os acusava de aproveitadores da ingenuidade alheia em benefício próprio, mas condescendentemente justificava a devoção deles ao socialismo. Atribuía à propensão dos intelectuais e artistas a estarem sempre em busca da perfeição, a qual acreditam encontrar na utopia marxista do fim da injustiça social.
Uma tentação que ele como intelectual sucumbiu até a constatação dos desastrosos resultados, principalmente da revolução comunista de Cuba. Dedicado como era em não se deixar levar pelas aparências, mas em buscar a verdade, a descobriu, segundo declarou, nos textos de Raymond Aron.
No livro O Ópio dos Intelectuais), Aron argumenta que: “o povo estaria fanatizado pela religião (o ópio do povo) o intelectual estaria fanatizado pelo marxismo (o ópio dos intelectuais). O ópio embota a percepção e a crítica, e a imagem, para Aron, vale para uma concepção de povo, e vale também para uma concepção de intelectuais”.
Premio Nobel de literatura , com
Garcia Marques e Cortazar, chamou a atenção do mundo para a realidade sul americana . Vargas Lhosa era um cidadão cosmopolita. Viveu e vivenciou diversas culturas, mas nunca se sentiu como um estrangeiro por causa dos livros. Considerava a Espanha que lhe concedeu a cidadania espanhola quando, por razões políticas, esteve ameaçado de perder o passaporte peruano.
Morreu no Peru a sua terra natal à qual dedicava um amor filial. No seu maravilhoso discurso, ao receber o Prêmio Nobel ( ver no YouTube, El discurso completo de Mario Vargas Lhosa ao receber o Prêmio Nobel de Literatura ), ele define com a elegância do seu estilo de escrever as razões do amor que temos pela terra em que nascemos: “ o patriotismo não pode ser imposto, é algo que está em nós. É a consciência íntima de saber que existe um lugar para o qual sempre podemos voltar — a pátria”.
Mario Vargas Lhosa viveu intensamente. Correu o mundo, amou muitas mulheres, escreveu livros, artigos e teatro, fantasiou-se para o Carnaval Carioca, frequentou a casa Real espanhola e foi candidato derrotado à Presidência do Peru, com um programa liberal.Desta experiência resultou o livro Peixe Fora D’Agua que descreve a sua trajetória eleiçoreira.
Se ninguém é insubstituível, menos aqueles que amamos, como defensor da liberdade individual, ele é daqueles que fez o mundo diferente.
São Paulo, 18 de abril de 2025.
Jorge Wilson Simeira Jacob