sábado, 29 de novembro de 2025

 A política como teatro do absurdo


Qual o sentido da vida?


Nenhum.


O Teatro do Absurdo é uma expressão cunhada em 1961 pelo crítico húngaro radicado na Inglaterra, Martin Esslin (1918–2002), para reunir autores que, embora distintos em forma e estilo, partilhavam uma mesma inquietação: revelar, de maneira inesperada, a falta de sentido da experiência humana. Essas obras, frequentemente inspiradas no existencialismo, expõem um mundo em que a comunicação falha, o propósito evapora e o homem se confronta com o vazio.


Entre seus expoentes está Samuel Beckett, cuja famosa peça Esperando Godot apresenta um personagem que jamais aparece. Godot é o símbolo das expectativas humanas — aquelas figuras, promessas e esperanças que nunca se concretizam.


O impacto do Teatro do Absurdo reside na fidelidade com que espelha a nossa própria trajetória. A vida, afinal, não passa de uma encenação contínua. Quando crianças, brincamos de heróis ou vilões; inventamos mundos, medos e façanhas. Nada muda quando chegamos à vida adulta — apenas sofisticamos o jogo. Criamos empresas, disputamos posições, acumulamos ganhos e perdas, distribuímos prêmios e castigos. Mudam os objetos da fantasia, não a sua essência.


Se na vida privada é assim, na pública ainda mais. Os políticos representam papéis de estadistas, patriotas abnegados e defensores da moralidade — personagens cuidadosamente construídos para o palco da opinião pública.

A diferença é que o ator profissional declara-se ator; o político, não.


Ambos emocionam plateias crédulas, mas ao menos, no teatro, todos sabem que é ficção. Já na política, a ilusão veste o disfarce da realidade — e, por isso, engana mais inocentes que qualquer peça dramática.


Interrompa a fantasia de uma criança e ela reage com tristeza: vive a história com corpo e alma e não quer que lhe digam que tudo é um faz de conta.

Interrompa a fantasia de um adulto sobre seu político de estimação e a reação será pior: não apenas tristeza, mas revolta. Em vez de agradecer o alerta, revolta-se contra quem tenta despertá-lo. Apega-se ainda mais ao personagem que o ilude.


É da natureza humana cultivar as ilusões. Gostamos de alimentar os sonhos que nos enganam.


São esses iludidos os que continuam esperando seu Godot político — figura imaginária que nunca chega, mas cuja ausência alimenta uma esperança eterna.

E assim a política se converte no teatro do absurdo em escala nacional, uma brincadeira de adultos que teimam em levar a fantasia até as últimas consequências.


Qual é o sentido da política?

Talvez o mesmo sentido da vida no teatro do absurdo: manter a ilusão em cena pelo maior tempo possível.

São Paulo, 22 de novembro de 2025.

Jorge Wilson Simeira Jacob 








sábado, 22 de novembro de 2025

 Patriotismo não é licença para censura.

O recente episódio do ministro alemão comparando pejorativamente Belem do Pará com a Alemanha causou um alvoroço, um mal estar nacional. 


Ninguém pode obrigar um estranho a ter  sentimentos de aprovação ao nosso rincão e nem à nossa cultura. Isto seria uma violência à natureza humana. 


Como também não podemos  impedir, ainda que com uma censura informal, que as opiniões contrárias às nossas sejam vocalizadas. Mesmo sendo inoportunas como foram.


Certamente o ministro alemão foi indelicado com os seus anfitriões, poderia por diplomacia ter reservado a sua critica a seus círculos íntimos.


A reação das autoridades brasileiras, com o mesmo direito à liberdade de expressão, perderam uma oportunidade de reagir diplomaticamente, ao invés de passar o recibo de uma grosseria com outra.


A indignação não contribui para defender a imagem de uma nação que se apresenta como civilizada. Ao contrário a fuga da racionalidade põe a descoberto um primitivo bairrismo.


O bairrismo  — esse apego forte, às vezes irracional, ao lugar onde nascemos ou vivemos — é um fenômeno profundamente humano. Fazemos do  lugar onde nascemos um espelho de quem somos


O ser humano precisa de um ponto de referência para construir sua identidade. O bairro, a cidade ou a terra natal oferecem, na cultura comum, memórias afetivas um sentimento de “nós”, que reforça a noção de pertencimento.

 Criticar o lugar que amamos soa como crítica pessoal, uma ofensa. É um ataque  que usualmente é  rebatido com a emoção, pois é visto como uma  ameaça ao lugar que nos deu segurança ao longo da vida.

O  bairrismo é, em parte, essa antiga lógica tribal projetada sobre espaços modernos. O local vira símbolo de um paraíso emocional — que queremos proteger.


A devoção aos valores de um bairro, cidade ou região raramente nasce de um juízo racional sobre se são bons ou ruins.

Na verdade, nasce de:


  • hábito
  • tradição
  • desejo de pertencimento
  • medo da dissolução da própria identidade

A pessoa sente que, se criticar os valores do lugar, estará perdendo parte de si mesma.

Por isso o sentimento pode ser tão forte quanto fé religiosa: ele toca na essência simbólica do indivíduo.

O infeliz comentário do ministro alemão, em vez de ser aceito como uma opinião entre tantas, é visto como ofensa pessoal. 

Se aceita com racionalidade, o ministro provocaria uma análise crítica e as mazelas, que sempre existem, mereceriam correções para serem melhor avaliadas em outras oportunidades. Com emoção, reforça um falso patriotismo.

São Paulo,22 de novembro de 2025.

Jorge Wilson Simeira Jacob


quinta-feira, 13 de novembro de 2025

 


Deus escreve reto com políticos tortos


O mito do país do futuro


Há quase um século ( 1941 ) Stefan Zweig publicou o livro Brasil, o País do Futuro, que se tornou um clássico.

A obra foi encomendada por Getúlio Vargas para promover a imagem de um Brasil moderno e promissor. Embora tenha nascido de um contrato e não de uma convicção, o texto consagrou uma visão otimista do destino nacional — um sonho que, décadas depois, ainda ecoa como promessa não cumprida.

A ironia do futuro que não chega

O tempo passou e o Brasil não confirmou as esperanças de Zweig.

Pelo contrário, virou piada recorrente: “o país do futuro que nunca chega”.

O bordão resume bem o desencanto coletivo com a distância entre o potencial e a realidade.

Nos últimos quarenta anos, o PIB per capita brasileiro nos mantém entre as economias mais pobres do mundo. Em quase todos os indicadores sociais, seguimos abaixo das médias globais. Tema de meu artigo, Brasil Rico, Brasileiro Pobre,  no blogue  ( 05.10.25 ) jwsjbr.blogspot.com ou na minha coluna (  ) no Jornal Opção.


A constatação é amarga: o ufanismo acabou. Já quase não se ouvem brasileiros proclamando com orgulho que “Deus é brasileiro”. Perdemos até essa fé simbólica em um destino abençoado.

Somos uma sociedade movida por emoções intensas e reflexões curtas.

Essa característica nos torna ciclotímicos: alternamos euforia e frustração com a mesma rapidez.

Vencemos um campeonato de futebol e acreditamos que tudo vai bem; perdemos um ídolo e mergulhamos na depressão coletiva.


Falta-nos uma cultura de racionalidade e responsabilidade, capaz de sustentar projetos de longo prazo. Sem ela, o país vive preso a ciclos de esperança e decepção.

Infelizmente, os dados decepcionantes do empobrecimento da população solapam qualquer tentativa de pensamento racional.


Populismo e estagnação

Racionalmente analisado, é difícil defender que o Brasil superará sua condição atual sem uma mudança profunda.

O país jamais será o “país do futuro” enquanto depender do populismo socializante, da burocracia dominante e da tutela estatal.


As nações que prosperaram o fizeram quando adotaram o capitalismo como cultura:

  • economia de mercado;
  • direito à propriedade privada;
  • segurança jurídica;

Enfim, um estado que premia o mérito, permitindo  que quem produz riqueza trabalhe sem depender do governo, e que as leis  protegem o cidadão, não o poder.

Enquanto não internalizarmos esses valores, estaremos condenados a ser o país do futuro que nunca chega.

O milagre da sobrevivência

Apesar de tudo, há razões para crer que Deus é mesmo brasileiro.

Nosso território é um dos mais ricos e diversos do planeta: terra fértil, minérios, energia, clima e até terras raras.

Nosso povo é inventivo, trabalhador e criativo. O agronegócio é exemplo notável do que o brasileiro pode realizar quando tem liberdade para empreender e colhe o resultado do seu trabalho.

Talvez o milagre brasileiro esteja justamente em sobreviver aos próprios governantes.

Deus, com ironia divina, nos defendeu de políticos mal intencionados dando-lhes  visão curta: tão incompetentes que não conseguem fazer o bem — mas também incapazes de causar um mal irreversível.

Se fossem maus e eficientes, o país já estaria destruído.


Conclusão: a graça da mediocridade

Entre tantos paradoxos, o Brasil resiste.

Prospera aqui e ali, apesar do Estado e não por causa dele.

E é nesse aparente contrassenso que se revela uma espécie de graça nacional:

Deus é brasileiro.

Escreve reto com políticos tortos.


São Paulo, 15 de outubro de 2025

Jorge Wilson Simeira Jacob


sábado, 8 de novembro de 2025

 


Quando o gato vira tigre

Em um antigo desenho animado, um caçador na selva africana avistou o rabo de uma caça que acreditava ser um gato Angorá. Curioso, aproximou-se cautelosamente para não afugentar o bichano. Foi bem-sucedido: o animal não fugiu. O caçador agarrou o rabo e puxou com violência. Para sua surpresa, atrás da árvore, em vez do gato, surgiu um feroz tigre. De caçador, passou a ser a caça.


Essa experiência do incauto caçador, embora em outro contexto, reflete situações que enfrentamos em nossas vivências. Um exemplo atual é a relação entre Trump e a China. O ex-presidente, ao desafiar o país asiático, acreditava lidar com um “gatinho”, mas descobriu um tigre. Embora não tenha se tornado a própria caça, o resultado foi igualmente inesperado.


Segundo o cientista político Henry Farrell, da Universidade Johns Hopkins, citado pelo Estadão em 19/10/2025:


“Os Estados Unidos agora precisam encarar o fato de que têm um adversário que pode ameaçar partes substanciais da economia americana. A China descobriu como seguir o exemplo dos EUA e, em certo sentido, jogar esse jogo melhor do que os EUA.”


Às ameaças de Trump, a China não se intimidou. O governo americano arquitetou, desde 2018, um bloqueio a todos os componentes necessários ao desenvolvimento de inteligência artificial chinês. A China, entretanto, reagiu, desenvolvendo alternativas que contornam a dependência dos chips americanos. Em contrapartida, impôs restrições estratégicas à exportação de “terras raras”, nas quais detém quase monopólio mundial. Como a indústria global depende desses insumos, a posição americana ficou inferior à chinesa.


Mais uma vez, o caçador se enganou pela aparente inferioridade da presa. Ao puxar o rabo do “gato”, descobriu que provocava um tigre. O melhor negociador é aquele que não subestima a outra parte; o pior é o que, como Trump, acredita que a força bruta basta. Sua arma limitada ao uso da força demonstrou-se insuficiente frente a um adversário estratégico e resiliente.


Quando a força falha, como na atual guerra comercial com a China, o gato realmente se transforma em tigre.


São Paulo, 18 de outubro de 2025

Jorge Wilson Simeira Jacob


quarta-feira, 29 de outubro de 2025

 




Amor à ordem ou medo do caos?

A sociedade humana, vale a pena lembrar, nem sempre foi subordinada a um governo. A história, a antropologia e a arqueologia explicam, em linhas gerais, como a humanidade passou da vida selvagem para uma convivência civilizada.


A instituição do governo passou a ser desejada quando os excedentes de produção, que, gerando riqueza, fizeram surgir a propriedade privada e os grandes aglomerados humanos. Até então, os grupos reunidos por etnias desconheciam a propriedade privada e as classes sociais. As lideranças eram temporárias, sem Estado e sem leis escritas.


Com a revolução agrícola e a domesticação de animais, e com maior produção e fixação à terra, surgem os estoques e, portanto, a acumulação de capital. A população explode, porque mais comida significa mais gente.


As sementes da “civilização”.


Podemos destacar três correntes de pensamento que definem a condição de vida civilizada:


  1. Para Hobbes ( século XVII ) o estado de natureza é um estado de guerra de todos contra todos, onde vigora a lei do mais forte. O ser humano, movido por desejo e rivalidade, acaba produzindo violência contínua. Para escapar desse caos, os homens cedem sua liberdade e criam um soberano forte (o Estado), que imponha ordem.
  2. Para John Locke (século XVII), o governo é um guardião da propriedade e dos direitos naturais. Todo indivíduo tem direito natural à vida, à liberdade e à propriedade, mas, sem leis e sem juiz comum, esses direitos podem ser violados. O governo nasce do consentimento dos governados para proteger a propriedade, arbitrar conflitos e garantir justiça imparcial.
  3. Para Jean-Jacques Rousseau (século XVIII), o governo surge para corrigir desigualdades criadas pela civilização. Os conflitos surgem com a propriedade privada, que gera desigualdade, ciúme e conflito. A sociedade cria o governo para reorganizar a convivência em bases justas, buscando a vontade geral e o bem comum.


Conclusão geral


Embora discordem nas causas, os três concordam que o governo nasce porque a vida em sociedade gera conflitos que o indivíduo sozinho não consegue resolver. Assim, a transição do “selvagem” para o “civilizado” é movida por uma necessidade objetiva: garantir convivência estável, protegida e cooperativa.


Portanto, aceita a condição básica da legitimidade de um governo, ela depende da convivência pacífica entre os cidadãos, com a garantia dos direitos fundamentais: a vida, a liberdade e a propriedade privada.


Quando uma sociedade, como a brasileira, não tem no governo a garantia à vida — pois enfrenta o maior índice de crimes fatais do mundo —; da liberdade — pois a vida foi sufocada por uma burocracia que confisca a livre iniciativa —; e da propriedade privada — sujeita a uma proverbial insegurança jurídica, com confiscos, invasões e desapropriações —, está na hora de questionar a legitimidade do governo.


Governo, para que te quero?


Se não temos as condições de uma sociedade civilizada, se regredimos às da vida selvagem, com o narcotráfico infiltrado nas entranhas do país — uma verdadeira anarquia —, o governo não se justifica.


Nenhuma sociedade se submeteu a um governo por amor à ordem, mas por medo do caos. E é por causa do atual caos que o governo que temos não se justifica.


São Paulo, 29 de outubro de 2025

Jorge Wilson Simeira Jacob