O mercado não valida monopólios perenes
A soberba é um pecado severamente punido pelo mercado. Este pecado induz à arrogância que tem sido cometido pelos Estados Unidos no uso do seu poder econômico e financeiro. Se até agora tudo parecia estar no melhor dos mundos, a recente declaração do candidato Trump à presidência do seu país mostra que a “ ficha caiu”.
Trump, em recente palestra em Chicago, diante da queda do volume das reservas internacionais, fruto da reação dos países de procurarem alternativa ao dólar, vociferou que punirá aqueles que abandonarem o dólar como moeda de troca e de reserva. Ameaça ele tributar em 100% as importações americanas oriunda dessas origens.
Segundo ele, esses países terão que se curvar à força. Esta é uma demonstração de que, se antes, o dólar era uma opção conveniente, agora passará a ser uma pílula a ser engolida a seco. Nesta coluna do Jornal Opção, em 14 de julho de 2024,o meu texto nomeado como God Save the Dollar, alertava do risco que corria o dólar. Só não previa que os Estados Unidos sentissem o custo dos seus abusos tão cedo.
Alguns fatores explicam as razões para o temor do ex-presidente Trump:
- o fim do acordo do Petrodólar ( Arábia Saudita contratou há cinquenta anos a só negociar o seu petróleo em dólar);
- o bloqueio das contas da Rússia como pressão à guerra da Ucrânia;
- o crescente endividamento do Tesouro Americano, que ameaça a paridade do dólar, colocando em dúvida a sua confiabilidade;
- o potencial conflito com a China que a fez trocar as suas reservas em dólar por ouro;
- e, o Fatec, que na linha de “ seguir o dinheiro “ policiou todas as transações financeiras do mundo em combate ao terrorismo e evasão de divisas. Interferindo na soberania de países, que como paraísos fiscais, serviam a indústria financeira internacional;
Assim como na física, na economia também as ações provocam reações de igual magnitude e intensidade. Todos as nações afetados, direta ou indiretamente por bloqueios das suas reservas, um abuso na administração do dólar, reagiram buscando alternativas. O que criou oportunidade para a China, hoje a maior economia do mundo, promover a sua moeda como alternativa ao dólar.
A soberba americana os levou a subestimar as reações ao uso e abuso do dólar como instrumento político. A moeda está sendo usada como arma de guerra. Enquanto havia a hegemonia do dólar, não havendo alternativas, o mundo engoliu as suas imposições. Com o advento da China, ameaçando o poderio ímpar dos Estados Unidos na economia e nas finanças, chegou a hora de acordar.
O dólar representava 85% das reservas globais em 1970, proporção que caiu para 58% hoje, de acordo com o FMI. O euro representa 20%, contra um volume ainda insignificante das demais moedas. Trump promete punir quem abandonar o dolar (https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/10/16). Um grande equívoco. A decisão correta seria restabelecer a neutralidade do dólar. Deixar de ser arma política e alavancagem dos déficits públicos do país para reconquistar a preferência do mercado.
Mas, ao invés de ouvir a regra do mercado, pelo menos o candidato, Trump adota uma postura intervencionista, de força, que vai bater contra as regra de mercado, que por dinamismo natural, não valida monopólios perenes — o mercado é como se diz da justiça: tarda mas não falha. É questão de tempo para o dólar ter que arregaçar as mangas e competir pela preferência do mercado. Está à vista o fim do dólar como instrumento de poder dos Estados Unidos.
São Paulo, 16 de outubro de 2024.
Jorge Wilson Simeira Jacob